terça-feira, dezembro 29, 2009

um deus também é o vento
só se vê nos seus efeitos
árvores em pânico
bandeiras
água trêmula
navios a zarpar

me ensina
a sofrer sem ser visto
a gozar em silêncio
o meu próprio passar
nunca duas vezes
no mesmo lugar

a este deus
que levanta poeira dos caminhos
os levando a voar
consagro este suspiro

nele cresça
até virar vendaval

domingo, dezembro 27, 2009

Para quê complicar inutilmente,
Pensando, o que impensado existe? Nascem
Ervas sem razão dada
Para elas olhos, não razões, são a alma.
Como através de um rio as contemplemos.


Ricardo Reis
Dá-nos a Tua paz,
Deus cristão falso, mas consolador, porque todos
Nascem para a emoção rezada a ti;
Deus anti-científico, mas que a nossa mãe ensina;
Deus absurdo da verdade absurda, mas que tem a verdade das lágrimas
Nas horas de fraqueza em que sentimos que passamos
Como o fumo e a nuvem, mas a emoção não o quer,
Como o rasto na terra, mas a alma é sensível...

Dá-nos a Tua paz, ainda que não existisses nunca,
A Tua paz no mundo que julgas Teu,
A Tua paz impossível tão possível à Terra,
À grande mãe pagã, cristã em nós a esta hora
E que deve ser humana em tudo quanto é humano em nós.

Dá-nos a paz como uma brisa saindo
Ou a chuva para a qual há preces nas províncias,
E chore por leis naturais tranquilizadoramente.

Dá-nos a paz, porque por ela siga, e regresse
O nosso espírito cansado ao quarto de arrumações e coser
Onde ao canto está o berço inútil, mas não a mãe que embala,
Onde na cómoda velha está a roupa de infância, despida
Com o poder iludir a vida com o sonho...

Dá-nos a tua paz.
O mundo é incerto e confuso,
O pensamento não chega a parte nenhuma da Terra,

O braço não alcança mais do que a mão pode conter,
O olhar não atravessa os muros da sombra,
O coração não sabe desejar o que deseja
A vida erra constantemente o caminho para a Vida.

Dá-nos, Senhor, a paz, Cristo ou Buda que sejas,
Dá-nos a paz e admite
Nos vales esquecidos de pastores ignotos
Nos píncaros de gelo dos eremitas perdidos,
Nas ruas transversais dos bairros afastados das cidades,
A paz que é dos que não conhecem e esquecem sem querer.

Materna paz que adormeça a terra,
Dormente à lareira sem filosofias,
Memória dos contos de fadas sem a vida lá fora,
A canção do berço volvida através da memória sem futuro,
O calor, a ama, o menino,
O menino que se vai deitar
E o sentido inútil da vida,
O coevo antigo das coisas,
A dor sem fundo da terra, dos homens, dos destinos
Do mundo...

Álvaro de Campos

Rapto

Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas;
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o vôo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até o extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas noturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.

Carlos Drummond de Andrade in: Claro Enigma.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Natal

Nasce um Deus. Outros morrem. A Verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.


Fernando Pessoa

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Hino Homérico XIV: À mãe dos Deuses

A mãe de todos os Deuses e todos os homens
celebra-me, Musa de voz límpida filha do grande Zeus,
a ela o ressoar de crótalos, tambores e o frêmito de flautins
deleita e o clamor de lobos e leões de olhos rútilos
sonantes montanhas e vales boscosos;
e tu também assim salve, e ao mesmo tempo todas as Deusas no canto.

Tradução: Rafael Brunhara

O Pastor Amoroso - II

Está alta no céu a lua e é primavera.
Penso em ti e dentro de mim estou completo.

Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; não sou eu: sou feliz.

Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelos campos,
E eu andarei contigo pelos campos a ver-te colher flores.

Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Mas quando vieres amanhã e andares comigo realmente a colher flores,

Isso será uma alegria e uma novidade para mim.

domingo, dezembro 20, 2009

Shakespeare - Soneto CV

Let not my love be call'd idolatry,
nor my beloved as an idol show,
since all alike my songs and praises be
to one, of one, still such, and ever so.
kind is my love today, tomorrow kind,
still constant in a wondrous excellence,
therefore my verse to constancy confin'd,
one thing expressing, leaves out difference.
Fair, kind, and true, is all my argument,
fair, kind, and true, varying to other words,
and in this change is my invention spent,
three themes in one, which wondrous scope affords.
Fair, kind, and true, have often liv'd alone,
which three till now, never kept seat in one.

Oh! ninguém chame idolatria o meu amor,
nem dê por ídolo quem alvo é desse preito,
porque todo o meu canto e todo o meu louvor
são para alguém, de alguém, e sempre, e de um só jeito.
Meu amor hoje é afável, amanhã afável,
sempre constante numa esplêndida excelência:
logo meu verso, limitado ao invariável,
exprime uma só coisa, e exclui a impermanência.
"Bom, belo e verdadeiro" - é um só argumento,
"Bom, belo e verdadeiro" - em vária locução:
Nessa mudança absorvo tudo quanto invento,
três temas postos num, de amplíssima extensão.
"Bom, belo e verdadeiro" alheios têm vivido:
Num ser ainda não se haviam reunido.

Tradução de Péricles Eugênio d Silva Ramos

Hino Homérico XXXIII: Aos Dióscuros

Acerca dos jovens de Zeus falai, Musas de vivazes olhos,
Dos Tindáridas, os filhos esplêndidos de Leda de belos tornozelos
Cástor doma-corcéis e irrepreensível Polideuces,
A eles sob o vértice do alto monte Taigeto
Unida em amor ao nuvem-turvo Cronida
engendrou, meninos salvadores dos homens da terra
e alígeras naus, quando se azafamam procelas
invernais no infatigável mar: E das naus
orando invocam os jovens do grande Zeus
com alvos cordeiros, indo à extremidade
da popa: a ela forte vento e a vaga marinha
submergem. Mas eles de súbito surgem,
com louras asas, a ruflar pelo firmamento;
e,de pronto,de graves ventos cessam as procelas,
vagas dispersam do alvo salso mar em pleno pélago;
belos sinais e libertam da fadiga. Os nautas com a visita
alegram-se: cessam a mísera fadiga.
Salve, Tindáridas, cavaleiros de ágeis corcéis:
depois também de vós me lembrarei em outra canção.

Tradução: Rafael Brunhara

sábado, dezembro 19, 2009

Hino Homérico XV: A Héracles, coração-de-leão

A Heracles de Zeus o filho cantarei, de longe o melhor
dos homens da terra; na Tebas de formosos coros
gerou-te Alcmena unida ao nuvem-turvo Cronida
antes por terra e mar inefáveis errante
por injunções de Euristeu soberano
muitas temeridades cumpriu, a muitas resistiu:
mas hoje na bela sede do nevoento Olimpo
habita jubiloso e tem Hebe de belos tornozelos.
Salve, soberano filho de Zeus: concede-me virtude e prosperidade!

Tradução: Rafael Brunhara

Hino Homérico I - A Dioniso

Nota Liminar: O Hino Homérico I a Dioniso é composto por quatro fragmentos do que parecia ser um longo canto. O primeiro (A) provém de um papiro e de citações antigas presentes em Diodoro da Sicília e nos escólios às Argonáuticas de Apolônio de Rodes. O segundo (B) é uma citação presente em Ateneu de Naucrátis extraída, por sua vez, de Crates. De Oxirrinico emerge um papiro que contém a terceira parte do poema (C,Papiro de Oxirrinico n.670) e traz possivelmente um discurso de Zeus a Hera. Por fim, a última parte (D)está presente em um manuscrito dos hinos homéricos (Codex M), antecedendo ao Hino à Deméter.

O mito contado no poema é, provavelmente, o da ascensão de Dioniso ao Olimpo, sob anuência de Hera. Aturdida com Hefesto, filho deforme que gerara, Hera o lança ao mar. Mas salvo e nutrido por Nereidas, o rebento pôde aprimorar suas habilidades de forja e, como vingança, presenteia a mãe com um belo trono contendo um engenho secreto: ao sentar-se nele, Hera vê-se presa em cadeias inquebráveis, que só poderiam ser desfeitas por Hefesto. Zeus envia Ares e Dioniso para trazer o Deus coxo de volta. O primeiro falha: Ares não consegue sobrepujar as chamas de Hefesto com sua força. A arma utilizada por Dioniso, porém, é mais eficaz: valendo-se do vinho, Dioniso deixa Hefesto bêbado e o leva de volta ao Olimpo, montado em uma mula. Este liberta Hera, e ela passa a admitir Dioniso entre os Olímpios.

Usei para a tradução a edição de Martin L. West em Homeric Hymns, Apocrypha, Lives, Loeb Classical Library.



A


]...(?) [

Dizem: ou em Drakano, ou em Icário plena de ventos,
Ou em Naxos, touro Deus, prole de Zeus,
ou no rio Alfeu de fundos remoinhos
[que prenhe Sêmele deu-te a luz para Zeus jubiloso do raio].
Outros, senhor, dizem que em Tebas nasceste,
Mas estão mentindo: engendrou-te o pai dos homens e Deuses
muito além da humanidade, ocultando-se de bracinívea Hera.
Há uma Nisa, monte súpero, flóreo silvado,
Longe da Fenícia, quase nas correntes do Egito;
Lá os homens de fala articulada não cruzam com naus;
Pois não lhes há porto, veículos navais a vaguear;
Mas pedra precipite contorna a tudo,
alcantilada; be]las coisas deleitosas viçam, muitas
] ocupa fundo (?) [...] ? [
] (?) ....[
] (?)...[
l[onge das ond[as
] (?)[
] (?)[
] de muitos...[
] com a mão...[
] amáveis pastagen[s
]sob...[

B


De seus próprios cachos de uva negra orgulhoso

C

(Zeus a Hera)

é o que desejas : que mais ainda pode se passar?
Até mesmo eu agi irrefletidamente,
] [...] anuente, (?) [...]
] comparam (?) [
Ele te enganou, envolveu-te em tartáreos vexatórios grilhões,
Quem, amada, libertar-te-ia? Cinturão inquebrantável
[Circ]unda [tod]o o teu corpo: outrossim
Porque imêmore das ordens e ameaças,

um desígnio resoluto ele concebia em seu ânimo;
cruel, irmã, geraste um filho cruel;
eng]enhoso e colérico
an[te] aos valorosos p]és (?) [
] (?)[ ...] (?) [
]...[...] a ti o teu [
] e [....] sendo (?) [
]...enfureci[do?]...
Vejamos se ele amaciará seu férreo coração:
Auxílio às tuas fadigas, apresentam-se dois
filhos meus, de espírito prudente: Um é Ares,
que ágil lança brande, guerreiro de espessa couraça;
] (?) para ver e (?) [
E ainda há outro, Dioniso... [
Que contra mim porém ele não provoque o conflito! Ou por
Meus raios será golpeado, e em mau estado ficará!
]...de dulçuras...[
]...este garoto...[

D

“E eles erguerão efígies muitas nos templos.
E como serão três no total sempre em triênios
Os homens realizarão perfeitas hecatombes.”
Falou, e com escuros sobrolhos acenou o Cronida.
Agitaram-se os ambrosíacos cabelos da soberana
Cerviz imortal, e o alto Olimpo retumbou;
[assim falou e acenou com a cabeça o próvido Zeus]
Sê propício, Touro Deus, insânia das mulheres! nós aedos
odes a ti cantamos, quando começamos e findamos: não há
como mencionar um canto sacro desatento a ti.
[e assim, tu também, salve, Dioniso Touro Deus,
Com mãe Sêmele, a quem de fato chamam Tione]


Tradução: Rafael Brunhara

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Hino Homérico XXIV: A Héstia

Héstia, que de soberano Apolo longiflecheiro
um sagrado lar na divina Pito assistes,
sempre de tuas madeixas escorre fluido óleo de oliveiras.
chega nesta casa, achega-te, de coração,
com Zeus próvido: e ao mesmo tempo infunde graça no canto.

