quarta-feira, dezembro 26, 2007

As aves, vv.785-789

Eia, andróides de sombria natureza, iguais ao gênio das folhas
apalermadas ficções de barro, inane turba de soturnas almas,
ápteros efêmeros, míseros mortais, homens oniróides,
Prestai atenção a nós, imortais, os que sempre hão de ser,
Os etéreos, os intemporais, os que meditam eternidades....

[Tradução de Antonio Medina Rodrigues]

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Safo: fragmentos

Não minto: eu me queria morta.
Deixava-me, desfeita em lágrimas:

"Mas, ah, que triste a nossa sina!
Eu vou contra a vontade, juro,
Safo". "Seja feliz", eu disse,

"E lembre-se de quanto a quero.
Ou já esqueceu? Pois vou lembrar-lhe
Os nossos momentos de amor.

Quantas grinaldas, no seu colo,
— Rosas, violetas, açafrão —
Trançamos juntas! Multiflores

Colares atei para o tenro
Pescoço de Átis; os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros

Da sua pele em minha pele!
[...]
Cama macia, o amor nascia
De sua beleza, e eu matava
A sua sede" [...}

Cai a lua, caem as plêiades e
É meia-noite, o tempo passa e
Eu só, aqui deitada, desejante.

— Adolescência, adolescência,
Você se vai, aonde vai?
— Não volto mais para você,
Para você volto mais não.


Tradução: Décio Pignatari

domingo, dezembro 23, 2007

Catulo 16

Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos,
Aurélio bicha e Fúrio chupador,
que por meus versos breves, delicados,
me julgastes não ter nenhum pudor.
A um poeta pio convém ser casto
ele mesmo, aos seus versos não há lei.
Estes só tem sabor e graça quando
são delicados, sem nenhum pudor,
e quando incitam o que excite não
digo os meninos, mas esses peludos
que jogo de cintura já não tem
E vós, que muitos beijos (aos milhares!)
já lestes, me julgais não ser viril?
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos.

Tradução de João Angelo Oliva Neto

sábado, dezembro 22, 2007

Antologia grega 6.1

Eu, a Laís que altiva riu da Grécia, eu que tive outrora
amantes jovens em penca à minha porta,
dedico a Afrodite este espelho, pois não me quero ver
como sou, e não me posso ver como era.

[Tradução de José Paulo Paes]

Antologia grega 9.59

Nove são as Musas, dizem alguns. Quanta negligência!
Eis aqui a décima: Safo de Lesbos.

[Tradução de José Paulo Paes]

Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Canção do exílio facilitada

lá?

ah!



sabiá...

papá...

maná...

sofá...

sinhá...



cá?

bah!

Canção do exílio

Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,
Im dunkeln die Gold-Orangen glühen,
Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!
Möcht ich... ziehn


Goethe.

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Coimbra - Julho de 1843



[Tradução da epígrafe: "Conheces o país onde os limões florescem/E laranjas de ouro acendem as folhagens?/[...]Conheces o país?/É onde, para onde/Eu quisera ir contigo, amado!Longe! Longe!" - Haroldo de Campos]

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Arquíloco - Fr.2W

Com a lança eu alcanço
meu pão de cevada;
com a lança eu consigo
o meu vinho ismárico;
na lança apoiado
eu bebo esse vinho.

[Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos]

Catulo, 85

Odi et amo. Quare id faciam fortasse requiris
Nescio, sed fieri sentio et excrucior.


Odeio e amo. Talvez queiras saber "como?"
Não sei. Só sei que sinto e crucifico-me.

