terça-feira, setembro 22, 2009

O Êxtase

Where, like a pillow on a bed,
A pregnant bank swell'd up, to rest
The violet's reclining head,
Sat we two, one another's best.

Our hands were firmly cemented
By a fast balm, which thence did spring ;
Our eye-beams twisted, and did thread
Our eyes upon one double string.

So to engraft our hands, as yet
Was all the means to make us one ;
And pictures in our eyes to get
Was all our propagation.

As, 'twixt two equal armies, Fate
Suspends uncertain victory,
Our souls—which to advance their state,
Were gone out—hung 'twixt her and me.

And whilst our souls negotiate there,
We like sepulchral statues lay ;
All day, the same our postures were,
And we said nothing, all the day.

If any, so by love refined,
That he soul's language understood,
And by good love were grown all mind,
Within convenient distance stood,

He—though he knew not which soul spake,
Because both meant, both spake the same—
Might thence a new concoction take,
And part far purer than he came.

This ecstasy doth unperplex
(We said) and tell us what we love ;
We see by this, it was not sex ;
We see, we saw not, what did move :

But as all several souls contain
Mixture of things they know not what,
Love these mix'd souls doth mix again,
And makes both one, each this, and that.

A single violet transplant,
The strength, the colour, and the size—
All which before was poor and scant—
Redoubles still, and multiplies.

When love with one another so
Interanimates two souls,
That abler soul, which thence doth flow,
Defects of loneliness controls.

We then, who are this new soul, know,
Of what we are composed, and made,
For th' atomies of which we grow
Are souls, whom no change can invade.

But, O alas ! so long, so far,
Our bodies why do we forbear?
They are ours, though not we ; we are
Th' intelligences, they the spheres.

We owe them thanks, because they thus
Did us, to us, at first convey,
Yielded their senses' force to us,
Nor are dross to us, but allay.

On man heaven's influence works not so,
But that it first imprints the air ;
For soul into the soul may flow,
Though it to body first repair.

As our blood labours to beget
Spirits, as like souls as it can ;
Because such fingers need to knit
That subtle knot, which makes us man ;

So must pure lovers' souls descend
To affections, and to faculties,
Which sense may reach and apprehend,
Else a great prince in prison lies.

To our bodies turn we then, that so
Weak men on love reveal'd may look ;
Love's mysteries in souls do grow
But yet the body is his book.

And if some lover, such as we,
Have heard this dialogue of one,
Let him still mark us, he shall see
Small change when we're to bodies gone.



Onde, qual almofada sobre o leito
Grávida areia inchou para apoiar
A inclinada cabeça da violeta,
Nós nos sentamos, olhar contra olhar.

Nossas mãos duramente cimentadas
No firme bálsamo que delas vem,
Nossas vistas trançadas e tecendo
Os olhos em um duplo filamento;

Enxertar mão em mão é até agora
Nossa única forma de atadura
E modelar nos olhos as figuras
A nossa única propagação.

Como entre dois exércitos iguais,
Na incerteza, o Acaso se suspende,
Nossas almas (dos corpos apartadas
Por antecipação) entre ambos se pendem.

E enquanto alma com alma negocia,
Estátuas sepulcrais ali quedamos
Todo o dia na mesma posição,
Sem mínima palavra, todo o dia.

Se alguém - pelo amor tão refinado
Que entendesse das almas a linguagem,
E por virtude desse amor tornado
Só pensamento - a elas se chegasse,

Pudera (sem saber que alma falava
Pois ambas eram uma só palavra),
Nova sublimação tomar do instante
E retornar mais puro do que antes.

Nosso Êxtase - dizemos - nos dá nexo
E nos mostra do amor o objetivo,
Vemos agora que não foi o sexo,
Vemos que não soubemos o motivo.

Mas que assim como as almas são misturas
Ignoradas, o amor reamalgama
A misturada alma de quem ama,
Compondo duas numa e uma em duas.

Transplanta a violeta solitária:
A força, a cor, a forma, tudo o que era
Até aqui degenerado e raro
Ora se multiplica e regenera.

Pois quando o amor assim uma na outra
Interanimou duas almas,
A alma melhor que dessas duas brota
A magra solidão derrota,

E nós, que somos essa alma jovem,
Nossa composição já conhecemos
Por isto: os átomos de que nascemos
São alma que não mais se movem.

Mas que distância e distração as nossas!
Aos corpos não convém fazermos guerra:
Não sendo nós, são nossos. Nós as
Inteligências, eles as esferas.

Ao contrário, devemos ser-lhes gratas
Por nos (a nós) haverem atraído,
Emprestando-nos forças e sentidos:
Escória, não, mas liga que nos ata.

A influência dos céus em nós atua
Só depois de se ter impresso no ar.
Também é lei de amor que alma não flua
Em alma sem os corpos transpassar.

Como o sangue trabalha para dar
Espíritos, que às almas são conformes.
Pois tais dedos carecem de apertar
Esse invisível nó que nos faz homens,

Assim as almas dos amantes devem
Descer às afeições e às faculdades
Que os sentidos atingem e percebem,
Senão um Príncipe jaz aprisionado.

