terça-feira, janeiro 26, 2010

Safo: fragmento 2 L-P

Vem de Creta até este puro santuário,
onde há para ti um querido bosque
de macieiras, altares que se acen-
-dem com incensos:

Lá águas frescas murmuram através de ramos
de macieiras, sombreia-se com rosas
todo o solo, e de trementes folhagens
derrama-se um feitiço: o sono.

Lá viceja um prado, pasto de corcéis,
com flores de primavera, e os ventos
sopram docemente:

Aqui, Cípris, tu conquistaste
néctar mesclado a festividades
vertendo-o com delicadeza
em nossos dourados cálices.


Outras fontes do fragmento
:

Hermógenes, As formas do estilo, 2.34:


"E (sc. sobre os prazeres) pode-se descrever com simplicidade aqueles que não são torpes, como a beleza de uma região, plantas diversas, a variedade dos rios e tantas outras coisas. É que estes incutem prazer aos olhos, ao serem vistos, e aos ouvidos, quando alguém os anuncia, como fez Safo:
“ à sua volta, águas frescas murmuram através de ramos de macieiras”, e “das trementes folhagens derrama-se um feitiço: o sono”. e o que mais é dito antes desses versos e depois.

Ateneu, o Banquete dos eruditos:

E segundo a bela Safo:

“Vem, Cípris,
Vertendo com delicadeza
Em nossos dourados cálices
Néctar mesclado a festividades”


Aos meus e aos teus companheiros
.


(Tradução de Rafael Brunhara)

Sólon: Fragmentos

9 W

Da nuvem vem a fúria da neve e do granizo
e o trovão nasce do raio fulgurante;
por causa de homens poderosos a cidade perece
e o povo em sua ignorância cai na escravidão de um só governante.
Quando um homem se elevou muito, não é fácil contê-lo depois;
mas agora é preciso considerar tudo isso.


10 W


Breve tempo mostrará aos cidadãos a minha loucura,
mostrará, quando a verdade vier a público.

12 W

Pelos ventos o mar é perturbado; se nenhum (vento) o agita
é a mais justa de todas as coisas.

14 W

Não, homem algum é feliz: miseráveis
são todos os mortais que o sol contempla.

16 W

É muito difícil conhecer a medida oculta da sabedoria,
ela, a única que tem o fim de todas as coisas.

17 W

De todos os lados, a mente dos imortais é oculta aos homens.

22a W

Dize por mim a Crítias de ruivos cabelos que ouça o seu pai,
pois não obedecerá um guia de mente errada.

23 W

Feliz quem possui filhos queridos, cavalos de casco não partido,
cães de caça e um hóspede estrangeiro.

25 W

Até a amável flor da juventude amarás um rapaz,
desejando suas coxas e sua doce boca.


Tradução: Gilda N.M. de Barros

segunda-feira, janeiro 18, 2010

O Malvindo

Vive dando cabeçada.
Navegou mares errados,
perdeu tudo que não tinha,
amou a mulher difícil,
ama torto cada vez
e ama sempre, desfalcado,
com o punhal atravessado
na garganta ensandecida
Este, o triste cavaleiro
de tristíssima figura
que nem mesmo teve a graça
de estar ao lado de Alonso
e poder narrar eventos
nos quais entrou de mau jeito
mas com sabor de epopéia.
Nada a fazer com este tipo
avesso a qualquer romança
ou ode, apenas terráqueo,
ou nem isso, extraterráqueo,
de quem não se ouve um grito,
mais além do que gemido,
nem uma palavra lúcida
varando o cerne das coisas
que esperam ser reveladas
e nós todos pressentimos.
Inútil corpo, alma inútil
se não transfunde alegria
e esperança de renovo
no universo fatigado
em que repousa e não ousa.
Sua ficha - foi rasgada,
por ausência de sinais.
Seu nome - por que sabê-lo?
E sua vida completa
já nem é vida, é jamais.

Carlos Drummond de Andrade, Farewell

A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos da obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
da nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade, in: Farewell.

domingo, janeiro 17, 2010

Teognideia, 1319-1328, 1335-1336

1319-1322

Menino, já que a Cípris te dá ardente graça,
que teu porte aos moços todos concerne,
ouve estes versos e põe no coração minha graça,
ciente do quão árduo é ao homem suportar o amor.


1323-1326

Ciprogênia, cessa-me os suplícios, dissipa-me anseios
que devoram o coração, volta-me para a alegria:
cessa os maus cuidados, dá ao meu coração alegre,
findado o apogeu da juventude, atos de prudência.


1327-1328

Menino, enquanto tiveres queixo implume, nunca deixarei
de cortejá-lo, inda que morrer seja meu destino.