Trad. Rafael Brunhara

Hino Homérico XXII - A Posídon

Acerca de Posídon grande Deus começo a cantar
da terra movedor e do mar sem messe,
marinho, que o Hélicon tem e Egas vasta
De dois modos, Tremeterra, Deuses partilharam-te as honras:
domador de cavalos ser e salvador de naus.
Salve, Posídon abraça-terra, de escura cabeleira,
e venturoso propício peito tendo ajuda aos navegantes.

Tradução: Rafael Brunhara

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Hino Homérico XVII - Aos Dióscuros

Castor e Polideuces canta, Musa de límpida voz,
Tindáridas de Zeus Olímpio nascidos.
a eles sob os vértices do Taigeto engendrou veneranda Leda
em segredo subjugada ao nuvem-turvo Cronida
Salve Tindáridas, cavaleiros de ágeis corcéis.

Tradução: Rafael Brunhara

Propércio, Elegia 1.1

Cíntia, com seu olhar, foi a primeira que me enfeitiçou
(infeliz, não tocado anteriormente por nenhuma forma de paixão).
O Amor, então, abateu-me a usual altivez dos olhos,
dominou minha cabeça, calcando os pés sobre ela,
e ao mesmo tempo me ensinou, falso que é,
a ter ódio das moças honestas e a viver sem pensar.
Tal loucura não me abandonou ainda, durante todo este ano,
e, no entanto, sou forçado a ter os Deuses como contrários a mim.
Milanião, Tulo, por não se esquivar a nenhum esforço,
pôde enfrentar a dureza da cruel filha de Iásio.
Quando vagueava, desatinado, nas grutas do monte Partênio,
e se defrontava com animais ferozes, de pêlo hirsuto,
foi atingido pelo golpe da clava de Hileu
e gemeu, cheio de dores, nos rochedos de Arcádia.
Mas conseguiu, dessa forma, dominar a donzela veloz:
só têm valia, no amor, as súplicas e os favores.
Em relação a mim, o Amor é vagaroso, não pensa em artifícios conhecidos
nem se lembra, ao menos, de percorrer os caminhos costumeiros.
Vós, porém, que conheceis as bruxarias para dominar a lua
e a arte de fazer sacrifícios em altares mágicos,
eia, vamos, transformai o coração da minha amada
e fazei que ela se torne mais pálida ainda que meu próprio rosto.
Aí, então, eu poderia crer que vos é possível dominar
os astros e os rios com os encantamentos da mulher de Citas.
Vós, meus amigos, que procurais levantar tardiamente o que caiu,
buscai auxílio para um peito doente.
Com intrepidez saberei sofrer o ferro e o ardor do fogo
para que haja liberdade de dizer o que a ira desejar.
Levai-me por entre os povos mais distantes, levai-me por entre as ondas,
para que mulher alguma possa conhecer meu caminho.
Quanto a vós, a quem um Deus de ouvido benevolente se mostrou propício,
permanecei aqui, e que estejais sempre juntos, na segurança do amor.
Vênus me atormenta nas noites amargas
e o Amor desocupado não me abandona em momento algum.
Por isso aconselho-vos: evitai este mal. Que cada um permaneça
junto ao objeto de seu cuidado e não mude o lugar do amor usual.
Se alguém fizer ouvidos moucos aos meus conselhos,
ai dele! com que dor relembrará as palavras que eu disse.

Tradução: Zélia de Almeida Cardoso.
Fonte: NOVAK, M.G. & NERI, M.L. Poesia lírica latina. São Paulo: Martins fontes, 2003.

sábado, dezembro 12, 2009

'Safo': Antologia Grega

1. (7.489)

Eis as cinzas de Timas: morta pouco antes de casar-se,
Perséfone a acolheu em seu quarto sombrio.
Assim que ela morreu, as amigas, tão jovens quanto ela,
cortaram-se os cabelos com ferro afiado.

2. (7.505)

Menisco, pai de Pelagon, pescador, deixou-lhe na tumba
rede e remo, mementos de sua vida mísera.

Tradução: José Paulo Paes. in: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

'Simônides' - Antologia Grega

1. (7.24)

Videira, mãe da uva e do vinho que tudo apaziguas,
possa a teia de tuas gavinhas tortuosas
florescer, exuberante, no chão fino e coroar
a estela da tumba do teano Anacreonte,
para que ele, festeiro e ébrio do vinho a que é tão dado,
tangendo sua lira amante de rapazes
noite afora, sob a terra, tenha acima da cabeça
os galhos com o esplêndido racimo maduro,
e que possa umedecê-lo sempre o sereno da noite
que sua boca de ancião tão doce respirava.

2. (7.249)

Vai dizer, passante, aos lacedemônios que nós aqui
jazemos em obediência a suas leis.

3. (7.250)

Aqui jazemos por ter salvo com nossas próprias vidas
a Grécia toda posta sobre o fio da navalha.

4. (7.442)

Lembremos, nestas tumbas, os lanceiros que em luta aberta
morreram pela sua cidade, Tegéia,
tão rica de ovelhas, para que a Grécia não lhes tirasse
das frontes mortas o laurel da liberdade.

5. (7.507a)

Homem, o que vês é não a tumba de Creso, mas a cova
de um pobre artesão, para mim o bastante.

6. (7.512)

Graças à coragem destes homens, os fumos do incêndio
de Tegéia não chegaram nunca ao céu;
para deixar aos filhos uma cidade livre e próspera,
eles tombaram na frente de batalha.

Tradução
: José Paulo Paes

Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

'Anacreonte' - Antologia grega

1

Eis a tumba do resoluto Timócrito;
a guerra poupa os covardes, não os bravos. (7.160)

2

A cidade inteira aclamou, sobre a pira funerária,
o forte Agaton que morreu por Abdera.
A outro jovem igual não matou o sanguinário Ares
no torvelinho odioso da batalha. (7.226)


3

Pastor, pasce teu gado longe daqui, não leves junto
a novilha de Míron, pensando que está viva. (9.715)

4

A velhice, não o forno, tornou bronze a novilha que Míron
pretendia ser obra de suas próprias mãos. (9.716)

5

Eu te lamento, Aristoclides, o mais bravo dos amigos:
morreste jovem para que não fosse a pátria escrava. (13.4)

Crinágoras: Antologia Grega

7.371

Terra era o nome de minha mãe, e me cobre a terra, agora
que estou morto. Uma não é pior que a outra.
Nesta ficarei longo tempo; do seio de minha mãe,
roubou-me a ardência do sol abrasador.
E eis-me jacente sob uma pedra, em terra estranha, eu Inaco,
um servo obediente e muito lamentado.

9.284

Que habitantes, e em lugar de quais outros, recebeste,
pobre cidade? Que infortúnio, Grécia!
Prouvera jazesses, Corinto, mais baixa que o chão
e mais deserta que as areias líbias,
em vez de envergonhares, ocupada por escravos,
os ossos dos teus Báquidas de outrora.

Tradução: José Paulo Paes.

Automédon: Antologia Grega

5.129

Louvo a bailarina da Ásia que com seus gestos lascivos
suavemente ondula desde a ponta dos dedos.
Não a louvo porque exprima todas as paixões movendo,
assim com tanta graça, os braços graciosos,
mas porque sabe dançar à volta de uma vara exânime,
sem que a ponham em fuga as rugas da velhice.
Excita, abraça, beija: com sua língua e suas pernas,
faz qualquer vara erguer-se, nem que seja do Hades.

11.46

De tarde, bebendo, homens: mas ao nascer do dia,
feras despertas, umas contra as outras.

Tradução de José Paulo Paes.
Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina., São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Marco Argentário - Antologia Grega

1.

Não é amor quando alguém, fiando-se na sensatez
dos próprios olhos, quer possuir um ser belo.
Mas quem, vendo um ser disforme, é ferido por dardos e ama
com toda a insensatez de um coração ardente,
aí há fogo, amor: a beleza seduz igualmente
todos que saibam como julgar bem as formas. (5.89)


2.

Tira essa rede do corpo e não torças, maliciosa,
os quadris ao caminhar, Lisídice.
Teu peplo é tão ralo que suas pregas não te escondem
a nudez, que ora vê-se, ora não.
Se isso te agrada, também eu vou envolver em pano
bem ralo algo meu que se entesou. (5.104)

3.

Teta contra teta, apoiando meu peito sobre o dela,
uni meus lábios aos doces lábios de Antígona
e a carne possuiu a carne. De resto nada digo:
dele somente a lâmpada foi testemunha.

Tradução: José Paulo Paes.

Hino Homérico IX - Ártemis

Ártemis celebra, Musa, a irmã do longiflecheiro,
virgem dardejante, criada com Apolo
ela que seus corcéis banha nos profundos remoinhos de Meleto
e ligeira por Esmirna o carro todo de ouro dirige
até Claro rica em vinhedos onde Arcoargênteo Apolo
senta-se à espera da longiflecheira dardejante.
E a ti, assim, salve, e também a todas as deusas no canto:
Todavia a ti e de ti eu primeiro começo a cantar,
e por ti tendo começado, passarei a outro hino.

Tradução: Rafael Brunhara

Muralhas

Sem consideração, sem piedade, sem pudor,
grandes e altas muralhas em torno de mim construíram.

E agora estou aqui e me desespero.
Outra coisa não penso: este destino devora meu espírito;

porque muitas coisas lá fora eu tinha que fazer.
Ah! quando construíram as muralhas, como não dei atenção?

Entretanto, jamais ouvi batidas ou rumores de pedreiros.
Imperceptivelmente, encerraram-me fora do mundo.

Tradução: Ísis B. Fonseca

Fonte
: Poemas de K.Kaváfis. São Paulo: Odysseus. 2006.

Antípatros de Sídon - Antologia Grega

Bito ofertou a Atena seu sonoro pente de tear,
instrumento de um ofício de penúrias,
dizendo: "Salve, Deusa, e toma: eu, viúva de quarenta anos,
teus dons recuso e me entrego doravante
aos trabalhos da Cípria; mais que a bela juventude, vejo-o
vale estar sempre bem-disposta para eles".(6.47)

-
Ao arauto dos feitos dos heróis, intérprete dos deuses,
segundo sol da vida grega, luz
das Musas, voz nunca velha do mundo inteiro, a Homero cobre,
ó estrangeiro, a terra que o mar bate. (7.6)

Alceu de Messênia - Antologia grega

1. (5.10)
Odeio Amor. Por que, pesado, não investe contra
feras em vez de alvejar-me o coração?
De que adianta a um deus queimar um homem: que alto prêmio
poderá obter pela minha cabeça?

2. (6.218)

Um sacerdote de Cíbele, esmoleiro e castrado,
andava pelas florestas do monte Ida
quando encontrou um enorme leão que escancarava
a goela feroz, como se faminto.
Com medo de ser morto pela fera cruel, ele
percutiu o tambor do bosque sagrado.
O leão fechou a boca assssina e cheio de
divino furor pôs-se a rodar a juba.
O salvo de feia morte ofertou a Réia então
a fera que por si lhe aprendera a dança.

3. (9.518)

Faz mais altos os teus muros, Zeus Olímpico: Filipe
galga tudo: cerra bem as brônzeas portas
dos deuses. Terra e mar jazem sob o cetro de Filipe:
só falta agora o caminho para o Olimpo.


4. (9.519)

Bebo, ó deus do vinho, bem mais do que bebia o Ciclope
após encher a pança com a carne de homens.
Bebo, mas quem me dera romper a cabeça inimiga
de Filipe e esvaziar seu crânio até o fim.
Esse Filipe saboreia a morte dos amigos
quando lhes envenena a cratera de vinho.