[Tradução: João Ângelo Oliva Neto]

Calímaco - Epigrama 28P

Eu odeio o poema cíclico; da estrada
que muitos leva, traz, aqui e lá, não gosto.
Que vagueia detesto amante nem da fonte
bebo e me afasto do lugar comum.
Lisânias, tu és belo, belo, sim, mas antes
que o diga o Eco, alguém diz: "Outro o tem"

[Tradução: João Angelo Oliva Neto]

Píndaro - 11ºOlímpica

Aos homens há por vezes de ventos mais que tudo
precisão. E de celestes águas,
chuvosas filhas da nuvem.
Mas se com esforço alguém bem se
fez, melissonantes hinos,
começo de longa fama,
se perfazem, fiel penhor
de ingentes gestas.
Sem inveja, aos que vencem em Olímpia
esta loa se consagra. E tal é pasto de minha língua,
mas vem de deus homem em sábios
dons florescer. Se é assim,
sabe agora, Hagesidamo,
filho de Arquéstrato, por tuas pugnas, que
ornato à coroa de áurea oliva
um canto farei soar doce,
cuidando na raça dos Locros Zefírios. Tomai
parte, Musas, nesta festa, que garanto:
até vós ao encontro um povo
não virá hostil ao hóspede
nem avesso ao belo, mas
de agudo saber e lutar. Congênito,
rubra raposa e rugientes leões não vão permudar caráter.


[Tradução: João Angelo Oliva Neto]

Horácio, I.27

Natis in usum laetitiae scyphis
pugnare Thracum est; tollite barbarum
morem uerecundumque Bacchum
sanguineis prohibete rixis.

Vino et lucernis Medus acinaces
immane quantum discrepat; impium
lenite clamorem, sodales,
et cubito remanete presso.

Voltis seueri me quoque sumere
partem Falerni? Dicat Opuntiae
frater Megyllae quo beatus
uolnere, qua pereat sagitta.

Cessat uoluntas? Non alia bibam
mercede. Quae te cumque domat Venus
non erubescendis adurit
ignibus ingenuoque semper

amore peccas. Quicquid habes, age,
depone tutis auribus. A! miser,
quanta laborabas Charybdi,
digne puer meliore flamma.
Quae saga, quis te soluere Thessalis
magus uenenis, quis poterit deus?
uix inligatum te triformi
Pegasus expediet Chimaera.


Entre os copos brigar ao prazer dados,
É dos trácios:tirai bárbara usança,
E comedidos resguardai a Baco
de sanguinosas rixas.

Quão longe está do vinho, e das lucernas,
O medo alfange! Moderai, ó sócios,
Esse alarido ímpio e recostados
ficai ao curvo braço.

Quereis que eu também parte do severo
Falerno beba? De Megila Opuncia
Diga o irmão, com que golpe, com que seta,
Afortunado morra.

Não quer? Pois eu não bebo de outra sorte:
Qualquer que seja o teu amor, não ardes
Em vergonhosas chamas; sempre pecas
Por um amor decente.

Eia tudo que tens, em meus ouvidos
fiéis depõe! Ah! Mísero mancebo,
Em qual Caribde lidas afanado,
Digno de melhor chama!

Qual bruxa, ou mago com os tessálios filtros,
Qual Deus soltar-te poderá! Apenas
Te livrará, o Pégaso, ligado
à triforme Quimera.

[Tradução: Elpino Duriense]

Horácio, Ode I.8

Lydia, dic, per omnis
te deos oro, Sybarin cur properes amando
perdere, cur apricum
oderit Campum, patiens pulueris atque solis,
cur neque militaris
inter aequalis equitet, Gallica nec lupatis
temperet ora frenis.
Cur timet flauum Tiberim tangere? Cur oliuum
sanguine uiperino
cautius uitat neque iam liuida gestat armis
bracchia, saepe disco
saepe trans finem iaculo nobilis expedito?
quid latet, ut marinae
filium dicunt Thetidis sub lacrimosa Troia
funera, ne uirilis
cultus in caedem et Lycias proriperet cateruas?


Ó Lídia, dize, pelos Deuses todos
Te rogo, por que a Sibaris te apressas
perder com teus amores?

Por que aborrece o campo descoberto,
Afeito ao pó e ao sol? por que soldado
Com os iguais não cavalga,

Nem com os dentados freios doma as bocas
Galezas? Por que teme o flavo Tibre
Tocar? E por que cauto

Mais que o vipéreo sangue, o óleo evita?
Nem traz os braços já das armas roxos
Ilustre arremessando

Ora o disco, ora o dardo além da meta?
Por que se encobre como o filho, dizem,
Fez da marinha Tétis,

Perto dos lacrimosos fins de Tróia;
Por que o traje viril o não lançasse
à morte, e às lícias tropas?


