sábado, outubro 24, 2009

Ilíada 1 - 120: Tradução de Elpino Duriense

Ó Deusa, do Peleio Aquiles canta
A fatal ira, que infinitas mágoas
Aos Aquivos causou; e muitas almas
Valentes de herois antes do tempo
Mandou ao Orco; e os corpos insepultos
Aos cães e às aves todas deu por pasto,
(Assim de Jove o arbítrio se cumpria!)
Depois que desavindos se apartaram
Atrídes Rei do povo, e o divo Aquiles.
Qual dentre os Deuses foi, que os fez discordes
Pelejar? De Latona e Jove o Filho:
Este irritado contra o Rei, doença
Pestifera espalhou nas hostes; povos
Morriam, porque Atrídes desonrara
O sacerdote Chryses. Tinha vindo
dos Aquivos às naus ligeiras Chryses
A resgatar a filha; preço grande
Do resgate ofertando: ele trazia
Nas mãos do longe-vibrador Apolo
C'o áureo cetro o laurel, e humilde orava
A todos os Aquivos; e primeiro
Aos dois dos povos Capitães Atridas:
"Ó Atridas e Aqueus de fina greva,
Assim vos deem do Olímpio paço os Deuses
De Príamo a Cidade pôr por terra,
E ditosos voltar aos pátrios Lares:
Dai-me a querida filha; do resgate
Eis o preço; e acatai de Jove o Filho,
o largo-atirador Apolo." Todos
os Aqueus sussurraram, que se desse
Ao sacerdote acatamento e honra,
E se aceitasse o esplêndido resgate;
Mas não aprouve a Atrídes Agamemnon;
Com afronta o despede, e em tais palavras
Minazes rompe: "Nunca mais eu te veja,
Velho, nas cavas naus ora detido,
Ora depois tornado: nem a mitra,
Nem o cetro do Deus quiçá te valha
Esta de mim não largarei primeiro,
Que nos meus paços envelheça em Argos,
Longe da pátria, já urdindo as teias,
Já o meu leito compartindo: vai-te,
Não mais aqui me irrites, se tu queres
ir salvo." Assim falou: tremeu o velho
E ao dito obedeceu; e taciturno
Do largo-ressonante mar às praias
Se foi; e feito ao longe, ao Rei Apolo,
a quem pariu pulcrícoma Latona
Desta sorte implorou: "Ouve-me, ó Nume,
Trazedor-d'arco fúlgido, que amparas
Chrysa, e a divina Cilla, e forte em Tênedos
Imperas, ó Esminteu; se eu algum dia
Com meus dons te c'roei teu pulcro templo;
Se de toiros e cabras pingues coxas
Te queimei, ouve tu estes meus rogos:
Por tuas setas castigados paguem
Os Dânaos estas lágrimas." Orando
Assim falou: Ouviu-o Febo Apolo,
E do cume dos Céus desce sanhudo
Aos ombros sobrepondo o arco, e aljava,
Cerrada de uma e de outra banda, as setas
Sobre os ombros do Nume iracundo
hórridas rangem, quando move os passos.
Vinha marchando semelhante à noite:
Como a tiro das naus chegou, sentou-se:
Dali dispara a seta, e vai soando
Do arco coruscante o estalo horrível;
E aos jumentos primeiro, e cães velozes
Atira: logo os homens fere, a frecha
Mortífera arrojando; de cadáveres
Muitas fogueiras de contínuo ardem.
Por nove dias pelas hostes vibra
Apolo as frechas; mas alfim Aquiles
No décimo chamou à fala os povos:
Porque em seu peito lho inspirara Juno,
De cristalinos braços clara Dea,
Que vendo os Gregos perecer, havia
Deles piedade.Apenas se juntaram
As gentes, levantando-se dentre eles
De pés-veloz Aquiles, assim fala:
Atridas, cuido agora, que devemos
Retroceder segunda vez errantes,
(Se pudermos fugir acaso à morte)
Porquanto a um mesmo tempo a guerra, e a peste
Doma os Aquivos. Eia, consultemos
Ora algum Vate, ou Sacerdote, ou antes
