Hinos, que a lira comandais! Que herói, que nume
Ou que varão celebraremos hoje? É Zeus,
Que reina em Pisa, e Hércules, que fez de Olímpia
o berço das competições, e também Térão,
Térão, primeiro na quadriga, de Agrigento,
Bravo, sensato campeão que honrou as almas
Daqueles ancestrais que após esforço ingente
Junto do rio uma cidade santa ergueram, foram
Sêmen da Sicília, e os protegeu destino
Aventurado,e em prol da raça e da virtude
Que tiveram, honra e ouro receberam!
Ó Crônio filho de Réia, alma dos torneios
De Olímpia e rio Alfeu, atento a esses cantares,
A cara pátria tu preserves aos que são
Seus descendentes, e do que já passou,
O fim das coisas, mal ou bem, não pode o Tempo
(É pai de tudo)invalidar, no esquecimento.
Contudo, a boa sina vai nascer pra nós,
E o nobre canto mata a dor que quer se alçar,
Quando a Moira do deus manda o bem, qual se deu
Com Cadmo e suas filhas tão sofridas,
Para quem todo mal veio a acabar-se um dia.
Morreu Semele de cabelos longos sob o divo
Raio, e entre as divinais viveu depois,já bem
Tratada por Atena, Zeus e pelo deus
Da parra, Dioniso,diz-se também
Que entre as Ninfas do oceano Ino tem
Vida piedosa, abençoada! Mal conhecem
Os varões o fim de sua carreira,
E nem se vão viver num dia estrito
O sol de uma ventura inigualável:
Por essas ondas onde a vida gira
No bem ou na tristeza erramos sempre.
Olhai a raça de um tal Térão: com mirífico
Destino a Graça aquinhoou seus ancestrais.
Desde que Laio, entanto, foi morrer às mãos
De um filho seu, virou horror o que era belo,
Apolo o quis assim, e assim bem se cumpriu.
Depois, a lâmina do olhar de Erínia fez
Se engalfinharem os dois filhos do rei Édipo,
Um, Polinice, ao perecer, deixou
O filho seu Tersandro, ilustre em juvenis
Competições, rebento derradeiro que susteve
A casa dos Adrástidas, de onde veio
A plêiade de heróis que nesta hora eu canto.
Do sangue desses todos veio Enesidemo,
A quem ora tributo o preito da poesia
E os sons da lira, após vencer jogos de Olímpia,
Enquanto aos dois irmãos cederam todas Graças
Lindo laurel de Delfos e dos jogos do Istmo,
Pois doze voltas deu em glória a sua quadriga.
E o amor da glória sempre vence a todo medo.
Quando a riqueza se coroa coa virtude,
A tudo enfim se enfrenta pois inspira ardor
Impetuoso e vivo a febre de vencer,
Astro flamante e labareda para os vivos!
Ouro e virtude quem possui sabe o vindouro.
Sabe também que as almas dos culpados são
Punidas, ao findarem esta vida, se hão
A Zeus muito ofendido, e têm seu júri no Hades,
E o duro tribunal enfim se pronuncia.
Os bons enxergam claros sóis em plena noite,
Como se dia fosse, e, livres da labuta,
Não se escalavram mãos e braços no lavrar
Da terra, ou de salgado mar, em rude cata
Aos alimentos, mas - ao revés - o que respeita
Aos mandamentos sempre vive sem chorar,
Por eleição de Zeus, enquanto que os perjuros
A presa vêm a ser de insanas aflições.
E três encarnações, após terem vivido,
Ou seja noutro mundo ou neste, e hajam assim
a força de viverem longe da injustiça,
Então vão percorrer de Zeus a bela estrada
E de Saturno, e à ilha recebidos são
De todos Bem-Aventurados, que das auras
Do mar se toucam, onde raiam flores de ouro,
As terrestres nas árvores, e ao seio de ondas,
Outras, todas se entrelaçando qual grinaldas,
Onde o frontal e os braços não se apartam mais.
Tais são as justas regiões de Radamanto,
A quem a honra de um assento cedeu Crono,
Pai dos divinos, cônjuge de Réia, que há
Sua sede acima de imortais, lá onde moram
Peleu e Cadmo e Aquileu, e este por Tétis
Conduzido, cujas preces hão dobrado a Zeus.
Aquiles, que abateu Heitor, bastião de Tróia,
Que não apenas Cicno leva à tumba, mas
Também ao filho etíope da Aurora, Mêmnon.
Tenho na minha espalda a aljava com as setas
Que têm a voz para quem possa compreender,
Se bem que o vulgo exige sempre explicações.
Talento tem o homem que por natureza
Sabe o que sabe, pois quem sabe pelo estudo
É qual voral abutre em vão berrando contra
O divo pássaro de Zeus! Ora, minha'alma,
Pega o teu arco e vai ao ponto. E aonde a Musa
Minha suas setas vai jogar, que rendem glória?
A Agrigento, certamente, e eu o direi
Por jura consumada que nenhuma urbe
Desde há cem anos produziu um tal varão
Que tenha um coração tão terno e devotado,
E a mão mais generosa que Térão, embora
A glória sua seja um alvo dos covardes.