5. (Anônimo) 9.520

Eis a tumba de Alceu: matou-o, filho da terra, o rábano
de folhas largas, punidor dos adúlteros.


Tradução de José Paulo Paes. Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Lêonidas de Tarento - Antologia Grega

Eis as ferramentas do carpinteiro Leôntico: as limas
dentadas que devoram rápido a madeira,
os cordões de medir, os potes de ocre e, ao lado, os martelos
de dúplice cabeça, as réguas sujas de ocre,
as verrumas, a raspadeira e, soberano do ofício,
o machado de peso com seu cabo longo,
as puas que giram com presteza, as verrumas penetrantes,
além dos quatro furadores de cavilhas
e da enxó dupla - são uma oferenda à Atena protetora
do mesmo ofício que ele acaba de deixar. (6.205)

-

Infinito era o tempo, ó homem, antes de seres dado
à luz, e infinito o que te espera no Hades.
Que parcela de vida te cabe a não ser esse instante
diminuto, pouco menos de um minuto?
Sequer desfrutas tua pequena vida de aflições,
pois te é mais odiosa que a morte inimiga.
Eis a armação de ossos de que são formados os mortais;
no entanto, eles se erguem para o ar e para as nuvens.
Vês, homem, quão inútil: postado na ponta do fio
por urdir a veste, há um verme que a faz
logo num crânio calvo, em algo muito mais detestável
do que a múmia ressequida de uma aranha.
Manhã após manhã busca, ó homem, tua fortaleza:
que possas na vida simples repousar,
lembrado sempre, do fundo da alma, enquanto estejas
entre os vivos, de que palha tu és feito.


Tradução de José Paulo Paes. Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Dioscúrides - Antologia grega

1.(5.54)

Se prenha, não te inclines sobre o leito para, frente a frente,
a desfrutar em amor procriativo.
No seio da vaga imensa, não te será empresa fácil
remar balouçando de um para outro lado.
Fá-la voltar-te as róseas nádegas e ensina tua esposa
a ser desfrutada em amor masculino.

2. (5.55)

Estendida sobre o leito, Dóris, a de róseas nádegas,
me fez imortal na sua carne em flor.
Tendo-me preso entre as pernas magníficas, completou
com firmeza o longo percurso de Chipre,
a olhar-me com olhos langorosos: eles tremiam
e cintilavam como folhas ao vento,
até que, vertida a branca seiva de nós dois, os membros
de Dóris por sua vez enlanguesceram.


3. (12.42)

Vai, de mãos cheias ver Hermógenes; talvez então consigas
desse menino-corvo aquilo com que sonhas
e se desanuvie a tua fronte. Se fores porém
pescar jogando às ondas cana sem anzol,
vais tirar só água da baía: não tem pudor algum
nem compaixão um puto assim dispendioso.


Tradução de José Paulo Paes. Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Teócrito - Antologia Grega

1. (9.338)
Dormes fatigado, Dafne, no chão juncado de folhas,
redes presas a estacas no alto da colina.
Mas caçam-te Pã e Priapo, cuja bela cabeça
é entretecida de heras de cor de açafrão;
os dois agora penetram na caverna. Vamos, Dafne,
expulsa a letargia do sono e foge, foge.

2. (9.433)

Queres, pelo amor das Musas, tocar-me algo de prazenteiro
na flauta dupla? que eu, erguendo a lira, a irei
tanger, enquanto ao lado o guardador do gado, Dafne, vai
soprando sua flauta grudada com cera.
Juntos de pé, dentro da caverna, cuidemos de privar
de sono o hirsuto cobridor de cabras, Pã.

3 (9.599)

Olha para esta estátua, ó forasteiro,
atentamente e diz, de regresso à pátria:
"Eu vi em Teos a estátua de Anacreonte,
que entre os antigos foi excelente aedo".
Ah, e do seu pendor por rapazes não
te esqueças, para dizer o homem todo.


Tradução de José Paulo Paes. Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Nóssis- Antologia Grega

Nada mais doce que o amor: tudo quanto haja de ditoso
lhe fica atrás e eu cuspo da boca até o mel.
Eis o que diz Nóssis; aquela a quem a Cípria não beijou.
essa não sabe sequer que flores são as rosas. (5.170)

-

Se fores estrangeiro, à Mitilene de formosas danças,
a qual fez Safo, a flor das graças, consumir-se,
diz que a terra locriana produziu, dileta das Musas,
alguém que lhe é igual, de nome Nóssis. Vai!


Tradução de José Paulo Paes. Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

O Pastor Amoroso - V

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Antologia Grega: Lucílio e Nicarco

Lucílio

1.

Alguns dizem, Nícila, que pintas o cabelo,
mas o compraste assim negro no mercado. (11.68)

2.

Marco, o pequeno, perfurou certa vez com a cabeça
um dos átomos de Epicuro e atravessou-o. (11.93)

3.

O barbeiro não acha a cabeça do peludo Hermógenes
para a tosquiar: ele é todo igual a ela (11.190)

4.

O pintor Êutico foi pai de vinte filhos:
nenhum deles tem qualquer parecença. (11.215)

5.

Tens a riqueza dos ricos, mas a alma de pobre, ó tu que és
rico para teus herdeiros, pobre para ti mesmo. (11.294)

Nicarco

6.

O clínico Marcos tocou ontem uma estátua de Zeus;
mesmo sendo pedra e Zeus, foi sepultada hoje. (11.113)

7.

O canto da coruja traz a morte, mas quando canta
Demófilo, é a própria coruja quem morre. (11.186)


Tradução de José Paulo Paes.

Fonte. Poemas da Antologia Grega ou Palatina. Seleção, tradução e posfácio de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras. 1995

Antologia Grega: Rufino

5.35

Três beldades escolheram-me para julgar-lhe as nádegas,
a mim mostradas no esplendor da nudez.
As de uma, florescendo em alvura veludosa, estavam
marcadas ambas por covinhas graciosas;
a nívea carne das de outra, a de pernas abertas, tinha
rubor mais forte que a púrpura da rosa;
as da terceira, calmaria sulcada de ondas mudas,
palpitavam suaves ao seu próprio impulso.
Se o juiz das deusas, Páris, tivesse visto estas nádegas,
não quereria saber de mais nenhuma.

5.60

A jovem de pés de prata lavava os pomos dourados
dos seios banhando-lhes a carne leitosa;
a carnadura das nádegas redondas palpitava,
mais ondulosa e mais fluida do que a água.
Sua mão espalmada tentava encobrir o Eurotas,
mas não todo, não tanto quanto poderia.

[Tradução de José Paulo Paes]

terça-feira, dezembro 08, 2009

Antologia Grega 9.108

Zeus a Eros: "As tuas flechas, vou tirá-las todas".
E o alado: "Um trovão, e de novo serás cisne".


Tradução: José Paulo Paes.

Fonte: PAES,J.P. Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das letras. 1995

Antologia Grega

1 (5.304)

Uva verde, não me acenavas; uva madura, me desdenhaste;
não te negues a dar-me agora um pouco de uva passa.

2. (7.63)

Recebe-me barqueiro dos mortos, a mim, o cão Diógenes,
que pôs a nu a vã sobranceria da vida.

3.(7.155)

Sobre Filistíon, o ator de Nicéia

Temperei de riso a vida lamentosa
dos homens, eu, Filistíon de Nicéia,
que aqui jazo, resto de uma vida inteira;
muitas vezes morri, mas assim jamais.

4. (9.133)

Quem já foi casado e procura um novo leito nupcial,
é náufrago de volta a pélago agitado.

5. (9.499)

Silente e encanecido, o Tempo avança, mas roubando,
em seu avanço, as vozes dos homens loquazes.
Ele, que nnguém vê, tira de vista o que se via
e coloca o que não se via a plena vista.
Que indefinido o fim da vida humana, dia a dia
mais perto, sempre mais perto, da escuridão!

6. (9.500)

Não mais chamem herdeiros aos que vêem a luz do dia;
digam antes herdeiros os que já morreram.
Os mortos, agora herdeiros, têm um rico legado:
estarem longe desta vida miserável.

7. (9.539)

Contém todas as letras

Ciclope, acha a formiga que jaz dentro do vaso baixo.

8. (9.592)

De um escudo representando o nascimento do Salvador

Quão simplório o artista que num escudo gravou
o nascimento do príncipe da paz!

9. (11.151)

Imagem de retor? Retor já é imagem de imagem.
Ela não fala. Ah, bem: nada mais parecido.

Tradução: José Paulo Paes

Antologia grega: A Musa Pueril de Estratão

1.

Um menino temporão pecar contra sua idade insensata
traz ultraje inda maior ao amigo que o seduz.
Após a puberdade, submeter-se alguém ao assalto erótico
é dobrada ignomínia para quem se submete.
Todavia, uma e outra coisa deixam de ser inoportunas
quando já se está como nós, Moéris, noutra quadra. (12.228)

2.

Os animais irracionais fodem de uma só maneira,
mas levamos nós, racionais, uma vantagem:
inventamos o enrabar. Quem esteja em mão de mulher
não se avantaja aos animais irracionais.


Tradução de José Paulo Paes, in: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras. 1995.

Antologia Grega 330-1453 d.C.

1.Claudiano

A Cristo, Nosso Senhor

Menino, ancião, mais velho que as idades, coevo do pai.(1.21)


2.Damásquio filósofo

Zózima, que outrora só no corpo era uma escrava,
ora alcança liberdade do corpo.(7.553)

3.Juliano, prefeito do Egito

A. Morreste de beber muito, Anacreonte. B. Deliciei-me.
tu, que não, virás também para o Hades. (7.33)

-

Teu doce marido mandou construir para ti, Rodo,
um túmulo e um ataúde da mais fina pedra;
por tua alma, dá esmola aos pobres, em paga da boa
ação de, com morrer cedo, o teres libertado.(7.605)

-

Sobre a novilha de Míron

Resigna-te, Míron, sobrepujou-te a arte: a obra é sem vida.
A arte procede da natureza, não a inventou. (9.798)

4. Macedônio Cônsul

Persigo amor com ouro: as abelhas não usam
enxada ou arado em seu labor,
só o rocio da primavera; o ouro colhe,
com seus ardis, o mel de Afrodite (5.240)

Tradução: J.P.Paes

Gregório de Nazianzo: Antologia grega

8.7

Só por breve tempo respiraste sobre a terra, mas tudo
que tinhas deste a Cristo, alma, corpo, verbo, mãos,
tu, Basílio, alta glória de Cristo, viga mestre do clero
e da verdade, tão dividida hoje por cismas.

8.31

Das mulheres, uma é célebre pelas prendas domésticas,
outra por suas graças e por sua modéstia,
outra ainda por ser piedosa e mortificar a carne,
pelas lágrimas, preces, caridades suas.
Mas Nona é célebre por tudo e se pode chamar
isso de morte, ela morreu quando rezava.

8.158

Naucrácio enredou-se nas cadeias da rede de pesca,
pesca que o desenredou das cadeias da vida.

Tradução: José Paulo Paes.

Antologia Grega - 'Platão'

5.79

Jogo-te uma maçã; e se de coração me queres,
dá-me, ao recebê-la, tua virgindade;
mesmo, prouvera não, que sintas de outro modo, aceita-a
e pensa em como a beleza dura pouco.

7.100

Pelo simples fato de eu ter dito que Aléxis é belo,
olham-no todos e por toda parte o admiram.
Coração, por que apontaste o osso aos cães? Para sofreres
depois? Não foi assim que nós perdemos Fedro?

7.265

Sou a tumba de um náufrago; a de frente, de um lavrador:
tanto no mar como em terra a morte embosca-se.

