segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Bábrio e os Deuses

O poeta romano Bábrio (séc. I ou II a.C) é conhecido por ter versificado diversas fábulas esópicas. Certas fábulas que retratam personagens divinos poderiam sinalizar para uma atitude religiosa mais popular acerca dos deuses e de questões míticas, uma vez que seus textos estariam mais próximos dos contos tradicionais do que, por exemplo, de Homero ou dos grandes tragediógrafos (Ver Trzakoma, S.M.; Scott Smith, R.;  Brunet, S. Anthology of Classical Myth. Hackett: 2004).

Fábula 68:  Zeus Contra Apolo


Θεοῖς Ἀπόλλων ἔλεγε μακρὰ τοξεύων,
“οὐκ ἂν βάλοι τις πλεῖον οὐδὲ Ζεὺς ἥμων.”
ὁ Ζεὺς δὲ παίζων ἠρίδαινε τῷ Φοίβῳ·
Ἑρμῆς δ' ἔσειεν Ἄρεος ἐν κυνῇ κλήρους.
λαχὼν δ' ὁ Φοῖβος χρυσέην τε κυκλώσας
τόξοιο νευρήν, ὀξέως ἀφεὶς πρῶτος
τὸ βέλος ἔπηξεν ἐντὸς Ἑσπέρου κήπων.
ὁ Ζεὺς δὲ διαβὰς ταὐτὸ μέτρον εἱστήκει,
καὶ “ποῦ βάλω, παῖ;” φησίν, “οὐκ ἔχω χώρην.”
τόξου δὲ νίκην ἔλαβε μηδὲ τοξεύσας.

Apolo dizia aos Deuses, quando disparava longe as suas flechas:
"Ninguém conseguiria atirar mais longe do que eu - nem Zeus!"
Mas, Zeus, brincando, pôs-se em disputa com Febo.
Hermes agitava as sortes no elmo de Ares.
Febo venceu, dobrou a corda  dourada
do arco, e atirou primeiro o pontiagudo
míssil: acertou o interior dos jardins de Héspero.
Mas, em um passo, Zeus caminhou esta mesma distância.
 Parou e disse: "Como vou atirar, filho? Não tenho espaço!"
E recebeu a vitória do arco, sem ter disparado uma flecha.


Fábula 70: O Casamento da Guerra e da Desmesura


Θεῶν γαμούντων, ὡς ἕκαστος ἐζεύχθη,
ἐφ' ἅπασι Πόλεμος ἐσχάτῳ παρῆν κλήρῳ.
Ὕβριν δὲ γήμας, ἣν μόνην κατειλήφει,
ταύτης περισσῶς, ὡς λέγουσιν, ἠράσθη,
ἕπεται δ' ἔτ' αὐτῇ πανταχοῦ βαδιζούσῃ.
Μήτ' οὖν ποτ' ἔθνη, μὴ πόληας ἀνθρώπων
Ὕβρις <γ> ἐπέλθοι, προσγελῶσα τοῖς δήμοις,
ἐπεὶ μετ' αὐτὴν Πόλεμος εὐθέως ἥξει.

Quando os Deuses estavam se casando, unindo-se um por um,
Guerra foi o último de todos no sorteio.
e casou-se com a Desmesura, a única que restara.
Ele amou-a excessivamente (é o que dizem),
e ainda a segue por onde quer que ela vá.
Então, que a Desmesura nunca advenha a nenhuma
nação ou cidade de homens, sorrindo para o povo:
porque, atrás dela, Guerra virá imediatamente.

Fábula 117: Deuses e homens, homens e formigas

Νεώς ποτ' αὐτοῖς ἀνδράσιν βυθισθείσης,
ἰδών τις ἔλεγεν ἄδικα τοὺς θεοὺς κρίνειν·
ἑνὸς γὰρ ἀσεβοῦς ἐμβεβηκότος πλοίῳ,
πολλοὺς σὺν αὐτῷ μηδὲν αἰτίους θνῄσκειν.
καὶ ταῦθ' ὁμοῦ λέγοντος, οἷα συμβαίνει,
πολλῶν ἐπ' αὐτὸν ἑσμὸς ἦλθε μυρμήκων,
σπεύδοντες ἄχνας πυρίνας ἀποτρώγειν·
ὑφ' ἑνὸς δὲ δηχθεὶς συνεπάτησε τοὺς πλείους.
Ἑρμῆς δ' ἐπιστὰς τῷ τε ῥαβδίῳ παίων
“εἶτ' οὐκ ἀνέξῃ” φησί “τοὺς θεοὺς εἶναι
ὑμῶν δικαστὰς οἷος εἶ σὺ μυρμήκων;”