Tradução de Antonio Medina Rodrigues
Fonte:Revista Cultura Vozes, Volume 91- nº2, ano 91. Petrópolis: Vozes. Março/Abril de 1997
sábado, dezembro 27, 2008
quarta-feira, dezembro 24, 2008
Tibulo II. 2
Dicamus bona uerba: uenit Natalis ad aras:
quisquis ades, lingua, uir mulierque, faue.
urantur pia tura focis, urantur odores
quos tener e terra diuite mittit Arabs.
ipse suos Clenius adsit uisurus honores,
cui decorent sanctas mollia serta comas.
illius puro destillent tempora nardo,
atque satur libo sit madeatque mero,
adnuat et, Cornute, tibi, quodcumque rogabis.
en age (quid cessas? adnuit ille) roga.
auguror, uxoris fidos optabis amores:
iam reor hoc ipsos edidicisse deos.
nec tibi malueris, totum quaecumque per orbem
fortis arat ualido rusticus arua boue,
nec tibi, gemmarum quidquid felicibus Indis
nascitur, Eoi qua maris unda rubet.
uota cadunt: utinam strepitantibus aduolet alis
flauaque coniugio uincula portet Amor,
uincula quae maneant semper dum tarda senectus
inducat rugas inficiatque comas.
haec ueniat, Natalis, auis prolemque ministret,
ludat et ante tuos turba nouella pedes.
Digamos palavras boas: aproxima-se do altar o Deus Natal;
presente, quem quer que sejas, varão ou mulher, fica em silêncio.
Queimem-se na lareira incensos piedosos, queimem-se os perfumes
que o terno árabe envia de sua rica terra.
Compareça ele próprio, o Gênio, a ver as suas honras,
e delicadas grinaldas lhe enfeitem a santa cabeleira;
nardo puro desfile de suas têmporas;
e se farte com o bolo e se embriague de vinho,
e te conceda, Cornuto, o que quer que rogues.
Ora, vamos, por que hesitas? Ele concede: roga.
Adivinho: desejarás o amor fiel da tua esposa
- isto, calculo, já o sabem os próprios Deuses:
não preferirás ter as searas que, por todo o orbe,
ara o forte lavrador com o vigoroso boi,
nem as pérolas todas que, para os felizes hindus,
nascem nas regiões de Aurora, em que a onda do mar é vermelha.
Os teus votos caem bem: oxalá voe até nós, com ruidosas asas,
o Amor, e traga ao teu casamento laços amarelos
- laços que permaneçam para sempre, enquanto a lenta velhice
trouxer as rugas e desbotar os cabelos.
Venha este Deus Natal para os avós e lhes dê filhos e netos,
e brinque aos teus pés um bando de crianças.
Tradução: Maria da Glória Novak in: NOVAK,M.L & NERI,M.L (orgs.)Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins fontes, 2003.
quisquis ades, lingua, uir mulierque, faue.
urantur pia tura focis, urantur odores
quos tener e terra diuite mittit Arabs.
ipse suos Clenius adsit uisurus honores,
cui decorent sanctas mollia serta comas.
illius puro destillent tempora nardo,
atque satur libo sit madeatque mero,
adnuat et, Cornute, tibi, quodcumque rogabis.
en age (quid cessas? adnuit ille) roga.
auguror, uxoris fidos optabis amores:
iam reor hoc ipsos edidicisse deos.
nec tibi malueris, totum quaecumque per orbem
fortis arat ualido rusticus arua boue,
nec tibi, gemmarum quidquid felicibus Indis
nascitur, Eoi qua maris unda rubet.
uota cadunt: utinam strepitantibus aduolet alis
flauaque coniugio uincula portet Amor,
uincula quae maneant semper dum tarda senectus
inducat rugas inficiatque comas.
haec ueniat, Natalis, auis prolemque ministret,
ludat et ante tuos turba nouella pedes.
Digamos palavras boas: aproxima-se do altar o Deus Natal;
presente, quem quer que sejas, varão ou mulher, fica em silêncio.
Queimem-se na lareira incensos piedosos, queimem-se os perfumes
que o terno árabe envia de sua rica terra.
Compareça ele próprio, o Gênio, a ver as suas honras,
e delicadas grinaldas lhe enfeitem a santa cabeleira;
nardo puro desfile de suas têmporas;
e se farte com o bolo e se embriague de vinho,
e te conceda, Cornuto, o que quer que rogues.
Ora, vamos, por que hesitas? Ele concede: roga.
Adivinho: desejarás o amor fiel da tua esposa
- isto, calculo, já o sabem os próprios Deuses:
não preferirás ter as searas que, por todo o orbe,
ara o forte lavrador com o vigoroso boi,
nem as pérolas todas que, para os felizes hindus,
nascem nas regiões de Aurora, em que a onda do mar é vermelha.
Os teus votos caem bem: oxalá voe até nós, com ruidosas asas,
o Amor, e traga ao teu casamento laços amarelos
- laços que permaneçam para sempre, enquanto a lenta velhice
trouxer as rugas e desbotar os cabelos.
Venha este Deus Natal para os avós e lhes dê filhos e netos,
e brinque aos teus pés um bando de crianças.
Tradução: Maria da Glória Novak in: NOVAK,M.L & NERI,M.L (orgs.)Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins fontes, 2003.
segunda-feira, dezembro 22, 2008
Calímaco - Epigrama 8 P
Pequena, Dionísio, basta uma palavra
ao poeta feliz: "venci" é o máximo
que diz. Mas se ao que tu não inspiraste bem
"que tal?",indagam, "duro é o que me ocorre",
diz. Que isto ocorra a quem injustos versos trama.
a mim, senhor, as tais pequenas sílabas.