[Tradução: Elpino Duriense]

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Anacreonte Fr.96 D

Não gosto de quem, bebendo vinho junto do crater repleto,
Canta dissensões e guerras cheias de lágrimas,
Mas de quem, misturando das Musas e de Afrodite os dons esplendorosos,
Celebra a amável alegria.

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Safo 50 D

O amor - súbita brisa
que nas folhas tropeça -
meu coração deixou tremente.

[Tradução de Jorge de Sena]

Paulo Leminski # 3

um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lórca um éluard um ginsberg

por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Domina ou cala. Não te percas, dando
Aquilo que não tens.
Que vale o César que serias? Goza
Bastar-te o pouco que és.
Melhor te acolhe a vil choupana dada
Que o palácio devido.


Ricardo Reis
As Rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

Ricardo Reis

Teógnis

1.
Jamais, Cirno, profiras palavra arrogante; pois ninguém sabe
o que a noite e o dia proporcionam a um homem [Teognidea, vv.159-160]


2.

Que jamais um novo cuidado me apareça
que não a virtude e a sabedoria; antes, mantendo
só esse cuidado para sempre
possa eu regozijar-me com a lira, a dança e o canto,
e entre os bons conservar meu nobre espírito [Teognidea,vv. 789-793]

3.
Aos bons, uns criticam demais, outros elogiam;
dos maus, nenhuma lembrança fica.
Entre os homens, sobre a terra, irrepreensível ninguém é;
mas, melhor, se não chamar a atenção da turba. [Teognidea,vv. 796-800]

[Traduções: Daisi Malhadas e Maria Helena da Moura Neves]

domingo, dezembro 16, 2007

Safo - fr.170

Morrer é um mal – assim decidiram os deuses
eles que não morrem.

[Tradução: Joaquim Brasil Fontes]

Xenófanes de Colófon - Fr.2 Diehl

Mas se alguém alcançar a vitória com a velocidade
dos pés, ou do pentatlo, - onde fica o santuário de Zeus,
junto das águas de Pisa, em Olímpia - ou na luta,
ou porque sabe a arte dolorosa do pugilato,
ou ainda num concurso terrível chamado o pancrácio
será mais ilustre à vista dos seus concidadãos
terá o lugar de honra mais aparatoso nos jogos,
e alimentação a expensas públicas
da sua cidade, e uma dádiva, que será para ele um tesouro.
E se ganhar com cavalos, tudo isto ele obterá,
sem ser tão digno como eu. Pois melhor do que a força
dos homens e corcéis é a nossa sabedoria.
É isso um modo de pensar leviano e não é justo,
preferir a força à notável sabedoria.
Pois nem que vivesse entre o povo um notável pugilista,
ou um homem hábil no pentatlo ou na luta,
ou na corrida, que tem a preferência,
e tantos atos de força demonstrasse no combate,
nem por isso a cidade estaria em melhor ordem.
Pequeno prazer seria para a urbe
alguém que vencesse nas provas das margens do Pisa.
Pois não é isso que enche os cofres da cidade.

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Íbico - Fr.22b Page

Quando a gloriosa, insomne madrugada desperta os rouxinóis...

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Arquíloco - Fr.30W

Deleitava-se se tinha um ramo de mirto
ou a bela flor da rosa

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Safo- fr. 2 L-P

Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensobram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho.

[vv.5-8. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Mimnermo: Fr.2 Diehl

Nós, como em tantas flores faz a primavera
Folhas se abrirem, quais flores tenras,
Ébrios vamos vivendo efêmero fulgor,
Sem saber nada do que os deuses tramam!
As negras Parcas nos espiam, entretanto,
Uma em torturas finda nossa idade,
Outra costura a morte, e dura a juventude
O tanto quanto o sol passeia ao solo.
Morrer prefiro, antes que suma a primavera.
No fim das flores, crescem na alma os males,
E, consumada a queda, sobra a mágoa:
Um cai dentro do Inferno, uivando os filhos
Que não teve, outro adoece e morre, qual!
Aos males que nos manda Zeus ninguém escapa!