7.669

Os astros contemplas, Astro meu. Prouvera eu fosse o céu
para poder te contemplar com muitos olhos.

9.823

Cale-se a rocha boscosa das Dríades, a fonte a tombar
da penha, o balir dos anhos recém-nascidos:
o próprio Pã está soprando na sua flauta melodiosa,
correndo os lábios jeitosos pelas canas juntas;
à volta dele, com seus pés juvenis, começam a dançar
as ninfas das árvores e as ninfas das águas.

Tradução: José Paulo Paes. in: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Os cavalos de Aquiles

Quando viram Pátroclo morto,
que era tão valente, e forte, e jovem,
começaram os cavalos de Aquiles a chorar;
sua natureza imortal se indignava
por esta obra de morte que contemplava.
Sacudiam suas cabeças e agitavam suas longas crinas,
batiam no chão com as patas e lamentavam
Pátroclo que reconheciam sem vida - aniquilado -
uma carne agora ignóbil - seu espírito perdido -
indefeso - sem alento -
restituído da vida ao grande Nada.

Zeus viu as lágrimas dos imortais
cavalos e afligiu-se. "No matrimônio de Peleu,"
disse, "eu não devia assim irrefletidamente agir;
melhor que não vos tivéssemos dado meus cavalos
infelizes! Que procuráveis lá em baixo,
na miserável humanidade, que é o joguete do destino?
Vós a quem nem a morte arma cilada, nem a velhice,
efêmeras desventuras vos torturam. Em seus tormentos
vos envolveram os homens." - Contudo, suas lágrimas
pela eterna desventura da morte
derramavam os dois nobres animais.

Tradução de FONSECA, Ísis B.B. Poemas de K.Kaváfis, São Paulo: Odysseus Editora, 2006

Eurípides: Antologia Grega (10.107)

Nenhum mortal é feliz sem que o deus queira assim.
Quanta desigualdade na sorte dos mortais!
Uns se saem bem na vida, outros porém que honram
os deuses passam por dolorosos infortúnios.


Tradução de José Paulo Paes

Fonte: PAES, J.P. Poemas da Antologia Grega ou Palatina.São Paulo: Companhia das Letras. 1995

Empédocles: Antologia Grega - 9.569

Pois em verdade eu já fui rapaz, já fui donzela,
fui arbusto, pássaro, ardente peixe do mar.


Tradução de José Paulo Paes

Fonte: PAES, J.P. Poemas da Antologia Grega ou Palatina.São Paulo: Companhia das Letras. 1995

Filodemo: Antologia Grega

7.222

Aqui jaz o corpo macio da luxuriosa Trigónion,
flor das Salmáquidas cultuadoras de Sabázio;
era-lhe grata a loquaz alegria do templo de Rea
e por ela tinha a mãe dos deuses grande afeto.
Nenhuma outra mulher amou assim os mistérios da Cípria
nem chegou tão perto dos encantos de Laís.
Faz brotar, pó sagrado, sobre a estela da que amava Baco,
não espinhos, mas cálices de violetas brancas.


11.30

Eu que outrora dava de cinco a nove, Afrodite, agora
mal dou uma do começo ao fim da noite;
isso que, ai de mim, jaz amiúde semimorto, aos poucos
vai perecendo. Que castigo de Térmero!
Oh, velhice, velhice, que hás de fazer mais tarde, quando
chegares, se já estou assim inerme?

Tradução de José Paulo Paes

Fonte: PAES, J.P. Poemas da Antologia Grega ou Palatina.São Paulo: Companhia das Letras. 1995

segunda-feira, dezembro 07, 2009

O Funeral de Sarpédon

Kaváfis ("O funeral de Sárpedon")

Grande dor sente Zeus. Pátroclo
matou Sárpedon; e agora se lançam
Menecíades e os aqueus para arrebatar
e aviltar o corpo.

Mas Zeus não concorda absolutamente com isso.
Ao seu filho amado - a quem deixou
morrer: tal era a Lei -
pelo menos o honrará depois de morto.
E eis que envia Febo à planície, lá embaixo,
instruído em como cuidar do corpo.

O cadáver do herói, com respeito e com pesar
Febo levanta-o e leva-o ao rio.
Lava-o da poeira e do sangue;
fecha as horríveis feridas, não deixando
aparecer nenhum vestígi; verte
os aromas de ambrosia sobre ele; com magníficos
trajes olímpicos veste-o.
Branqueia sua pele e com pente
de pérolas penteia seus negríssimos cabelos.
Os belos membros ajeita e estende.

Agora se assemelha a um rei auriga -
em seus vinte e cinco, em seus vinte e seis anos -
que repousa depois que ganhou,
com um carro de ouro e velocíssimos cavalos,
em uma famosa corrida o prêmio.

Assim, quando Febo terminou
sua missão, chamou os dois irmãos
Hipnos e Tânatos, ordenando-lhes
levar o corpo para a Lícia, rica região.

E por aquela rica região, a Lícia,
caminharam esses dois irmãos,
Hipnos e Tânatos, e quando enfim chegaram
à porta da casa real
entregaram o glorioso corpo,
e retornaram aos seus cuidados e trabalhos.

E quando o receberam ali, na casa, começou
com procissões, honras e lamentos,
e com abundantes libações de crateras sagradas,
e com tudo o que é adequado, o triste sepultamento;
e depois, hábeis artesãos da cidade,
e famosos artífices de pedra,
vieram erguer o túmulo e a estela.

Tradução de Ísis B. da Fonseca.

Ilíada, XVI. 666-684

A Apolo disse então o ajunta-nuvens Zeus:
"Do sangue escuro, Febo dileto, depura
Sarpédon, arredando-o das flechas; levando-o
bem longe, lava-o na água de uma corrente; unge-o
de ambrosia e o reveste de imortais roupagens;
depois, a portadores velozes o entrega,
aos gêmeos Sono e Morte, que o conduzirão
ao opulento e vasto país dos Lícios, onde
os parentes e amigos lhe darão sepulcro
e estela, privilégios e pompas da morte."
Falou. E Apolo não deixou de ouvir o Pai.
Baixa dos altos do Ida à batalha feroz.
Das flechadas arreda o divino Sarpédon.
Leva-o bem longe; lava-o na água corente; unge-o
de ambrosia e o reveste de imortais roupagens;
depois, a portadores velozes, o entrega,
aos gêmeos Sono e Morte, que o conduzem presto
ao opulento e vasto país do povo lício.

Tradução de Haroldo de Campos.

Calímaco: Antologia Grega

7.524

A. Jaz Caridas sob ti?
B. Sim, se for filho de Arima, o Cireneu.
A. Ei, Caridas, que tal aí embaixo?
C. Trevas só.
A. E quanto à volta?
C. Mentira.
A. E Plutão?
C. Um mito.
A. Então estamos fritos.
C. Crê no que te digo. Mas se queres algo de aprazível, há boi
barato no Hades.

12.43

Detesto o poema em série; tampouco me agrada o caminho
que leva muitos a várias direções.
Odeio também o amado a varejo, não bebo da fonte,
me aborrece tudo quanto seja público.
Lisânias, é um tesouro, um tesouro; mas antes de eu dizê-lo
claramente, um eco o faz: É de outro, é de outro".

Outra tradução (João Ângelo Oliva Neto)

12.102

Caçador, Epicides persegue nas montanhas toda
lebre e segue as pegadas das gazelas
pela geada e pela neve. Mas se alguém lhe diz:
"Eis um bicho ferido", não o quer.
Assim também o meu amor: perseguindo o que lhe foge,
deixa para trás o que jaz no chão.

12.118

Mil vezes me censura, Arquino, se eu buscar-te de meu grado;
mas, se mau grado meu, releva o açodamento:
amor e vinho forte compeliram-me, um com me empolgar,
outro com tirar-me sobriedade ao espírito.
Aqui chegado, não gritei quem sou nem de quem sou; beijei
tão-só os umbrais; se isso é erro, então errei.

12.139

Existe sim, eu juro por Pã e por Dioniso,
um fogo escondido debaixo das cinzas;
desconfio de mim. Não me abraces; muitas vezes,
rio calmo rói o muro pela base.
Temo pois, Menexeno, que entrando em mim, silente,
este furtivo me atire para o amor.

13.7

Menoítas, o líctio, ofereceu suas armas
com estas palavras: eis meu arco e meus carcás,
Serápis, mas as flechas têm-nas os hesperídios.

Tradução de José Paulo Paes.

Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. SP: Cia das letras, 1995.

Agatias Escolástico: Antologia grega

1.38 (Sobre o nascimento de Cristo)

É o céu esta manjedoura, maior que o próprio céu.
O céu é obra das mãos deste recém-nascido.

1.39 (Sobre os pastores e os anjos)

Uma só dança, uma só canção, para os homens e os anjos,
pois homem e Deus se fizeram um só.

5.302

Qual o caminho do amor? Nas ruas hás de lamentar
a louca paixão da cortesã por ouro e luxo.
Se te acercares do leito da donzela, um casamento
legal te espera, ou a punição dos sedutores.
Quem suportaria, por dever, excitar os insípidos
ardores daquela a quem se uniu em matrimônio?
Pior é o leito adúltero que nada tem de amor,
tão pecaminoso quanto o gosto por meninos.
A viúva impudica, que bem conhece as artes todas
da lascívia, toma por amante qualquer um.
Com relutância é que a pudica se entrega, para logo,
picada pelo aguilhão de impiedoso remorso,
odiar seu ato; um resto de pudor fá-la afastar-se
até que um aviso ponha fim à ligação.
Se te juntares à tua própria serva, então resigna-te
a trocar de papel e ser escravo da escrava.
Se ela for de outrem, a lei te imporá o labéu que despista
ultraje cometido contra ser de outro dono.
Diógenes evitou tudo isso cantando himeneu
com sua própria mão, sem precisar de Laís.

9.642 (Sobre uma privada pública num subúrbio de Esmirna)

Os manjares dos mortais, seus pratos caros e seletos,
perdem todos, aqui, o atrativo que tinham.
Os peixes e faisões, os condimentos moídos em gral,
tantos quitutes numerosos e variados,
aqui se tornam excremento: o ventre expulsa
tudo quanto engoliu a goela faminta.
Por fim reconhece o homem que, em seu alvitre insensato,
comprou, a peso de ouro, um punhado de pó.

Tradução de José Paulo Paes

Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras, 1995

Meleagro de Gádara: Antologia Grega

5.57

Se queimares muitas vezes minha alma já crestada, Eros
cruel, ela fugirá: também tem asas.

12.60

Se vejo Tero, estou vendo tudo; e se vejo tudo
mas não Tero, aí não estou vendo nada.

12.86

Mulher, a Cípria acende a chama da paixão por mulheres;
mas a paixão por machos governa-a o próprio Eros.
Para onde inclinar-me: o menino ou a mãe? Tenho por certo
que a mesma Cípria dirá: "Vence o guri audaz".

12. 114

Salve, Estrela mensageira da manhã; que possas, Ésper,
voltar logo trazendo o que levaste embora.