Tradução de João Angelo Oliva Neto
ao poeta feliz: "venci" é o máximo
que diz. Mas se ao que tu não inspiraste bem
"que tal?",indagam, "duro é o que me ocorre",
diz. Que isto ocorra a quem injustos versos trama.
a mim, senhor, as tais pequenas sílabas.
Tradução de João Angelo Oliva Neto
A Máquina do Mundo
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e do meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto dos mistérios, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos.
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste...vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo."
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima - esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita ao meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagoroso, de mãos pensas.
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e do meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto dos mistérios, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos.
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste...vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo."
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima - esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita ao meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagoroso, de mãos pensas.
O Inferno: Divina Comédia III. 1-9
PER ME SI VA NE LA CITTÀ DOLENTE,
PER ME SI VA NE L'ETTERNO DOLORE,
PER ME SI VA TRA LA PERDUTA GENTE.
GIUSTIZIA MOSSE IL MIO ALTO FATTORE
FECEMI LA DIVINA PODESTATE,
LA SOMMA SAPïENZA E L'PRIMO AMORE
DINANZI A ME NON FUOR COSE CREATE
SE NON ETTERNE, E IO ETTERNA DURO.
LASCIATE OGNE SPERANZA, VOI CH'INTRATE.
******
VAI-SE POR MIM À CIDADE DOLENTE
VAI-SE POR MIM À SEMPITERNA DOR,
VAI-SE POR MIM ENTRE A PERDIDA GENTE.
MOVEU A JUSTIÇA O MEU ALTO FEITOR
FEZ-ME A DIVINA POTESTADE, MAIS
O SUPREMO SABER E O PRIMO AMOR
ANTES DE MIM NÃO FOI CRIADO MAIS
NADA SENÃO ETERNO, E ETERNA EU DURO.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS.
Tradução de Italo Eugenio Mauro in: A Divina Comédia: Inferno. São Paulo: Editora 34,2006.
PER ME SI VA NE L'ETTERNO DOLORE,
PER ME SI VA TRA LA PERDUTA GENTE.
GIUSTIZIA MOSSE IL MIO ALTO FATTORE
FECEMI LA DIVINA PODESTATE,
LA SOMMA SAPïENZA E L'PRIMO AMORE
DINANZI A ME NON FUOR COSE CREATE
SE NON ETTERNE, E IO ETTERNA DURO.
LASCIATE OGNE SPERANZA, VOI CH'INTRATE.
******
VAI-SE POR MIM À CIDADE DOLENTE
VAI-SE POR MIM À SEMPITERNA DOR,
VAI-SE POR MIM ENTRE A PERDIDA GENTE.
MOVEU A JUSTIÇA O MEU ALTO FEITOR
FEZ-ME A DIVINA POTESTADE, MAIS
O SUPREMO SABER E O PRIMO AMOR
ANTES DE MIM NÃO FOI CRIADO MAIS
NADA SENÃO ETERNO, E ETERNA EU DURO.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS.
Tradução de Italo Eugenio Mauro in: A Divina Comédia: Inferno. São Paulo: Editora 34,2006.
Versos à boca da noite
Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva...
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.
Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?
Há muito suspeitei o velho em mim.
Ainda criança, já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.
Mas se eu pudesse recomeçar o dia!
Usar de novo minha adoração,
meu grito,minha fome...Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.
Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação da minha vida,
como os objetos perdidos na rua.
As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,
e tanta indecisão entre dois mares,
entre duas mulheres, duas roupas.
Toda essa mão para fazer um gesto
que de tão frágil nunca se modela,
e fica inerte, zona de desejo
selada por arbustos agressivos.
(Um homem se contempla sem amor,
se despe sem qualquer curiosidade.)
Mas vêm o tempo e a idéia do passado
visitar-te na curva de um jardim.
Vem a recordação, e te penetra
dentro de um cinema, subitamente.
E as memórias escorrem do pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sono e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.
E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi.
Esta casa, que miras de passagem,
estará no Acre? na Argentina? em ti?
que palavra escutaste, e onde, quando?
seria indiferente ou solidária?
Um pedaço de ti rompe a neblina,
voa talvez para a Bahia e deixa
outros pedaços, dissolvidos no atlas,
em País-do-riso e em tua ama preta.
Que confusão de coisas ao crepúsculo!
Que riqueza! sem préstimo, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:
uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,
mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho em piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão,
tal uma inteligência do universo
comprada em sal, em rugas e cabelo.
Carlos Drummond de Andrade
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva...
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.
Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?
Há muito suspeitei o velho em mim.
Ainda criança, já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.
Mas se eu pudesse recomeçar o dia!
Usar de novo minha adoração,
meu grito,minha fome...Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.
Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação da minha vida,
como os objetos perdidos na rua.
As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,
e tanta indecisão entre dois mares,
entre duas mulheres, duas roupas.
Toda essa mão para fazer um gesto
que de tão frágil nunca se modela,
e fica inerte, zona de desejo
selada por arbustos agressivos.
(Um homem se contempla sem amor,
se despe sem qualquer curiosidade.)
Mas vêm o tempo e a idéia do passado
visitar-te na curva de um jardim.