Adivinho, que também de Jove o sonho
Provém, o qual nos diga, porque o Febo
Apolo tão iroso se nos mostra;
Se ele nos culpa de falsar os votos,
Ou faltar á Hecatomba; se ele acaso
Recebendo piedoso o sacrifício
De cordeiros, e cabras escolhidas,
Quer afastar de nós a dura peste".
Tendo falado assim, sentou-se Aquiles:
O testórides Calcas s'ergue entre eles,
O mór dos agoureiros, que sabia
O presente, o por vir, e o já passado,
E fora o que guiara dos Aquivos
As naus a Troia, pelo Febo Apolo
Nas adivinhas artes doutrinado;
O qual com siso lhes pregou, e disse:
"Aquiles, grato a Jove, tu me mandas
Do Rei, que longe-vibra a seta, Apolo
As iras descobrir: eu tudo pronto
te direi; porém tu promete, e jura,
que sempre me serás propício, e sempre
socorro me darás co'a voz, co' as obras;
Porquanto creio, que o Varão, que a todos
Os Argivos impera largamente,
E a quem todos os Aquivos obedecem,
Se há de irar contra mim: e quando se ira
Um Rei potente contra o que é somenos,
Caso que nesse dia a ira enfreie,
Certo depois a guarda no seu peito,
Até que chegue a se vingar: pondera
Tu pois, se me hás de dar defesa, e amparo.
Responde-lhe o veloz-cursor Aquiles:
De mim muito confia, e o vaticínio,
qualquer que sabes, nos revela: eu juro
Por Febo, grato a Jove, a quem tu, Calcas,
Orando, aos Dânaos os presságios soltas,
Nenhum dos Dânaos todos, sendo eu vivo,
E pisando esta terra, as mãos ousadas
Nas cavas naus te lançará; nem mesmo,
Se cuidas, Agamemnon, que se jacta,
Ser ora o mais valente das companhas."
Ânimo cobra o vate d'alto aviso:
"Apolo não se irou, porque vós outros
"Lhe faltásseis c'os votos e Hecatombes,
"(Então lhe diz) mas sim porque Agamemnon
"Desacatou o Sacerdote, e a filha
"Não lhe tornou, nem recebeu resgate;
"Por isso mágoas tantas vos tem dado,
"O longe-frechador, e dará inda:
Nem da peste há d'abater as mãos irosas,
Sem que antes ao querido pai se entregue
A donzela de negros olhos linda,
Não vendida, e por preço; e se dedique
Sacra Hecatombe em Crisa: por ventura
Então a nosso rogo o dobraremos"
Sentou-se, tendo assim falado: entre eles
Eis Atrida Agamemnon se levanta,
Herói, e alto senhor de vasto reino,
Indignado; de trevas afumadas
As entranhas em ira lhe intumescem:
E como ardente brasa os olhos luzem;
E logo torvo, olhando a Calcas, disse:
"Agoureiro de males, coisa grata
Nunca tu me auguraste; apraz-te sempre
Vaticinar os males; até agora
Uma boa palavra não tens dito,
Nem nada obrado; entre os Dânaos ora
Vaticinando pregas, que tais males
Lhes manda o Grande-vibrador em pena,
Porque eu não quis o esplêndido resgate
Receber da Criseida donzela,
Quando eu antes desejo tê-la em casa,
Pois que a prefiro a Clitemnestra esposa
Minha, que virgem desposei; que certo
Nem no corpo e feições do rosto, e siso,
Nem nos lavores é somenos que ela.
Mas eu a quero dar, se isto assim cumpre;
Antes quero, que seja salvo o povo,
Do que pereça; porém vós o prêmio
logo me aparelhai; porque eu não fique
Sem prêmio só,entre os Argivos todos;
Qu'isto desar me fôra; todos vedes
Que o prêmio meu a estranho dono volta."

Tradução
: Elpino Duriense

Fonte: SANTOS, Antonio Ribeiro. Poesias de Elpino Duriense. 1812

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