Tradução: José Paulo Paes

Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. SP: Cia das Letras. 1995

Deslealdade

Assim, elogiando muitas coisas de Homero, esta, porém, não elogiaremos...nem o excerto de Ésquilo, quando Tétis diz que Apolo, cantando em suas núpcias,
"exaltava sua feliz descendência,
de vida isenta de doenças, e de longa duração.
Após ter dito que meu destino era absolutamente caro aos deuses,
entoou o peã, enchendo-me de ânimo.
E eu esperava que não fosse falsa
a boca divina de Febo, de onde jorrava a arte divinatória.
Mas ele, que cantava..............
................foi ele mesmo que matou
meu filho" PLATÃO, POLÍTICA B


Quando casavam Tétis com Peleu,
levantou-se Apolo no magnífico festim
do casamento, e felicitou os recém-casados
pelo rebento que sairia de sua união.
Disse: "Não o tocará, jamais, nenhuma moléstia
e terá uma longa vida." Quando disse isso,
Tétis muito se alegrou, porque as palavras
de Apolo, que era versado em profecias,
lhe pareceram garantia para seu filho.
Enquanto Aquiles crescia e era
sua beleza a glória da Tessália,
Tétis rememorava as palavras do deus.
Mas, um dia, vieram anciãos com notícias,
e contaram a morte de Aquiles em Tróia.
E Tétis rasgava suas vestes de púrpura,
e arrancava de cima de si e lançava
ao chão as pulseiras e os anéis.
E em meio à sua lamentação, lembrou-se do passado;
e perguntou: "Que fazia o sábio Apolo?
Onde andava o poeta que nos festins
magnificamente falava? Onde andava o profeta
quando matavam o filho dela em tenra juventude?"
E os anciãos responderam-lhe que Apolo
em pessoa tinha descido a Tróia
e com os troianos matara Aquiles.

Konstantinos Kaváfis


Tradução: Ísis B. da Fonseca

Fonte: KAVÁFIS,K; FONSECA, I.B.(trad.) Poemas de K.Kaváfis. São Paulo: Odysseus. 2006.

sábado, dezembro 05, 2009

Posídipo (Antologia Grega)

9.359

Que senda seguir vida afora? Na praça do mercado,
disputas e negócios difíceis; em casa,
preocupações; no campo, fadigas de sobra; no mar,
assombro; no estrangeiro, se tens algo, alarma;
se estás mal de vida, aflição. És casado? Não te faltam
cuidados. Não o és? Vives muito sozinho.
Filhos dão trabalho; sem eles, a vida se mutila;
a juventude é tola e a velhice fraca.
Há, pois, só uma escolha entre duas opções: ou não nascer
jamais ou morrer logo após o nascimento.

12.120


Estou bem armado e, embora mortal, vou te combater
sem pedir quartel; tu, Eros, não me ataques mais.
Se me achares ébrio, leva-me preso, mas estando eu
sóbrio, terei a razão em armas contra ti.

Tradução: José Paulo Paes
Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. SP: Cia das Letras. 1995

As Máximas dos Sete Sábios (Antologia Grega, 9.366)

Dos sete sábios direi o nome, a cidade e a sentença.
A medida é o melhor, disse Cleóbulo de Lidos;
Quílon, da vácua Lacônia: conhece-te a ti mesmo;
Periandro, que em Corinto morou: dominar a cólera;
Pítaco, natural de Mitilene: em excesso, nada;
Sólon, da sagrada Atenas: olha para o fim da vida;
maus, na maioria, os homens, disse Bias de Priene;
e Tales de Mileto advertiu: receia a segurança.

Tradução: José Paulo Paes.

Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. São Paulo: Companhia das Letras. 1995

Paulo Silenciário - Antologia Grega

5.252
Atiremos longe nossas túnicas e, nus nós dois,
entrelacemos, bela, nossos membros nus.
Que não haja nada de permeio: um muro de Semíramis
me parece o tecido mais ligeiro em ti.
Que se juntem nossos peitos, nossos lábios, e em silêncio
passe o resto: eu abomino boca tagarela.

5.258

Tuas rugas, Filina, são preferíveis à seiva toda
da juventude; desejo ter em minhas mãos
antes os teus pomos pensos sob o peso dos cachos que
os seios em riste de uma donzela qualquer.
Teu outono é melhor que a primavera de outras, e há mais
calor em teu inverno do que no estio delas.

5.272

Boca unida à boca, tenho os seios em minhas mãos
e lhe devoro em fúria o alvíssimo pescoço.
Porém não é minha ainda toda essa Afrodite; insisto
em persegui-la, à virgem que me nega o leito.
É que ela deu-se, metade à Páfia, a outra metade a Atena:
eu, no meio das duas, vou me consumindo.

Tradução: José Paulo Paes
Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina, São Paulo: Companhia das Letras, 1995

Antologia Grega - Anite

7.190

Para o seu gafanhoto, rouxinol dos campos, e a sua
cigarra das árvores, fez Miro um duplo túmulo
e o regou com lágrimas de menina: pois o cruel Hades
levou-lhe embora os dois bichinhos de estimação.

7:538


Vivo, este homem era Manes, um escravo; morto,
vale agora o mesmo que o grande Dario.


Tradução: José Paulo Paes

Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina, São Paulo: Companhia das Letras. 1995.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Asclepíades de Samos - Antologia Grega

Três vezes, ó lâmpada, jurou por ti Heracléia,
quando aqui estava, que viria mas não veio.
Se deusa és, pune a mentirosa: quando ela em casa folgue
com um amigo, apaga-te e não dês mais luz. (5.7)

Poupas a tua virgindade: para quê? Chegada ao
Hades, nao acharás amante, rapariga.
Dos vivos são as alegrias do amor, pois no Aqueronte,
ó virgem, entre ossos e pó repousaremos. (5.85)

Com a bela Hermíone folgava eu certa vez; trazia
ela, ó Páfia, um cinto de variadas flores
onde estava escrito em letras de ouro: "Ama-me toda, mas
não te atormentes se a outro eu pertencer". (5.158)

Eu tenho aqui sob mim Arqueánassa, a cortesã de Cólofon:
até em suas rugas o doce Eros pousa.
Amantes, que colhestes a fresca flor da juventude
dela a desabrochar, por que incêndio passastes! (7.217)

Tradução de José Paulo Paes.

Fonte: Poemas da Antologia Grega ou Palatina. SP: Cia das letras, 1995.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

Anacreonteia

De gosto cantara Atridas,
E a Cadmo erguera louvor;
Porém as cordas da lira
só sabem dizer amor.
Há pouco, mudando-a toda,
Novas cordas lhe assentava,
E de Alcides os trabalhos
a cantar principiava;
Mas contra as minhas tenções,
Em vez de marciais furores,
De teimosa e como a acinte,
Sempre vai soando amores.
Adeus, heróis! Adeus, glória!
Adeus, guerreiro furor!
As cordas da minha lira
Só sabem dizer Amor.

Tradução de Almeida Garrett

sexta-feira, novembro 20, 2009

Álcman, Fragmento 59 a

Eros, de novo, de Chipre adrede
doce derrama-se e acalenta meu peito

[Tradução: Rafael Brunhara]

Álcman 89 PMG

Dormem cimos de montanhas e precipícios,
promontórios e leitos de rios;
A grei das serpentes que a terra negra nutre
e as feras montesas; tanto a raça das abelhas
quanto os monstros nos abismos do salso mar purpúreo;
dorme a grei dos pássaros de lépidas asas

Anoitecer

É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.

É hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz - morte - mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora tenho medo.

domingo, novembro 15, 2009

Safo: Fragmentos 49, 55, 102 e 130

49
Eu te amava, Átis, outrora...
...parecias-me pequenina e sem encantos.

55
Morta, jazerás: e não mais memória de ti
haverá então, nem saudade; pois não tiveste parte nas rosas
da Piéria. Invisa no palácio de Hades
vaguearás, entre débeis cadáveres esvoaçante.

102
Doce mãe, já não posso mais tecer a trama
por desejo a um rapaz domada pela esguia Afrodite.

130
Eros, de novo, que os membros deslassa, perturba-me:
doce e amargo, invencível monstro.

(Tradução: Rafael Brunhara)

Olavo Bilac: Lendo a Ilíada

Ei-lo, o poema de assombros, céu cortado
De relâmpagos, onde a alma potente
De Homero vive, e vive eternizado
O espantoso poder da argiva gente.

Arde Tróia... De rastos passa atado
O herói ao carro do rival, e, ardente,
Bate o sol sobre um mar ilimitado
De capacetes e de sangue quente.

Mais que as armas, porém, mais que a batalha
Mais que os incêndios, brilha o amor que ateia
O ódio e entre os povos a discórdia espalha:

- Esse amor que ora ativa, ora asserena
A guerra, e o heróico Páris encadeia
Aos curvos seios da formosa Helena.

sábado, novembro 14, 2009

Os Lusíadas, IX, 75-83

Leonardo, soldado bem disposto,
Manhoso, cavaleiro e namorado,
A quem Amor não dera um só desgosto,
Mas sempre fora dele mal tratado,
E tinha já por firme pressuposto
Ser com amores mal afortunado,
Porém não que perdesse a esperança
De inda poder seu fado ter mudança,

Quis aqui sua ventura que corria
Após Efire, exemplo de beleza,
Que mais caro que as outras dar queria
O que deu, para dar-se, a Natureza
Já cansado, correndo, lhe dizia:
- "Ó fermosura indigna de aspereza,
Pois desta vida te concedo a palma,
Espera um corpo de quem levas a alma!

-"Todas de correr cansam, Ninfa pura,
Rendendo-se à vontade do inimigo;
Tu só de mim só foges na espessura?
Quem te disse que eu era o que te sigo?
Se to tem dito já aquela ventura
Que em toda parte sempre anda comigo,
Oh, não na creias, porque eu, quando a cria,
Mil vezes cada hora me mentia!

"Não canses, que me cansas! E se queres
Fugir-me, por que não possa tocar-te,
Minha ventura é tal que, inda que esperes,
Ela fará que não possa alcançar-te!
Espera! quero ver, se tu quiseres,
Que sutil modo busca de escapar-te,
E notarás, no fim deste sucesso,
Tra la spica e la man qual muro he messo.

Oh, não me fujas! Assim nunca o breve
Tempo fuja de tua fermosura!
Que, só com refrear o passo leve,
Vencerás da Fortuna a força dura.
Que Imperador, que exército se atreve
A quebrantar a fúria da ventura
Que, em quanto desejei, me vai seguindo,
O que tu só farás não me fugindo?

"Pões-te da parte da desdita minha?
Fraqueza é dar ajuda ao mais potente.
Levas-me um coração que livre tinha?
Solta-mo, e correrás mais levemente.
Não te carrega essa alma tão mesqunha
Que, nesses fios de ouro reluzente,
Atada levas? Ou, depois de presa,
Lhe mudaste a ventura, e menos pesa?

"Nesta esperança só te vou seguindo:
Que ou tu não sofrerás o peso dela,
Ou na virtude de teu gesto lindo
Lhe mudarás a triste e dura estrela!
E se se lhe mudar, não vás fugindo,
Que Amor te ferirá, gentil donzela,
E tu me esperarás, se Amor te fere;
E se me esperas, não há mais que se espere!"

Já não fugia a bela Ninfa tanto,
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas mágoas que dizia.
Volvendo o rosto, já sereno e santo,
Toda banhada em riso de alegria,
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.

Oh que famintos beijos na floresta!
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vênus com prazeres inflamava,
Melhor é exprimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

segunda-feira, novembro 02, 2009

Anacreonte (fr.eleg.2)

Não gosto de quem, bebendo vinho junto ao crater repleto,
fala de querelas e da guerra lácrima

e sim de quem, resplandecentes dons das Musas e Afrodite
mesclando, comemora a desejável alegria.

(Tradução de Rafael Brunhara)

Skholia 893 PMG

No ramo de mirto vou levar a espada,
tal qual Harmódio e Aristogíton
quando iam ambos assassinar o tirano
e tornar Atenas igual em direitos.

Skholia 900 PMG

Ah, se eu fosse uma bela lira de marfim
e belos meninos me levassem ao coro de Dioniso!

[Tradução: Rafael Brunhara]

Anacreonte 348 PMG

Suplico-te, golpeadora de cervos,
loura filha de Zeus, de agrestes
bestas a senhora, Ártemis,
que algures sobre os remoinhos
do Leiteio perscruta a cidade
de varões de fero coração,
grata - pois de cidadãos
indômitos não és pastora.