Vem a recordação, e te penetra
dentro de um cinema, subitamente.
E as memórias escorrem do pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sono e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.
E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi.
Esta casa, que miras de passagem,
estará no Acre? na Argentina? em ti?
que palavra escutaste, e onde, quando?
seria indiferente ou solidária?
Um pedaço de ti rompe a neblina,
voa talvez para a Bahia e deixa
outros pedaços, dissolvidos no atlas,
em País-do-riso e em tua ama preta.
Que confusão de coisas ao crepúsculo!
Que riqueza! sem préstimo, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:
uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,
mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho em piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão,
tal uma inteligência do universo
comprada em sal, em rugas e cabelo.
Carlos Drummond de Andrade
terça-feira, dezembro 16, 2008
Erínias: Divina Comédia, IX.34-49
E altro disse, ma non l'ho mente;
tre furïe infernal di sangue tinte,
che membra feminine avieno e atto,
e con idre verdissime eran cinte;
serpentelli e ceraste avien per crine,
onde le fiere tempie erano avvinte.
E quei, che bem conobbe le meschine
de la regina de l'etterno pianto,
"Guarda", mi disse, "le feroci Erine.
Quest'è Megera del sinistro canto;
quella che piange dal destro è Aletto;
Tesifón è nel mezzo"; e tacque a tanto.
Con l'unghie si fendea ciascuna il petto;
battiensi a palme e gridava sí alto,
ch'i' mi strinsi al poeta por sospetto.
Disse ainda mais, que me escapou da mente
por ter-se desviado o meu apresto
para a alta torre do cimo candente,
para onde juntas vi chegar, bem presto,
três Fúrias infernais, de sangue ungidas,
que tinham de femíneo o peito e o gesto,
e por Hidras verdíssimas cingidas,
traziam, por cabeleira, serpes bravas
envolvendo suas têmporas infidas.
E ele que bem conhecera as escravas
da soberana do perpétuo pranto,
mostrou: "São essas as Erínias pravas:
Megera é aquela lá no esquerdo canto,
Aleto esta que chora, no direito,
Tesífone é a do meio"; e eu, no entanto,
as via co'as unhas fenderem-se o peito
e, em seu flagelo, gritarem tão alto
que assustado, acheguei-me ao meu eleito.
Tradução de Italo Eugenio Mauro
tre furïe infernal di sangue tinte,
che membra feminine avieno e atto,
e con idre verdissime eran cinte;
serpentelli e ceraste avien per crine,
onde le fiere tempie erano avvinte.
E quei, che bem conobbe le meschine
de la regina de l'etterno pianto,
"Guarda", mi disse, "le feroci Erine.
Quest'è Megera del sinistro canto;
quella che piange dal destro è Aletto;
Tesifón è nel mezzo"; e tacque a tanto.
Con l'unghie si fendea ciascuna il petto;
battiensi a palme e gridava sí alto,
ch'i' mi strinsi al poeta por sospetto.
Disse ainda mais, que me escapou da mente
por ter-se desviado o meu apresto
para a alta torre do cimo candente,
para onde juntas vi chegar, bem presto,
três Fúrias infernais, de sangue ungidas,
que tinham de femíneo o peito e o gesto,
e por Hidras verdíssimas cingidas,
traziam, por cabeleira, serpes bravas
envolvendo suas têmporas infidas.
E ele que bem conhecera as escravas
da soberana do perpétuo pranto,
mostrou: "São essas as Erínias pravas:
Megera é aquela lá no esquerdo canto,
Aleto esta que chora, no direito,
Tesífone é a do meio"; e eu, no entanto,
as via co'as unhas fenderem-se o peito
e, em seu flagelo, gritarem tão alto
que assustado, acheguei-me ao meu eleito.
Tradução de Italo Eugenio Mauro
sábado, dezembro 06, 2008
Vênus: Lusíadas, 2. 33-37
Ouviu-lhe estas palavras piedosas
A fermosa Dione, e, comovida
Dentre as ninfas se vai, que saudosas
Ficaram desta súbita partida.
Já penetra as Estrelas luminosas,
Já na terceira Esfera recebida
Avante passa, e lá no Sexto céu,
Para onde estava o Padre, se moveu.
E como ia afrontada do caminho,
Tão fermosa no gesto se mostrava,
Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho
E tudo quanto a via, namorava;
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,
Uns espíritos vivos inspirava,
Com que os Pólos gelados acendia,
E tornava do fogo a esfera fria.
E, por mais namorar o soberano
Padre, de quem foi sempre amada e cara,
Se lhe apresenta assim como ao Troiano
Na selva idéia já se apresentara.
Se a vira o caçador, que o vulto humano
Perdeu, vendo Diana na água clara,
Nunca os famintos galgos o mataram,
Que primeiro desejos o acabaram.
Os crespos fios de ouro se esparziam
Pelo colo, que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,
Com quem Amor brincava e não se via,
Da alva petrina flamas lhe saíam,
Onde o Menino as almas acendia;
Pelas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.
C'um delgado cendal as partes cobre
De quem vergonha é natural reparo,
Porém nem tudo esconde nem descobre
O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Mas, para que o desejo acenda e dobre,
Lhe põe diante aquele objeto raro.
Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.
A fermosa Dione, e, comovida
Dentre as ninfas se vai, que saudosas
Ficaram desta súbita partida.