1335-1336


Feliz, quem ama se exercitar e quando vai
p’ra casa, dorme o dia todo com um belo menino


(Tradução de Rafael Brunhara)

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Velas

Os dias do futuro erguem-se diante de nós
como uma série de pequenas velas acesas -
pequenas velas douradas, quentes e vivas.

Os dias passados ficam atrás,
uma triste fileira de velas apagadas;
as mais próximas ainda exalam fumaça,
velas frias, derretidas e recurvadas.

Não quero vê-las; entristece-me seu aspecto,
e entristece-me lembrar seu primeiro clarão.
Adiante contemplo minhas velas acesas.

Não quero voltar-me para não ver, apavorado,
com que rapidez a sombria fileira se alonga,
com que rapidez se multiplicam as velas apagadas!

Konstantinos Kaváfis

Tradução de Ísis B. da Fonseca

domingo, janeiro 10, 2010

Goethe: Prometheus

Bedecke deinen Himmel, Zeus,
Mit Wolkendunst
Und übe, dem Knaben gleich,
Der Disteln köpft,
An Eichen dich und Bergeshöhn:
Musst mir meine Erde
Doch lassen stehn
Und meine Hütte, die du nicht gebaut,
Und meinen Herd,
Um dessen Glut
Du mich beneidest.

Ich kenne nichts Ärmeres
Unter der Sonn ais euch, Götter!
Ihr nähret kümmerlich
Von Opfersteuern
Und Gebetshauch
Eure Majestät
Und darbtet, wären
Nicht Kinder und Bettler
Hoffnungsvolle Toren.

Da ich ein Kind war,
Nicht wusste, wo aus noch ein,
Kehrt ich mein verirrtes
Auge Zur Sonne, ais wenn drüber wär
Ein Ohr, zu hören meine Klage,
Ein Herz wie meins,
Sich des Bedrängten zu erbarmen.

Wer half mir
Wider der Titanen Übermut?
Wer rettete vom Tode mich,
Von Sklaverei?
Hast du nicht alies selbst vollendet,
Heilig glühend Herz?
Und glühtest, jung und gut,
Betrogen, Rettungsdank
Dem Schlafenden da droben? .

Ich dich ehren? Wofür?
Hast du die Schmerzen gelindert
Je des Beladenen?
Hast du die Tränen gestillet
Je des Geängsteten?
Hat nicht mich zuni Manne geschmiedet
Die allmächtige Zeit
Und das ewige Schicksal,
Meine Herrn und deine?

Wähntest du etwa,
Ich sollte das Leben hasse,
In Wüsten fliehen,
Weil nicht alie Blütenträume reiften?

Hier sitz ich, forme Menschen
Nach meinem Bilde,
Ein Geschlecht, das mir gleich sei:
Zu leiden, zu weinen,
Zu geniessen und zu freuen sich,
Und dein nicht zu achten,
Wie ich!



Encobre o teu céu, ó Zeus,
Com vapores de nuvens,
E, qual menino que decepa
A flor dos cardos,
Exercita-te em robles e cristas de montes;
Mas a minha Terra
Hás-de-ma deixar,
E a minha cabana, que não construíste,
E o meu lar,
Cujo braseiro
Me invejas.

Nada mais pobre conheço
Sob o sol do que vós, ó Deuses!
Mesquinhamente nutris
De tributos de sacrifícios
E hálitos de preces
A vossa majestade;
E morreríeis de fome, se não fossem
Crianças e mendigos
Loucos cheios de esperança.

Quando era menino e não sabia
Pra onde havia de virar-me,
Voltava os olhos desgarrados
Para o sol, como se lá houvesse
Ouvido pra o meu queixume,
Coração como o meu
Que se compadecesse da minha angústia.

Quem me ajudou
Contra a insolência dos Titãs?
Quem me livrou da morte,
Da escravidão?
Pois não foste tu que tudo acabaste,
Meu coração em fogo sagrado?
E jovem e bom — enganado —
Ardias ao Deus que lá no céu dormia
Tuas graças de salvação?!

Eu venerar-te? E por quê?
Suavizaste tu jamais as dores
Do oprimido?
Enxugaste jamais as lágrimas
Do angustiado?
Pois não me forjaram Homem
O Tempo todo-poderoso
E o Destino eterno,
Meus senhores e teus?

Pensavas tu talvez
Que eu havia de odiar a Vida
E fugir para os desertos,
Lá porque nem todos
Os sonhos em flor frutificaram?

Pois aqui estou! Formo Homens
À minha imagem,
Uma estirpe que a mim se assemelhe:
Para sofrer, para chorar,
Para gozar e se alegrar,
E pra não te respeitar,
Como eu!

Tradução: Paulo Quintela