(Tradução de Rafael Brunhara)

Safo 34 V

Astros ao redor da bela lua
De pronto ocultam sua luz fanal
quando plena ela mais fulge
argêntea
sobre a terra.

(Tradução: Rafael Brunhara)

Calímaco - Epigrama 2 P

Alguém falou, Heráclito, de tua morte, e me levou
às lágrimas. Lembrei-me de quantas vezes nós dois,
em colóquio,fizemos o sol se pôr. Tu, hóspede
do Halicarnasso, és - presumo - cinza há muitas eras:
mas vivem teus rouxinóis; sobre eles, Hades
raptor de tudo a mão não lança.

(Tradução de Rafael Brunhara)

sexta-feira, outubro 30, 2009

Horácio, IV. 2

Pindarum quisquis studet aemulari,
Iulle, ceratis ope Daedalea
nititur pinnis, uitreo daturus
nomina ponto.

Monte decurrens uelut amnis, imbres 5
quem super notas aluere ripas,
feruet inmensusque ruit profundo
Pindarus ore,

laurea donandus Apollinari,
seu per audacis noua dithyrambos 10
uerba deuoluit numerisque fertur
lege solutis,

seu deos regesque canit, deorum
sanguinem, per quos cecidere iusta
morte Centauri, cecidit tremendae 15
flamma Chimaerae,

siue quos Elea domum reducit
palma caelestis pugilemue equomue
dicit et centum potiore signis
munere donat, 20

flebili sponsae iuuenemue raptum
plorat et uiris animumque moresque
aureos educit in astra nigroque
inuidet Orco.

Multa Dircaeum leuat aura cycnum, 25
tendit, Antoni, quotiens in altos
nubium tractus; ego apis Matinae
more modoque

grata carpentis thyma per laborem
plurimum circa nemus uuidique 30
Tiburis ripas operosa paruus
carmina fingo.

Concines maiore poeta plectro
Caesarem, quandoque trahet ferocis
per sacrum cliuum merita decorus 35
fronde Sygambros;

quo nihil maius meliusue terris
fata donauere bonique diui
nec dabunt, quamuis redeant in aurum
tempora priscum. 40

Concines laetosque dies et urbis
publicum ludum super impetrato
fortis Augusti reditu forumque
litibus orbum.

Tum meae, si quid loquar audiendum, 45
uocis accedet bona pars, et: 'O sol
pulcher, o laudande!' canam recepto
Caesare felix;

teque, dum procedis, io Triumphe!
non semel dicemus, io Triumphe! 50
ciuitas omnis, dabimusque diuis
tura benignis.

Te decem tauri totidemque uaccae,
me tener soluet uitulus, relicta
matre qui largis iuuenescit herbis 55
in mea uota,

fronte curuatos imitatus ignis
tertius lunae referentis ortum,
qua notam duxit niueus uideri,
cetera fuluus.



Aquele que pretende emular Píndaro,
Em penas com dedálea cera unidas,
Se estriba, ó Julo, que há de dar o nome
Ao vítreo pego.

Solto rio da serra, a quem as chuvas
Sobre as sabidas margens empolaram,
Tal ferve, e com profunda boca rue
Píndaro imenso.

Digno por certo da Apolínea láurea,
Ou por audazes ditirambos novas
Palavras volve, e com seus ritmos corre
De regras soltos:

Ou deuses canta, e reis de deuses sangue,
Pelos quais os centauros com merecida
Morte caíram; caiu da tremenda
Quimera a flama.

Ou conta aqueles que da élea palma a casa
Torna divinos, e o cavalo e o atleta,
E os brinda com uma dádiva mais nobre
Que cem estátuas:

Ou à flébil esposa o jovem chora
Roubado, e o valor e o espr'ito e os áureos
Costumes leva aos astros, e os ressalva
De Orco escuro.

Muita aura eleva, Antônio, ao Dirceu cisne,
Quando ele às altas regiões das nuvens
Desprega o voo: e eu da matina abelha
com gênio e arte,

Que com muita fadiga em torno ao bosque
E às ribas do orvalhado Tibur colhe
Gratos tomilhos, trabalhosos versos
Pequeno formo.

Tu cantarás poeta com mor plectro
A César merecido louro ornado,
Quando pelo sagrado outeiro arraste
Feros sicambros:

Nada maior,nem melhor que ele ao mundo
Os fados e os propícios deuses deram;
Nem hão de dar, inda que os tempos volvam
Ao ouro antigo.

E os ledos dias cantarás, e os jogos
Solenes da cidade, quando a vinda
Do forte Augusto conseguir, e o foro
livre de pleitos.

Então de minha voz grã parte soe
(se mereço que se ouça): Ó sol formoso,
De louvor e digno, eu cantarei, já tendo
Feliz a César.

E enquanto ele passar; viva ó Triunfo,
Diremos muita vez; toda a cidade
Dirá: viva ó Triunfo, e incensaremos
Os pios deuses.

A ti dez touros, e outras tantas vacas,
Desempenhem; a mim, tenro novilho,
Que a mãe deixando, em largos pastos cresce
Para meus votos;

Na fronte imita os encurvados fogos
Da lua, que ao terceiro dia nasce:
Aonde a mancha tem, níveo parece,
No mais é louro.

Tradução: Elpino Duriense

sábado, outubro 24, 2009

Álcman 26 Dav.

Não mais, virgíneas melicantantes amaviófonas,
os pés me podem levar; ei, ei, alcião eu fosse
que sobre a flor da onda com alciones voa
de alma indolor maripurpúrea ave sagrada...


Tradução: José Cavalcante de Souza.

Ilíada 1 - 120: Tradução de Elpino Duriense

Ó Deusa, do Peleio Aquiles canta
A fatal ira, que infinitas mágoas
Aos Aquivos causou; e muitas almas
Valentes de herois antes do tempo
Mandou ao Orco; e os corpos insepultos
Aos cães e às aves todas deu por pasto,
(Assim de Jove o arbítrio se cumpria!)
Depois que desavindos se apartaram
Atrídes Rei do povo, e o divo Aquiles.
Qual dentre os Deuses foi, que os fez discordes
Pelejar? De Latona e Jove o Filho:
Este irritado contra o Rei, doença
Pestifera espalhou nas hostes; povos
Morriam, porque Atrídes desonrara
O sacerdote Chryses. Tinha vindo
dos Aquivos às naus ligeiras Chryses
A resgatar a filha; preço grande
Do resgate ofertando: ele trazia
Nas mãos do longe-vibrador Apolo
C'o áureo cetro o laurel, e humilde orava
A todos os Aquivos; e primeiro
Aos dois dos povos Capitães Atridas:
"Ó Atridas e Aqueus de fina greva,
Assim vos deem do Olímpio paço os Deuses
De Príamo a Cidade pôr por terra,
E ditosos voltar aos pátrios Lares:
Dai-me a querida filha; do resgate
Eis o preço; e acatai de Jove o Filho,
o largo-atirador Apolo." Todos
os Aqueus sussurraram, que se desse
Ao sacerdote acatamento e honra,
E se aceitasse o esplêndido resgate;
Mas não aprouve a Atrídes Agamemnon;
Com afronta o despede, e em tais palavras
Minazes rompe: "Nunca mais eu te veja,
Velho, nas cavas naus ora detido,
Ora depois tornado: nem a mitra,
Nem o cetro do Deus quiçá te valha
Esta de mim não largarei primeiro,
Que nos meus paços envelheça em Argos,
Longe da pátria, já urdindo as teias,
Já o meu leito compartindo: vai-te,
Não mais aqui me irrites, se tu queres
ir salvo." Assim falou: tremeu o velho
E ao dito obedeceu; e taciturno
Do largo-ressonante mar às praias
Se foi; e feito ao longe, ao Rei Apolo,
a quem pariu pulcrícoma Latona
Desta sorte implorou: "Ouve-me, ó Nume,
Trazedor-d'arco fúlgido, que amparas
Chrysa, e a divina Cilla, e forte em Tênedos
Imperas, ó Esminteu; se eu algum dia
Com meus dons te c'roei teu pulcro templo;
Se de toiros e cabras pingues coxas
Te queimei, ouve tu estes meus rogos:
Por tuas setas castigados paguem
Os Dânaos estas lágrimas." Orando
Assim falou: Ouviu-o Febo Apolo,
E do cume dos Céus desce sanhudo
Aos ombros sobrepondo o arco, e aljava,
Cerrada de uma e de outra banda, as setas
Sobre os ombros do Nume iracundo
hórridas rangem, quando move os passos.
Vinha marchando semelhante à noite:
Como a tiro das naus chegou, sentou-se:
Dali dispara a seta, e vai soando
Do arco coruscante o estalo horrível;
E aos jumentos primeiro, e cães velozes
Atira: logo os homens fere, a frecha
Mortífera arrojando; de cadáveres
Muitas fogueiras de contínuo ardem.
Por nove dias pelas hostes vibra
Apolo as frechas; mas alfim Aquiles
No décimo chamou à fala os povos:
Porque em seu peito lho inspirara Juno,
De cristalinos braços clara Dea,
Que vendo os Gregos perecer, havia
Deles piedade.Apenas se juntaram
As gentes, levantando-se dentre eles
De pés-veloz Aquiles, assim fala:
Atridas, cuido agora, que devemos
Retroceder segunda vez errantes,
(Se pudermos fugir acaso à morte)
Porquanto a um mesmo tempo a guerra, e a peste
Doma os Aquivos. Eia, consultemos
Ora algum Vate, ou Sacerdote, ou antes
Adivinho, que também de Jove o sonho
Provém, o qual nos diga, porque o Febo
Apolo tão iroso se nos mostra;
Se ele nos culpa de falsar os votos,
Ou faltar á Hecatomba; se ele acaso
Recebendo piedoso o sacrifício
De cordeiros, e cabras escolhidas,
Quer afastar de nós a dura peste".
Tendo falado assim, sentou-se Aquiles:
O testórides Calcas s'ergue entre eles,
O mór dos agoureiros, que sabia
O presente, o por vir, e o já passado,
E fora o que guiara dos Aquivos
As naus a Troia, pelo Febo Apolo
Nas adivinhas artes doutrinado;
O qual com siso lhes pregou, e disse:
"Aquiles, grato a Jove, tu me mandas
Do Rei, que longe-vibra a seta, Apolo
As iras descobrir: eu tudo pronto
te direi; porém tu promete, e jura,
que sempre me serás propício, e sempre
socorro me darás co'a voz, co' as obras;
Porquanto creio, que o Varão, que a todos
Os Argivos impera largamente,
E a quem todos os Aquivos obedecem,
Se há de irar contra mim: e quando se ira
Um Rei potente contra o que é somenos,
Caso que nesse dia a ira enfreie,
Certo depois a guarda no seu peito,
Até que chegue a se vingar: pondera
Tu pois, se me hás de dar defesa, e amparo.
Responde-lhe o veloz-cursor Aquiles:
De mim muito confia, e o vaticínio,
qualquer que sabes, nos revela: eu juro
Por Febo, grato a Jove, a quem tu, Calcas,
Orando, aos Dânaos os presságios soltas,
Nenhum dos Dânaos todos, sendo eu vivo,
E pisando esta terra, as mãos ousadas
Nas cavas naus te lançará; nem mesmo,
Se cuidas, Agamemnon, que se jacta,
Ser ora o mais valente das companhas."
Ânimo cobra o vate d'alto aviso:
"Apolo não se irou, porque vós outros
"Lhe faltásseis c'os votos e Hecatombes,
"(Então lhe diz) mas sim porque Agamemnon
"Desacatou o Sacerdote, e a filha
"Não lhe tornou, nem recebeu resgate;
"Por isso mágoas tantas vos tem dado,
"O longe-frechador, e dará inda:
Nem da peste há d'abater as mãos irosas,
Sem que antes ao querido pai se entregue
A donzela de negros olhos linda,
Não vendida, e por preço; e se dedique
Sacra Hecatombe em Crisa: por ventura
Então a nosso rogo o dobraremos"
Sentou-se, tendo assim falado: entre eles
Eis Atrida Agamemnon se levanta,
Herói, e alto senhor de vasto reino,
Indignado; de trevas afumadas
As entranhas em ira lhe intumescem:
E como ardente brasa os olhos luzem;
E logo torvo, olhando a Calcas, disse:
"Agoureiro de males, coisa grata
Nunca tu me auguraste; apraz-te sempre
Vaticinar os males; até agora
Uma boa palavra não tens dito,
Nem nada obrado; entre os Dânaos ora
Vaticinando pregas, que tais males
Lhes manda o Grande-vibrador em pena,
Porque eu não quis o esplêndido resgate
Receber da Criseida donzela,
Quando eu antes desejo tê-la em casa,
Pois que a prefiro a Clitemnestra esposa
Minha, que virgem desposei; que certo
Nem no corpo e feições do rosto, e siso,
Nem nos lavores é somenos que ela.
Mas eu a quero dar, se isto assim cumpre;
Antes quero, que seja salvo o povo,
Do que pereça; porém vós o prêmio
logo me aparelhai; porque eu não fique
Sem prêmio só,entre os Argivos todos;
Qu'isto desar me fôra; todos vedes
Que o prêmio meu a estranho dono volta."