Já penetra as Estrelas luminosas,
Já na terceira Esfera recebida
Avante passa, e lá no Sexto céu,
Para onde estava o Padre, se moveu.
E como ia afrontada do caminho,
Tão fermosa no gesto se mostrava,
Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho
E tudo quanto a via, namorava;
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,
Uns espíritos vivos inspirava,
Com que os Pólos gelados acendia,
E tornava do fogo a esfera fria.
E, por mais namorar o soberano
Padre, de quem foi sempre amada e cara,
Se lhe apresenta assim como ao Troiano
Na selva idéia já se apresentara.
Se a vira o caçador, que o vulto humano
Perdeu, vendo Diana na água clara,
Nunca os famintos galgos o mataram,
Que primeiro desejos o acabaram.
Os crespos fios de ouro se esparziam
Pelo colo, que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,
Com quem Amor brincava e não se via,
Da alva petrina flamas lhe saíam,
Onde o Menino as almas acendia;
Pelas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.
C'um delgado cendal as partes cobre
De quem vergonha é natural reparo,
Porém nem tudo esconde nem descobre
O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Mas, para que o desejo acenda e dobre,
Lhe põe diante aquele objeto raro.
Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.
sexta-feira, novembro 21, 2008
Fernando Pessoa - Epithalamium
Open the windows and thee doors all wide
Lest aught of night abide,
Or, like a ship's trail in the sea, survive
What made it there to live!
She lies in bed half waiting that her wish
Grow bolder or more rich
To make her rise, or poorer, to oust fear,
And she rise as a common day were here.
That she would be a bride in bed with man
The parts where she is woman do insist
And send up messages that shame doth ban
From being dreamed but in a shapeless mist.
She open her eyes, the ceiling sees above
Shutting the small alcove,
And thinks, till she must shut her eyes again.
Another ceiling she this night will know,
Another house, another bed, she lain
In a way she half guesses; so
She shuts her eyes to see not the room she
Soon will no longer see.
Lest aught of night abide,
Or, like a ship's trail in the sea, survive
What made it there to live!
She lies in bed half waiting that her wish
Grow bolder or more rich
To make her rise, or poorer, to oust fear,
And she rise as a common day were here.
That she would be a bride in bed with man
The parts where she is woman do insist
And send up messages that shame doth ban
From being dreamed but in a shapeless mist.
She open her eyes, the ceiling sees above
Shutting the small alcove,
And thinks, till she must shut her eyes again.
Another ceiling she this night will know,
Another house, another bed, she lain
In a way she half guesses; so
She shuts her eyes to see not the room she
Soon will no longer see.
Safo - Epitalâmio
Ao alto o teto
hímen!
erguei, carpinteiros.
hímen!
Vem-se o esposo: rival
hímen!
é de Ares, e homem
mais alto do que alto!
hímen!
Tradução: Pedro Alvim, in: Safo de Lesbos. SP: Ars Poética. 1993.
hímen!
erguei, carpinteiros.
hímen!
Vem-se o esposo: rival
hímen!
é de Ares, e homem
mais alto do que alto!
hímen!
Tradução: Pedro Alvim, in: Safo de Lesbos. SP: Ars Poética. 1993.
segunda-feira, novembro 03, 2008
Hino Homérico a Dioniso (tradução de Jaa Torrano)
Em volta de Dioniso, de Sêmele magnissigne o filho
lembrar-me-ei como luziu na praia do sal infatigável
sobre o quebra-mar na imagem de jovem homem
no primeiro viço e bela circunvolvia a cabeleira
sombria e manto sobre fortes ombros ele tinha
purpúreo e rápido da nau de bons bancos homens
piratas adiantaram-se velozes sobre o víneo mar,
eram tirsenos, levou-os maligno lote, quando o viram,
acenaram entre si, rápido saltaram, de súbito agarraram,
puseram-no em sua nau, jubilosos em seu coração.
parecia-lhes ser filho dos nutridos por Zeus reis
e assim quiseram prendê-lo com cadeias dolorosas
e não o seguravam cadeias, vimes de longe caíam
das mãos e dos pés, ele com doce sorriso contemplava
com olhos sombrios, mas o piloto, quando o notou,
já aos seus companheiros conclamou e assim falou:
- Numinosos, a que Deus aqui agarrastes e prendestes
poderoso? Nem pode o navio vos levar benéfico
pois ou Zeus é este, ou o de argênteo arco Apolo,
ou Poseidáon, porque não aos mortais homens
é símil, mas aos Deuses que têm o palácio Olímpio.
Eia! deixemo-lo sobre a firme terra negra
já e não lanceis mão sobre ele que não por cólera
suscite sobre nós dolorosos ventos e múltiplo tufão.
Assim falou e o chefe disse em hedionda palavra:
- Numinoso, vê o vento e iça as velas do navio,
tomadas todas as armas, isto aliás é para homens,
pretendo partir ou para o Egito ou para Chipre,
ou para os Hiperbóreos, ou para mais longe e por fim
dirá um dia amigos dele e todos os seus bens
e seus irmãos, quando o lançou em nós o Nume.