[Tradução: Antonio Medina Rodrigues]

Píndaro - 1º Ode olímpica

Água é o melhor de tudo: o ouro incandescente
À noite brilha no exceder-se da riqueza.
Se os prélios, ó minh'alma, anseias celebrar,
Brilhante, mais que o sol, tu nada encontrarás,
Quando no céu se queima, encastelado, o dia.
Melhores prélios que os olímpios tu não cantas!
De lá desatam-se mil vozes,
A incitar o gênio dos artistas,
Para gáudio de Zeus, filho de Crono,alçando-se
Dos ricos tetos do herói Hierão,
Que na Sicília, prenhe de manadas, tem

Um cetro e colhe da virtude a fina essência,
E a si cultiva com deslumbres musicais,
Com que em sua mesa nós também somos honrados!
A dória lira enceta, se de Ferenico,
Em Pisa, o trote belo te empolgou,
Quando às margens do Alfeu,
Num solavanco, sem espora e sem chicote,
A seu senhor nessa carreira deu a taça.

Do cavaleiro rei de Siracusa, a glória
Rebrilha na colônia dos heróis, fundada
Por Pélops, a quem o Abala-terra amou,
Posídon, desde que viu Cloto retirá-lo
À mágica bacia, co'as espaldas lúcidas,
Ornato de marfim. Espanto há neste mundo,
Onde a saga dos homens se deturpa sempre,
E as narrativas mentirosas,
mesmo buriladas, sempre desanimam.

Ilude sempre o mel da graça o pensamento
Aos que estão vivos, o que é falso vira ser,
Veraz e costumeiro: só em vindouros dias
Os testemunhos confiáveis nos teremos.
Só coisas belas é veraz falar dos deuses,
Que assim menor vai ser a nossa culpa! Ó filho
De Tântalo, de ti, contra os antigos, vou
Falar: quando teu pai os deuses convidou
Para um banquete no alto da montanha, em Sípilo,
O lúcido senhor do garfo de três pontas
Te enlevou alucinado de desejo em seus
Corcéis de ouro para Zeus de amados paços,
Como depois também viria Ganimedes
Para honrar Zeus, e foi por isso que sumiste!
Contudo, à tua mãe, de mãos vazias voltam
Os que a buscar-te ela mandara, e então falaz
Vizinho por inveja diz que em flama ardente
E n'água borbulhante os membros co'uma faca
Te cortaram para seres pasto no banquete.

É impossível chamar-se um deus de canibal!
Eu me recuso! A impunidade não compensa
Esta calúnia.Ora, se alguém no Olimpo honrado
um dia foi, ninguém o foi melhor que Tântalo.
Mas conviver ele não soube com a glória.
A ganância foi levá-lo para a suma desventura,
Pois uma pedra Zeus lhe pôs sobre a cabeça,
Que ele tem sempre que afastar, pra sua inglória.

E a vida sob tal desgraça lhe foi dura,
Após o néctar ter roubado aos imortais,
E mais a ambrósia que confere a eterna vida,
E tê-los aos convivas dado num banquete.
Erra quem pensa se ocultar de um deus,
Ao praticar um mal. Por isso os deuses
O filho dele despediram para o mundo
Dos mortais, e quando em flor ao queixo
Lhe cobriu penugem negra, ele cuidou

Em Pisa se casar com Hipodâmia bela,
No escuro, vindo só, e o mar acinzentado,
E a Posídon-dos-Ruídos-Retumbantes invocou,
E o deus de pé lhe apareceu, e o herói
Lhe disse: "Se os dons de Vênus terna têm
Encanto, ó Posídon, a espada de Oinomao
Tu paralisa, e a mim me leva a Élis
No mais rápido corcel que tu tiveres,
Porque tal pai matou os treze que sua filha
Desejaram desposar, e assim vai retardando
Um casamento, mas um risco não arrasta
A um homem sem valor. Por que me iria consumir
Em vil velhice, à sombra recostado, em vão,
E sem provar da formosura? O prêmio eu tenho
À minha frente, a tua ajuda não me negues".
E as palavras que ele usou não foram vãs.
O deus lhe deu para ajudá-lo um áureo carro
Com corcéis que, alados, não se cansam nunca.