Tradução
: Elpino Duriense

Fonte: SANTOS, Antonio Ribeiro. Poesias de Elpino Duriense. 1812

sexta-feira, outubro 23, 2009

Híbrias - Fr. 2 Diehl

Grande riqueza tenho: a lança, a espada
e o belo escudo que me cobre o corpo;
com eles lavro, ceifo; e o doce vinho
com eles eu vindimo na parreira
e patrão sou chamado de criados.

Os que não ousam ter espada e lança
e um belo escudo que lhes cubra o corpo,
cheios de susto, abraçam-me os joelhos
e de patrão, de grande rei me chamam.

Tradução de Aluízio Faria de Coimbra.

Fonte: Os elegíacos Gregos, de Calino a Crates. São Paulo, 1941.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Epicarmo Fr.1

Sou um cadáver; um cadáver é adubo, e adubo é a terra;
mas se a terra é um Deus, não sou cadáver, e sim um Deus.

Focílides

Fr. 2 [Adrados]

Também isto é de Focílide: as classes de mulheres nasceram
destes quatro animais: da cadela, da abelha;
da terrível javalina, da égua de longa crina.
Esta é vigorosa, rápida, corredora, bela;
a que nasceu da terrível javalina, nem má, nem boa;
a da cadela, de gênio difícil e brava; a da abelha,
boa dona de casa e sabe trabalhar;
reza, caro amigo, para conseguir o desejável casamento com essa.

Fr. 3 [Adrados]

Também isto é de Focílide: que importa ser de origem nobre,
para aquele que a graça não acompanha nem nas palavras nem nas decisões?

Fr.4 [Adrados]

Também isto é de Focílide: uma pequena cidade, no cimo de um monte,
que vive bem governada, é mais forte que uma Nínive insensata.

Fr. 5 [Adrados]

Também isto é de Focílide: é preciso que o amigo com o amigo
medite em tudo o que os concidadãos murmurem.


Tradução de Daisi Malhadas e Maria Helena da Moura Neves

sexta-feira, outubro 09, 2009

Aspiração

Já não queria a maternal adoração
que afinal nos exaure, e resplandece em pânico,
tampouco o sentimento de um achado precioso
como o de Catarina Kippenberg aos pés de Rilke.

E não queria o amor, sob disfarces tontos
da mesma ninfa desolada no seu ermo
e a constante procura de sede e não de linfa,
e não queria também a simples flor do sexo,

abscôndita, sem nexo, nas hospedarias do vento,
como ainda não quero a amizade geométrica
de almas que se elegeram numa seara orgulhosa,
imbricamento, talvez? de carências melancólicas.

Aspiro antes à fiel indiferença
mas pausada bastante para sustentar a vida
e, na sua indiscriminação de crueldade e diamante,
capaz de sugerir o fim sem a injustiça dos prêmios.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Teognideia, vv. 01-04

Ó senhor, filho de Leto, nascido de Zeus, jamais te
esquecerei nem ao começar a compor nem ao terminar
mas, sempre, no início, no fim e no decorrer do poema
te cantarei; assim, ouve-me e concede-me teu favor.

Tradução: Daisi Malhadas e Maria Helena da Moura Neves

Fonte: MALHADAS, D. & NEVES, M.H.M. Antologia de poetas gregos de Homero a Píndaro. Araraquara: FFCLAr-UNESP, 1976

Sólon Fr. 4 W (Tradução de Daisi Malhadas e Maria Helena da Moura Neves)

Nossa cidade jamais pelo desígnio de Zeus
perecerá nem pela vontade dos bem-aventurados deuses imortais
pois a tão magnânima e protetora Palas Atena,
filha do poderoso pai, tem suas mãos sobre nós.
Os próprios cidadãos, porém, querem destruir, com suas loucuras [5]
nossa grande cidade, persuadidos pelas riquezas,
e há também o injusto propósito dos chefes do povo,para os quais está reservado,
por seu grande descomedimento, muitas dores sofrer:
pois nem sabem controlar a fartura nem organizar
com tranqulidade as alegrias do festim de hoje [10]
..............................................
enriquecem, por ações injustas deixando-se persuadir
.............................................
nem os bens sagrados nem os do estado
poupam, mas furtam-nos em pilhagem cada qual por seu lado,
nem guardam os veneráveis fundamentos da Justiça,
a qual, silenciosa, ciente do que acontece e do que aconteceu,[15]
com o tempo vem para executar cabal vingança.
Esta ferida inevitável já atinge a cidade toda,
leva-a rapidamente à nociva escravidão,
que desperta a sedição civil e a guerra adormecida,
esta que foi a ruína da juventude encantadora de muitos homens;[20]
pois pelos inimigos rapidamente uma cidade formosa
é arruinada nas associações em que se comprazem os injustos.
Esses os males que envolvem o povo; muitos
pobres chegam a uma terra estranha
vendidos e, com desonrosas correntes, amarrados,[25]
.................................................
Assim o infortúnio público atinge cada um em sua casa;
as portas do pórtico não podem detê-lo,
por cima do elevado muro salta, e encontra por certo o morador
mesmo que fuja para a parte mais recuada de seu quarto.
Ensinar isto aos atenienses é o que o meu coração ordena: [30]
de que modo os mais numerosos males a uma cidade Disnomia causa,
e de que modo Eunomia garante ordem e justiça plena e sempre aos injustos acorrenta;
ela aplaina as asperezas, faz cessar a fartura, aniquila o descomedimento,
seca as flores da desgraça, quando brotam,
corrige os julgamentos errados e modera as ações
orgulhosas; faz cessar as obras da discórdia,
faz cessar o ódio da terrível sedição, e graças a ela
todas as ações humanas são justas e sábias.

Tradução de Daisi Malhadas e Maria Helena da Moura Neves

Fonte: MALHADAS, D. & NEVES, M.H.M. Antologia de poetas gregos de Homero a Píndaro. Araraquara: FFCLAr-UNESP, 1976

sexta-feira, outubro 02, 2009

Álcman 3 Dav.

Musas do Olimpo, o meu espírito
com o desejo de um canto novo
enchei! Quero ouvir
a voz virginal
a entoar até o céu a bela melodia!
...
sobre as minhas pálpebras espalhará o doce sono
...
depressa agitarei os louros cabelos.
...
Com desejo que deslassa os membros, ela lança-me
um olhar mais derretedor que o sono ou a morte.
A doçura dela não é em vão.

Astimelusa não me responde,
mas de grinalda na mão,
como uma estrela cintilante
no céu fulgente,
ou ramo de ouro ou macia penugem...
...
Quem me dera que ela me pegasse pela mão!
Depressa eu me tornaria suplicante dela.

Tradução: Frederico Lourenço.

Fonte: LOURENÇO, F. (org.) Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Livraria Cotovia. 2006.

terça-feira, setembro 22, 2009

O Êxtase

Where, like a pillow on a bed,
A pregnant bank swell'd up, to rest
The violet's reclining head,
Sat we two, one another's best.

Our hands were firmly cemented
By a fast balm, which thence did spring ;
Our eye-beams twisted, and did thread
Our eyes upon one double string.

So to engraft our hands, as yet
Was all the means to make us one ;
And pictures in our eyes to get
Was all our propagation.

As, 'twixt two equal armies, Fate
Suspends uncertain victory,
Our souls—which to advance their state,
Were gone out—hung 'twixt her and me.

And whilst our souls negotiate there,
We like sepulchral statues lay ;
All day, the same our postures were,
And we said nothing, all the day.

If any, so by love refined,
That he soul's language understood,
And by good love were grown all mind,
Within convenient distance stood,

He—though he knew not which soul spake,
Because both meant, both spake the same—
Might thence a new concoction take,
And part far purer than he came.

This ecstasy doth unperplex
(We said) and tell us what we love ;
We see by this, it was not sex ;
We see, we saw not, what did move :

But as all several souls contain
Mixture of things they know not what,
Love these mix'd souls doth mix again,
And makes both one, each this, and that.

A single violet transplant,
The strength, the colour, and the size—
All which before was poor and scant—
Redoubles still, and multiplies.

When love with one another so
Interanimates two souls,
That abler soul, which thence doth flow,
Defects of loneliness controls.

We then, who are this new soul, know,
Of what we are composed, and made,
For th' atomies of which we grow
Are souls, whom no change can invade.

But, O alas ! so long, so far,
Our bodies why do we forbear?
They are ours, though not we ; we are
Th' intelligences, they the spheres.

We owe them thanks, because they thus
Did us, to us, at first convey,
Yielded their senses' force to us,
Nor are dross to us, but allay.

On man heaven's influence works not so,
But that it first imprints the air ;
For soul into the soul may flow,
Though it to body first repair.

As our blood labours to beget
Spirits, as like souls as it can ;
Because such fingers need to knit
That subtle knot, which makes us man ;

So must pure lovers' souls descend
To affections, and to faculties,
Which sense may reach and apprehend,
Else a great prince in prison lies.

To our bodies turn we then, that so
Weak men on love reveal'd may look ;
Love's mysteries in souls do grow
But yet the body is his book.

And if some lover, such as we,
Have heard this dialogue of one,
Let him still mark us, he shall see
Small change when we're to bodies gone.



Onde, qual almofada sobre o leito
Grávida areia inchou para apoiar
A inclinada cabeça da violeta,
Nós nos sentamos, olhar contra olhar.

Nossas mãos duramente cimentadas
No firme bálsamo que delas vem,
Nossas vistas trançadas e tecendo
Os olhos em um duplo filamento;

Enxertar mão em mão é até agora
Nossa única forma de atadura
E modelar nos olhos as figuras
A nossa única propagação.

Como entre dois exércitos iguais,
Na incerteza, o Acaso se suspende,
Nossas almas (dos corpos apartadas
Por antecipação) entre ambos se pendem.

E enquanto alma com alma negocia,
Estátuas sepulcrais ali quedamos
Todo o dia na mesma posição,
Sem mínima palavra, todo o dia.

Se alguém - pelo amor tão refinado
Que entendesse das almas a linguagem,
E por virtude desse amor tornado
Só pensamento - a elas se chegasse,

Pudera (sem saber que alma falava
Pois ambas eram uma só palavra),
Nova sublimação tomar do instante
E retornar mais puro do que antes.