Assim disse e vela e vela içaram-se do navio,
soprou o vento o meio da vela e em volta as armas
retesaram-se e logo luziram-lhes mirados atos:
vinho primeiro através do veloz navio negro
suavipotável soniflui bem olente e erguia-se odor
imortal e a miração pegou a todos os nautas ao virem
e já no ápice da vela estendeu-se toda
a videira aqui e ali e suspendiam-se muitos
cachos e em volta da vela enrolou-se a negra hera
luxuriosa de flores e gracioso o fruto sobre-ergueu-se
e todas as cavilhas tinham coroas e quando viram
o navio já então doravante mandavam o piloto
levar para a terra e ele leão se lhes fez no navio
terrível sobre a proa e grandibramia e no meio deles
ursa ele fez do pescoço veloso ao luzir os sinais
e ela estacou-se ardente e leão sobre o alto banco
terrível suspicaz olhante e para a popa fugiram
e em volta do piloto que prudente espiríto tinha
estacaram-se aturdidos, ele rápido ergueu-se
e agarrou o chefe e para fora ao evitarem a má parte
todos à uma pularam, quando viram, no sal divino
e golfinhos nasceram, mas do piloto teve piedade
e deteve-se e fê-lo ser todo feliz e disse palavra:
- Coragem!, divino guia, grato ao meu ânimo,
sou eu Dioniso magnifremente que gerou mãe
Cadméia Sêmele de Zeus em amor desposada.
- Saudações, filho de Sêmele formosa, nem há como
de ti esquecido com doçura mundificar-se o cantar.
Fonte:
Palco e Platéia, São Paulo,n.1. Dezembro de 1986. (p.4-5)
lembrar-me-ei como luziu na praia do sal infatigável
sobre o quebra-mar na imagem de jovem homem
no primeiro viço e bela circunvolvia a cabeleira
sombria e manto sobre fortes ombros ele tinha
purpúreo e rápido da nau de bons bancos homens
piratas adiantaram-se velozes sobre o víneo mar,
eram tirsenos, levou-os maligno lote, quando o viram,
acenaram entre si, rápido saltaram, de súbito agarraram,
puseram-no em sua nau, jubilosos em seu coração.
parecia-lhes ser filho dos nutridos por Zeus reis
e assim quiseram prendê-lo com cadeias dolorosas
e não o seguravam cadeias, vimes de longe caíam
das mãos e dos pés, ele com doce sorriso contemplava
com olhos sombrios, mas o piloto, quando o notou,
já aos seus companheiros conclamou e assim falou:
- Numinosos, a que Deus aqui agarrastes e prendestes
poderoso? Nem pode o navio vos levar benéfico
pois ou Zeus é este, ou o de argênteo arco Apolo,
ou Poseidáon, porque não aos mortais homens
é símil, mas aos Deuses que têm o palácio Olímpio.
Eia! deixemo-lo sobre a firme terra negra
já e não lanceis mão sobre ele que não por cólera
suscite sobre nós dolorosos ventos e múltiplo tufão.
Assim falou e o chefe disse em hedionda palavra:
- Numinoso, vê o vento e iça as velas do navio,
tomadas todas as armas, isto aliás é para homens,
pretendo partir ou para o Egito ou para Chipre,
ou para os Hiperbóreos, ou para mais longe e por fim
dirá um dia amigos dele e todos os seus bens
e seus irmãos, quando o lançou em nós o Nume.
Assim disse e vela e vela içaram-se do navio,
soprou o vento o meio da vela e em volta as armas
retesaram-se e logo luziram-lhes mirados atos:
vinho primeiro através do veloz navio negro
suavipotável soniflui bem olente e erguia-se odor
imortal e a miração pegou a todos os nautas ao virem
e já no ápice da vela estendeu-se toda
a videira aqui e ali e suspendiam-se muitos
cachos e em volta da vela enrolou-se a negra hera
luxuriosa de flores e gracioso o fruto sobre-ergueu-se
e todas as cavilhas tinham coroas e quando viram
o navio já então doravante mandavam o piloto
levar para a terra e ele leão se lhes fez no navio
terrível sobre a proa e grandibramia e no meio deles
ursa ele fez do pescoço veloso ao luzir os sinais
e ela estacou-se ardente e leão sobre o alto banco
terrível suspicaz olhante e para a popa fugiram
e em volta do piloto que prudente espiríto tinha
estacaram-se aturdidos, ele rápido ergueu-se
e agarrou o chefe e para fora ao evitarem a má parte
todos à uma pularam, quando viram, no sal divino
e golfinhos nasceram, mas do piloto teve piedade
e deteve-se e fê-lo ser todo feliz e disse palavra:
- Coragem!, divino guia, grato ao meu ânimo,
sou eu Dioniso magnifremente que gerou mãe
Cadméia Sêmele de Zeus em amor desposada.
- Saudações, filho de Sêmele formosa, nem há como
de ti esquecido com doçura mundificar-se o cantar.
Fonte:
Palco e Platéia, São Paulo,n.1. Dezembro de 1986. (p.4-5)
quinta-feira, outubro 30, 2008
Píndaro - "O Sonho de uma Sombra" (8º pítica, excerto)
A sorte dos mortais
cresce num só momento
e um só momento basta
para a lançar por terra,
quando o cruel destino
a venha sacudir.
Efêmeros! que somos?
que não somos? O homem
é o sonho de uma sombra.