Com tal donzela ele casou, pois superou
Ao bravo pai, e dela teve filhos ínclitos,
Ao todo seis, a conduzir nações, e ao túmulo
Deitado junto ao rio Alfeu, exposto jaz
Pras santas libações, perto do altar que mais
Recebe visitantes, e alta brilha assim a glória
De Pelops nas disputas Olimpiais,
Seja no curso ou força bruta, e goza
O vencedor sua glória toda a vida, doce
Como a colmeia, cumulado de regalos,
Pois os dons que não se perdem são para sempre.
A mim compete coroar então ao grão patrono,
Ou quer na lira eólia ou síncope dos trotes,
Pois nunca irão louvar os hinos meus alguém
Que mais adoração demonstre ao grandioso
E ao belo como tu, Hierão, que um deus sempre te siga!
Mais doce a mim será te celebrar em teu triunfo,
Quando um carro vais de Cronos à colina,
Buscar razões mais dignas de encômios,
E as setas mais potentes guarda para mim
A musa, maiores umas do que as outras,
Porque são dos reis! Ao longe não me olhes,
Olhar ao céu é o que te cabe,
E a mim juntar-me aos vencedores,
E espalhar por Grécia toda a flama dos meus versos.


[Tradução: Antônio Medina Rodrigues]

Estrela da manhã

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecais por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra
[e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã

(Manuel Bandeira)

Horácio I.5

Quis multa gracilis te puer in rosa
perfusus liquidis urget odoribus
grato, Pyrrha, sub antro?
cui flavam religas comam

simplex munditiis? Heu quotiens fidem
mutatosque deos flebit et aspera
nigris aequora ventis
emirabitur insolens,

qui nunc te fruitur credulus aurea,
qui semper vacuam, semper amabilem
sperat, nescius aurae
fallacis. Miseri, quibus

intemptata nites. Me tabula sacer
votiva paries indicat uvida
suspensisse potenti
vestimenta maris deo.


Que delicado moço, em muitas rosas,
Banhado em cheiros líquidos te afaga,
Ó Pirra, sob a bela gruta? A flava
coma para quem atas,

Singela nos enfeites? Ai que vezes
A fé, e os Deuses chorará mudados,
E estranhará novel de ver os mares
com negro vento irosos.

O que ora de ti bela goza crédulo;
Que doutro sempre isenta, sempre amável
Te espera, e ignora, quanto a aura engana.
Desgraçados aqueles,

A quem tu brilhas não tratada: sacra
Parede no votivo amostra,
Que eu pendurei ao Deus, senhor dos mares,
os úmidos vestidos.

[Tradução: Elpino Duriense]

Transcriação de Haroldo de Campos

Horácio I.11

Tu ne quaesieris - scire nefas -, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. Ut melius, quidquid erit, pati,
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias! Vina liques et spatio brevi
spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem, quam minimum credula postero.


Saber não cures, (é vedado) os deuses
A ti qual termo, qual a mim marcaram,
Nem consultes, Leuconoe,os babilônios
Cálculos, porque assim melhor já sofras
Tudo quanto vier, ou te dê Jove
Muitos invernos, ou só este, que ora
o Mar tirreno nas opostas rochas
Quebra. Tem siso, o vinho côa, e corta
em vida breve as longas esperanças.
Ínvida idade foge: colhe o dia,
Do de amanhã mui pouco confiando.

[Tradução: Elpino Duriense]

Ricardo Reis

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, e nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimentos demais aos olhos,
Nem cuidados porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois,
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos,
nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.