Nosso Êxtase - dizemos - nos dá nexo
E nos mostra do amor o objetivo,
Vemos agora que não foi o sexo,
Vemos que não soubemos o motivo.

Mas que assim como as almas são misturas
Ignoradas, o amor reamalgama
A misturada alma de quem ama,
Compondo duas numa e uma em duas.

Transplanta a violeta solitária:
A força, a cor, a forma, tudo o que era
Até aqui degenerado e raro
Ora se multiplica e regenera.

Pois quando o amor assim uma na outra
Interanimou duas almas,
A alma melhor que dessas duas brota
A magra solidão derrota,

E nós, que somos essa alma jovem,
Nossa composição já conhecemos
Por isto: os átomos de que nascemos
São alma que não mais se movem.

Mas que distância e distração as nossas!
Aos corpos não convém fazermos guerra:
Não sendo nós, são nossos. Nós as
Inteligências, eles as esferas.

Ao contrário, devemos ser-lhes gratas
Por nos (a nós) haverem atraído,
Emprestando-nos forças e sentidos:
Escória, não, mas liga que nos ata.

A influência dos céus em nós atua
Só depois de se ter impresso no ar.
Também é lei de amor que alma não flua
Em alma sem os corpos transpassar.

Como o sangue trabalha para dar
Espíritos, que às almas são conformes.
Pois tais dedos carecem de apertar
Esse invisível nó que nos faz homens,

Assim as almas dos amantes devem
Descer às afeições e às faculdades
Que os sentidos atingem e percebem,
Senão um Príncipe jaz aprisionado.

Aos corpos, finalmente, retornemos
Descortinando o amor a toda a gente;
Os mistérios do amor, a alma os sente,
Porém o corpo é a página que lemos.

Se alguém - amante como nós - tiver
Esse diálogo a um ouvido a ambos,
Que observe ainda e não verá qualquer
Mudança quando aos corpos nos mudamos.

John Donne

Tradução de Augusto de Campos.

sábado, setembro 19, 2009

Hino Homérico XX: A Hefesto

Hefesto de ínclito engenho canta, Musa de voz límpida,
que com Atena Glaucópída dons esplêndidos
aos homens ensinou sobre a terra, que antes mesmo
em antros montanhosos viviam como feras.
Hoje por Hefesto de ínclita arte obras aprenderam
e facilmente a vida até o fim do ano
livres de cuidado passam em seus lares.
Sê propício, Hefesto, dá-me virtude e felicidade!

Tradução: Rafael Brunhara

sexta-feira, setembro 18, 2009

Bocage [1]

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os amores gentis seu facho acendem,
A teus lábios voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos;

Teus cabelos sutis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem,
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura;

És dos céus o composto mais brilhante:
Deram-se as mãos virtude e formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.

Oh! Vem, deidade horrenda, irmã da Morte,
Vem, que esta alma, avezada a mil conflitos,
Não se assombra do teu, bem que mais forte;

Mas, ah! Mandando ao Céu meus ais contritos,
Espero, que primeiro que o teu corte,
Me acabe viva dor dos meus delitos.

Odissey (Robert Fagles)

Sing me of the man, Muse, the man of twists and turns
driven time and again off course, once he had plundered
the hallowed heights of Troy.
Many cities of men he saw and learned their minds,
many pains he suffered, heartsick on the open sea,
fighting to save his life and bring his comrades home.
But he could not save them from disaster, hard as he strove -
the recklessness of their own ways destroyed them all,
the blind fools, they devoured the cattle of the Sun
and the Sungod blotted out the day of their return.
Launch out on his story, Muse, daughter of Zeus,
start from where you will - sing for our time too.

segunda-feira, setembro 07, 2009

Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Elegia

Ganhei (perdi) meu dia.
E baixa a coisa fria
também chamada noite, e o frio ao frio
em bruma se entrelaça, num suspiro.

E me pergunto e me respiro
na fuga deste dia que era mil
para mim que esperava,
os grandes sóis violentos, me sentia
tão rico deste dia
e lá se foi secreto, ao serro frio.

Perdi minha alma à flor do dia ou já perdera
bem antes sua vaga pedraria?
Mas quando me perdi, se estou perdido
antes de haver nascido
e me nasci votado à perda
de frutos que não tenho nem colhia?

Gastei meu dia. Nele me perdi.
De tantas perdas uma clara via
por certo se abriria
de mim a mim, estela fria.
Às árvores lá fora se meditam.
O inverno é quente em mim, que o estou berçando,
e em mim vai derretendo
este torrão de sal que está chorando.

Ah, chega de lamento e versos ditos
ao ouvido de alguém sem rosto e sem justiça,
ao ouvido do muro,
ao liso ouvido gotejante
de uma piscina que não sabe o tempo, e fia
seu tapete de água, distraída.

E vou me recolher
ao cofre de fantasmas, que a notícia
de perdidos lá não chegue nem açule
os olhos policiais do amor-vigia.
Não me procurem que me perdi eu mesmo
como os homens se matam, e as enguias
à loca se recolhem, na água fria.

Dia,
espelho de projeto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio.

Meu Deus, essência estranha
ao vaso que me sinto, ou forma vã,
pois que, eu essência, não habito
vossa arquitetura imerecida;
meu Deus e meu conflito,
nem vos dou conta de mim nem desafio
as garras inefáveis: eis que assisto
a meu desmonte palmo a palmo e não me aflijo
de me tornar planície em que já pisam
servos e bois militares em serviço
de sombra,e uma criança
que o tempo novo me anuncia e nega.

Terra a que me inclino sob o frio
de minha testa que se alonga,
e sinto mais presente quanto aspiro
em ti o fumo antigo dos parentes,
minha terra, me tens; e teu cativo
passeia brandamente
como ao que vai morrer se estende a vista
de espaços luminosos, intocáveis:
em mim o que resiste são teus poros.
E sou meu próprio frio que me fecho.
Corto o frio da folha. Sou teu frio.

E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio,
minha pena deserta, ao fim de março,
amor, quem contaria:
E já não sei se é jogo, ou se poesia.

Carlos Drummond de Andrade

Estrambote Melancólico

Tenho saudade de mim mesmo, sau-
dade sob aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha alta ausência em meu redor.
Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
e tenho muitos outros sentimentos
violentos. Mas se esquivam no inventário,
e meu amor é triste como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho carinho
por toda perda minha na corrente
que de mortos a vivos me carreia
e a mortos restitui o que era deles
mas em mim se guardava. A estrela-d'alva
penetra longamente seu espinho

(e cinco espinhos são) na minha mão.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, agosto 31, 2009

Hino Homérico XVI - A Asclépio

Médico de doenças Asclépio começo a cantar,
filho de Apolo, que divina Koronis engendrou
na Dótia planície, a filha do Rei Flégias.
Grande alegria para os homens, de males dolentes apaziguador.
Salve, tu também, soberano: suplico a ti com o canto.

Tradução: Rafael Brunhara

sexta-feira, agosto 28, 2009

Hino Homérico XXV: Às Musas e Apolo

Que pelas Musas eu comece e por Apolo e Zeus.
Pelas Musas e pelo flechicerteiro Apolo
homens aedos sobre a terra há e citaristas
e por Zeus reis. Feliz quem as Musas
amam: doce lhes flui da boca a voz.
Salve, filhas de Zeus, e honrai minha canção
Depois eu vos lembrarei também em outra canção.

Tradução: Rafael Brunhara

Os versos 2-5 encontram-se também na Teogonia de Hesíodo, vv. 94-97, na tradução de Jaa Torrano:

Pelas Musas e pelo golpeante Apolo
há cantores e citaristas sobre a terra,
e por Zeus, reis. Feliz é quem as Musas
amam, doce de sua boca flui a voz.

(Tradução de Jaa Torrano, in:
Teogonia. A origem dos Deuses. São Paulo Iluminuras, 2006)

Hino Homérico XII: A Hera

Hera canto auritrônia a quem Reia engendrou
de imortais a rainha,tendo suprema formosura.
de Zeus trovejante é irmã e esposa
gloriosa, a quem todos os venturosos no vasto Olimpo
venerando honram qual Zeus jubiloso do raio.

Tradução: Rafael Brunhara

quinta-feira, agosto 27, 2009

Píndaro, 8º Pítica, 135- 137

Por dia, que é quem e que ninguém? Sonho de sombra
o homem, mas quando claridade por Zeus dada vem
límpido brilho há nos homens e doce é a vida.

Tradução: Jaa Torrano.

Fonte: TORRANO, J. O Sentido de Zeus. São Paulo: Iluminuras. 1996.

Ilíada VIII, 1-27

Tradução de Jaa Torrano:

Aurora de cróceo manto espalha-se por toda a terra.
Zeus fez a reunião dos Deuses jubiloso do raio
no altíssimo vértice do multicimoso Olimpo.
Ele mesmo lhes falou, os Deuses todos escutaram:
- Ouvi-me, todos os Deuses e todas as Deusas,
que eu diga o que o ânimo no peito me impele:
nenhum Deus feminino nem nenhum masculino
tente cortar minha palavra, mas juntos todos
atendei para que rápido eu perfaça estas ações.
Quem eu perceber longe dos Deuses com intenção
de ir em socorro ou de troianos ou de dânaos,
golpeado não em ordem retornará ao Olimpo
ou agarro e arremesso-o ao Tártaro nevoento,
muito longe, onde mais fundo sob o chão é precipício,
onde são férreas as portas e brônzea a soleira,
tão abaixo de Hades quanto Céu é longe da Terra:
saberá então quanto sou supremo dos Deuses todos.
Eia! tentai já, Deuses, para o conhecerdes todos:
áurea cadeia desde o Céu ponde suspensa
e todos os Deuses pendei-vos e todas as Deusas
mas não puxaríeis desde o Céu para o chão
a Zeus sumo mestre nem se muito vos fatigásseis;
mas quando também eu árdego anuísse a puxar
com a terra mesma puxaria e com e mar mesmo,
a cadeia então ao redor do pico do Olimpo
eu ataria e tudo aliás ficaria nas alturas,
tanto sou superior a Deuses e superior a homens.

Fonte: TORRANO, J. O Sentido de Zeus. São Paulo: Iluminuras, 1996.

Tradução de Haroldo de Campos


A Aurora abrira o peplo amarelo-açafrão
por sobre toda a terra. Zeus Fulgurador
convoca em assembléia os numes no mais alto
cimo do Olimpo, multiescarpado. Ele fala
e,submissos, os outros o escutam: "Ouvi-me,
deuses e deusas,vou dizer-lhes o que manda
meu coração; ninguém, deus ou deusa,descumpra
meu ditame, antes, todos me obedeçam, para
que eu possa dar um termo rápido a esta empresa;
aquele que, afastado dos demais, eu veja
vivamente voltado a socorrer os Tróicos
ou os Dânaos, ao céu olímpio voltará
sob aguilhão, em mau estado, se eu ao fosco
Tártaro não decida, de pronto, arrojá-lo,
no fundo mais profundo onde se abisma o báratro
sob a terra; onde o férreo portal e o limiar
de bronze distam do Hades tanto quanto o céu
da terra. Vereis quão grande é o meu poder. Caso
queirais fazer a prova, suspendei do céu
uma corrente de ouro. Pendurados dela,
tentai, deuses e deusas juntos, das alturas
puxar Zeus soberano para a terra. Mesmo
com todo o esforço, não conseguireis fazê-lo,
enquanto, se eu quiser, a todos puxarei
e ainda, de arrasto, levo a terra e o mar talásseo.
Num píncaro do Olimpo prendendo a cadeia
áurea, farei que tudo fique à solta no ar,
pênsil meteoro. Tanto excedo deuses e homens!"

FONTE: CAMPOS, H. Ilíada de Homero. São Paulo: Arx. 2002.