Mas quando os deuses lançam
sobre ele a sua luz,
claro esplendor o envolve
e doce é então a vida.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Tradução integral da 8ºpítica por Trajano Vieira
cresce num só momento
e um só momento basta
para a lançar por terra,
quando o cruel destino
a venha sacudir.
Efêmeros! que somos?
que não somos? O homem
é o sonho de uma sombra.
Mas quando os deuses lançam
sobre ele a sua luz,
claro esplendor o envolve
e doce é então a vida.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Tradução integral da 8ºpítica por Trajano Vieira
Píndaro - "Vim para celebrar"
Vim para celebrar os filhos
de pais sublimes e de mães tebanas,
quando, ao abrir-se a câmara das Horas
dos véus de púrpura,
a primavera perfumada nos concede
toda uma floração tão doce como o néctar.
Pela terra imortal brotam então
os meigos tufos das violetas,
e de rosas enfeitam-se os cabelos,
enquanto a voz das frautas se une à das canções
e os coros se erguem para Sêmele
de fronte ornada por um diadema.
Tradução: Péricles E.S. Ramos
de pais sublimes e de mães tebanas,
quando, ao abrir-se a câmara das Horas
dos véus de púrpura,
a primavera perfumada nos concede
toda uma floração tão doce como o néctar.
Pela terra imortal brotam então
os meigos tufos das violetas,
e de rosas enfeitam-se os cabelos,
enquanto a voz das frautas se une à das canções
e os coros se erguem para Sêmele
de fronte ornada por um diadema.
Tradução: Péricles E.S. Ramos
Píndaro - "Elísio"
Enquanto aqui é noite,
o sol fulgura vigoroso para eles
no mundo subterrâneo;
e diante da cidade,
pelos campos de rosas carmesins,o incenso
derrama a sua sombra,
e os ramos vergam-se com frutos de ouro.
Uns se divertem com cavalos ou lutando,
enquanto jogam outros, ou a lira tocam,
e entre eles a felicidade é como a árvore
que já cresceu de todo e se acha em flor.
Por essa terra amável
um doce aroma sem cessar se espalha:
nos altares dos deuses eles mesclam
arômatos de toda espécie
ao fogo que de longe brilha.
Denso negror expelem no outro lado
os lentos rios da sombria noite.
Tradução: Péricles E.S. Ramos
o sol fulgura vigoroso para eles
no mundo subterrâneo;
e diante da cidade,
pelos campos de rosas carmesins,o incenso
derrama a sua sombra,
e os ramos vergam-se com frutos de ouro.
Uns se divertem com cavalos ou lutando,
enquanto jogam outros, ou a lira tocam,
e entre eles a felicidade é como a árvore
que já cresceu de todo e se acha em flor.
Por essa terra amável
um doce aroma sem cessar se espalha:
nos altares dos deuses eles mesclam
arômatos de toda espécie
ao fogo que de longe brilha.
Denso negror expelem no outro lado
os lentos rios da sombria noite.
Tradução: Péricles E.S. Ramos
Simônides - "Sem os Deuses"
Ninguém prospera sem os deuses,
nem homem nem cidade.
Aquele que conhece tudo é um deus,
nem há o que conseguir,
em meio aos homens, sem trabalho.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
nem homem nem cidade.
Aquele que conhece tudo é um deus,
nem há o que conseguir,
em meio aos homens, sem trabalho.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Simônides - "Instabilidade" (520 PMG)
Homem mortal,
não queiras predizer
o que o Amanhã trará
nem, vendo alguém feliz,
o tempo em que há de assim continuar.
É rápida a mudança:
tão rápido não é o vôo instável
da libélula de asas céleres.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
Outra tradução: Maria Helena da Rocha Pereira
não queiras predizer
o que o Amanhã trará
nem, vendo alguém feliz,
o tempo em que há de assim continuar.
É rápida a mudança:
tão rápido não é o vôo instável
da libélula de asas céleres.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
Outra tradução: Maria Helena da Rocha Pereira
quinta-feira, outubro 23, 2008
Píndaro - "De Uma Só Raça"
De uma só raça, apenas uma,
nós somos, deuses e homens:
de uma só mãe tiramos nosso alento.
Separa-nos, porém,
o desigual poder: o homem é nada,
mas para os deuses
morada para sempre inabalável
é o céu de brônzeo piso.
Pela forma corpórea, ou no vigor do espírito,
somos no entanto como os imortais,
embora não saibamos onde,
no meio de que dias ou que noites,
o Destino escreveu que deveremos
findar nossa carreira.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
nós somos, deuses e homens:
de uma só mãe tiramos nosso alento.
Separa-nos, porém,
o desigual poder: o homem é nada,
mas para os deuses
morada para sempre inabalável
é o céu de brônzeo piso.
Pela forma corpórea, ou no vigor do espírito,
somos no entanto como os imortais,
embora não saibamos onde,
no meio de que dias ou que noites,
o Destino escreveu que deveremos
findar nossa carreira.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Simônides de Céos: "Pequena é a força do homem"
Pequena é a força do homem, vãos os seus cuidados;
para ele, em vida curta, só existe
fadiga após fadiga.
Faça o que faça, pende sobre ele
a morte inevitável,
que devem partilhar, da mesma forma,
os bons e os maus.
tradução de Péricles E.S.Ramos
para ele, em vida curta, só existe
fadiga após fadiga.