Quando uma vez um navio afundou com a tripulação,
Alguém viu aquilo e disse que os Deuses tinham um julgamento injusto;
porque apenas um homem ímpio havia entrado na embarcação,
e que muitos sem culpa nenhuma morriam com ele.
E  enquanto ele dizia isso, - como acontece - ,
avançou sobre ele um grande formigueiro,
apressado para mordiscar as palhas em chamas:
mordido por uma só, ele pisoteou a maioria.
Hermes postou-se diante dele, e golpeou-lhe com seu cajado.
"E então?" - Disse - " Não suportas que os Deuses
vos julguem tal qual tu julgas as formigas?"




(Traduções: Rafael Brunhara)

sábado, fevereiro 11, 2012

Sobre a Medusa de Leonardo da Vinci (Shelley)


It lieth, gazing on the midnight sky,
Upon the cloudy mountain peak supine;
Below, far lands are seen tremblingly;
Its horror and its beauty are divine.
Upon its lips and eyelids seems to lie 5
Loveliness like a shadow, from which shrine,
Fiery and lurid, struggling underneath,
The agonies of anguish and of death.
Yet it is less the horror than the grace
Which turns the gazer's spirit into stone; 10
Whereon the lineaments of that dead face
Are graven, till the characters be grown
Into itself, and thought no more can trace;
'Tis the melodious hue of beauty thrown
Athwart the darkness and the glare of pain, 15
Which humanize and harmonize the strain.
And from its head as from one body grow,
As [ ] grass out of a watery rock,
Hairs which are vipers, and they curl and flow
And their long tangles in each other lock, 20
And with unending involutions shew
Their mailed radiance, as it were to mock
The torture and the death within, and saw
The solid air with many a ragged jaw.
And from a stone beside, a poisonous eft 25
Peeps idly into those Gorgonian eyes;
Whilst in the air a ghastly bat, bereft
Of sense, has flitted with a mad surprise
Out of the cave this hideous light had cleft,
And he comes hastening like a moth that hies 30
After a taper; and the midnight sky
Flares, a light more dread than obscurity.
'Tis the tempestuous loveliness of terror;
For from the serpents gleams a brazen glare
Kindled by that inextricable error, 35
Which makes a thrilling vapour of the air
Become a [ ] and ever-shifting mirror
Of all the beauty and the terror there-
A woman's countenance, with serpent locks,
Gazing in death on heaven from those wet rocks. 40

Jaz, fixando o céu noturno, supina sobre o enevoado cume de um monte; embaixo, há um tremular de terras distantes. O seu horror e a sua beleza são divinos. Sobre seus lábios e suas pálpebras pousa a formosura como uma sombra: irradiam dela, ardentes e embaciadas, as agonias da angústia e da morte que, embaixo, se debatem.
Não é tanto o horror, mas a graça a empedrar o espírito do observador, sobre quem se cinzelam os lineamentos daquela face morta, até que os seus caracteres penetram-lhe, e o pensamento se turva; é a melodiosa tinta da beleza, sobreposta às trevas e ao esplendor da punição, que torna humana e harmoniosa a impressão.
E de sua cabeça, como se fosse de um só corpo, surgem, tal qual ervas de uma rocha úmida, cabelos que são víboras, e se contorcem e se estendem, e entrecruzam os seus nós e em infinitos rodeios mostram o seu esplendor metálico, quase escarnecendo da tortura e da morte interiores, e cortam o ar com suas mandíbulas rachadas. 
E  de uma pedra ao lado, um venenoso sardão se demora a espiar aqueles olhos gorgôneos, enquanto no ar, atônito, um horrendo morcego é adejado fora da furna onde aquela amedrontadora luz surpreendeu-o e se precipita como uma traça à luz; e o céu noturno relampeja de uma luz mais amedrontadora que a escuridão.
É o tempestuoso encanto do terror: das serpentes lampeja uma cúprica fulgência acesa nesses seus inextricáveis rodeios, e cria em torno um vibrante halo, espelho móvel de toda a beldade e de todo o terror daquela cabeça: um vulto de mulher com crina vipérea, que na morte contempla o céu das tochas úmidas.
É o tempestuoso encanto do terror...