Aos corpos, finalmente, retornemos
Descortinando o amor a toda a gente;
Os mistérios do amor, a alma os sente,
Porém o corpo é a página que lemos.

Se alguém - amante como nós - tiver
Esse diálogo a um ouvido a ambos,
Que observe ainda e não verá qualquer
Mudança quando aos corpos nos mudamos.

John Donne

Tradução de Augusto de Campos.

sábado, setembro 19, 2009

Hino Homérico XX: A Hefesto

Hefesto de ínclito engenho canta, Musa de voz límpida,
que com Atena Glaucópída dons esplêndidos
aos homens ensinou sobre a terra, que antes mesmo
em antros montanhosos viviam como feras.
Hoje por Hefesto de ínclita arte obras aprenderam
e facilmente a vida até o fim do ano
livres de cuidado passam em seus lares.
Sê propício, Hefesto, dá-me virtude e felicidade!

Tradução: Rafael Brunhara

sexta-feira, setembro 18, 2009

Bocage [1]

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os amores gentis seu facho acendem,
A teus lábios voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos;

Teus cabelos sutis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem,
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura;

És dos céus o composto mais brilhante:
Deram-se as mãos virtude e formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.

Oh! Vem, deidade horrenda, irmã da Morte,
Vem, que esta alma, avezada a mil conflitos,
Não se assombra do teu, bem que mais forte;

Mas, ah! Mandando ao Céu meus ais contritos,
Espero, que primeiro que o teu corte,
Me acabe viva dor dos meus delitos.

Odissey (Robert Fagles)

Sing me of the man, Muse, the man of twists and turns
driven time and again off course, once he had plundered
the hallowed heights of Troy.
Many cities of men he saw and learned their minds,
many pains he suffered, heartsick on the open sea,
fighting to save his life and bring his comrades home.
But he could not save them from disaster, hard as he strove -
the recklessness of their own ways destroyed them all,
the blind fools, they devoured the cattle of the Sun
and the Sungod blotted out the day of their return.
Launch out on his story, Muse, daughter of Zeus,
start from where you will - sing for our time too.

segunda-feira, setembro 07, 2009

Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Elegia

Ganhei (perdi) meu dia.
E baixa a coisa fria
também chamada noite, e o frio ao frio
em bruma se entrelaça, num suspiro.

E me pergunto e me respiro
na fuga deste dia que era mil
para mim que esperava,
os grandes sóis violentos, me sentia
tão rico deste dia
e lá se foi secreto, ao serro frio.

Perdi minha alma à flor do dia ou já perdera
bem antes sua vaga pedraria?
Mas quando me perdi, se estou perdido
antes de haver nascido
e me nasci votado à perda
de frutos que não tenho nem colhia?

Gastei meu dia. Nele me perdi.
De tantas perdas uma clara via
por certo se abriria
de mim a mim, estela fria.
Às árvores lá fora se meditam.
O inverno é quente em mim, que o estou berçando,
e em mim vai derretendo
este torrão de sal que está chorando.

Ah, chega de lamento e versos ditos
ao ouvido de alguém sem rosto e sem justiça,
ao ouvido do muro,
ao liso ouvido gotejante
de uma piscina que não sabe o tempo, e fia
seu tapete de água, distraída.

E vou me recolher
ao cofre de fantasmas, que a notícia
de perdidos lá não chegue nem açule
os olhos policiais do amor-vigia.
Não me procurem que me perdi eu mesmo
como os homens se matam, e as enguias
à loca se recolhem, na água fria.

Dia,
espelho de projeto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio.

Meu Deus, essência estranha
ao vaso que me sinto, ou forma vã,
pois que, eu essência, não habito
vossa arquitetura imerecida;
meu Deus e meu conflito,
nem vos dou conta de mim nem desafio
as garras inefáveis: eis que assisto
a meu desmonte palmo a palmo e não me aflijo
de me tornar planície em que já pisam
servos e bois militares em serviço
de sombra,e uma criança
que o tempo novo me anuncia e nega.

Terra a que me inclino sob o frio
de minha testa que se alonga,
e sinto mais presente quanto aspiro
em ti o fumo antigo dos parentes,
minha terra, me tens; e teu cativo
passeia brandamente
como ao que vai morrer se estende a vista
de espaços luminosos, intocáveis:
em mim o que resiste são teus poros.
E sou meu próprio frio que me fecho.
Corto o frio da folha. Sou teu frio.

E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio,
minha pena deserta, ao fim de março,
amor, quem contaria:
E já não sei se é jogo, ou se poesia.

Carlos Drummond de Andrade

Estrambote Melancólico

Tenho saudade de mim mesmo, sau-
dade sob aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha alta ausência em meu redor.
Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
e tenho muitos outros sentimentos
violentos. Mas se esquivam no inventário,
e meu amor é triste como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho carinho
por toda perda minha na corrente
que de mortos a vivos me carreia
e a mortos restitui o que era deles
mas em mim se guardava. A estrela-d'alva
penetra longamente seu espinho

(e cinco espinhos são) na minha mão.

Carlos Drummond de Andrade