Faça o que faça, pende sobre ele
a morte inevitável,
que devem partilhar, da mesma forma,
os bons e os maus.
tradução de Péricles E.S.Ramos
Aos que morreram nas Termópilas
Dos que morreram nas Termópilas
ilustre foi a sina, bela a morte;
seu jazigo é um altar
onde as lembranças são as libações
e os louvores o vinho derramado.
Sobre esta pedra não terá poder o musgo
nem mesmo o tempo que domina tudo:
na tumba dos heróis habita agora
o resplendor da Grécia.
Atesta-o Leônidas, o Rei de Esparta,
do qual bravura e glória
eternamente brilham.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
Outra tradução: Antônio Medina Rodrigues
ilustre foi a sina, bela a morte;
seu jazigo é um altar
onde as lembranças são as libações
e os louvores o vinho derramado.
Sobre esta pedra não terá poder o musgo
nem mesmo o tempo que domina tudo:
na tumba dos heróis habita agora
o resplendor da Grécia.
Atesta-o Leônidas, o Rei de Esparta,
do qual bravura e glória
eternamente brilham.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
Outra tradução: Antônio Medina Rodrigues
domingo, outubro 12, 2008
Baquílides - "O mergulho de Teseu"
Soprando a ré o Vento Norte, o barco
andou veloz; quando saltou o herói,
assustaram-se os jovens atenienses
e dos olhos de lírio
verteram lágrimas ao meditar
nos tristes fatos que por força ocorrem.
Mas o povo marinho dos delfins
levou Teseu, de pressa,
para a morada de seu pai, o deus
a que são consagrados os cavalos;
lá chegando, ele viu, amedrontado,
as filhas de Nereu,
cujos membros esplêndidos radiavam
como um clarão de fogo; nos cabelos
mostravam fitas de ouro, e compraziam-nas
ágeis pés a dançar.
Viu também Anfitrite de olhos grandes,
a majestosa esposa de seu pai,
naquela doce casa: e ela vestiu-o
de linho cor de púrpura,
e nos cabelos densos pôs-lhe a bela
coroa que ao casar-se recebera
da enganadora deusa, de Afrodite
que as roupas engrinaldam.
Nada que os deuses possam consumar
excede a crença do homem de bom juízo:
Teseu surgiu ao lado do navio
de delicada popa.
Como ficou perplexo o chefe cnósio,
vendo-o emergir enxuto dos abismos,
maravilhando todos a ostentar
as dádivas divinas!
Bradaram de alegria nova as Moças
de trono refulgente, e o mar clamou
quando os jovens com doce voz entoaram
um peã de gratidão.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
andou veloz; quando saltou o herói,
assustaram-se os jovens atenienses
e dos olhos de lírio
verteram lágrimas ao meditar
nos tristes fatos que por força ocorrem.
Mas o povo marinho dos delfins
levou Teseu, de pressa,
para a morada de seu pai, o deus
a que são consagrados os cavalos;
lá chegando, ele viu, amedrontado,
as filhas de Nereu,
cujos membros esplêndidos radiavam
como um clarão de fogo; nos cabelos
mostravam fitas de ouro, e compraziam-nas
ágeis pés a dançar.
Viu também Anfitrite de olhos grandes,
a majestosa esposa de seu pai,
naquela doce casa: e ela vestiu-o
de linho cor de púrpura,
e nos cabelos densos pôs-lhe a bela
coroa que ao casar-se recebera
da enganadora deusa, de Afrodite
que as roupas engrinaldam.
Nada que os deuses possam consumar
excede a crença do homem de bom juízo:
Teseu surgiu ao lado do navio
de delicada popa.
Como ficou perplexo o chefe cnósio,
vendo-o emergir enxuto dos abismos,
maravilhando todos a ostentar
as dádivas divinas!
Bradaram de alegria nova as Moças
de trono refulgente, e o mar clamou
quando os jovens com doce voz entoaram
um peã de gratidão.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Baquílides - "Ninguém pode manchar o céu"
Ninguém pode manchar o céu profundo,
a água do mar não se corrompe,
o ouro não sofre nódoas;
mas não se pode recobrar
a juventude em flor
quando se atinge a branca idade.
O esplendor da virtude, todavia,
não segue em decadência o corpo,
já que a aprecia a Musa. Tu, Hierão,
ostentaste de público as mais belas flores,
e não será o silêncio que honrará
qualquer que haja alcançado êxito:
existirá portanto a história verdadeira
do que se fez bem feito,
e com essa história os homens honrarão a graça
do rouxinol de Ceos, de canto igual ao mel.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
a água do mar não se corrompe,
o ouro não sofre nódoas;
mas não se pode recobrar
a juventude em flor
quando se atinge a branca idade.
O esplendor da virtude, todavia,
não segue em decadência o corpo,
já que a aprecia a Musa. Tu, Hierão,
ostentaste de público as mais belas flores,
e não será o silêncio que honrará
qualquer que haja alcançado êxito:
existirá portanto a história verdadeira
do que se fez bem feito,
e com essa história os homens honrarão a graça
do rouxinol de Ceos, de canto igual ao mel.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Baquílides - "Agora como sempre"
Agora, como sempre,
com outro é que se obtém perícia:
pois não é fácil alcançar
a porta das palavras nunca ditas.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
com outro é que se obtém perícia:
pois não é fácil alcançar
a porta das palavras nunca ditas.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
segunda-feira, outubro 06, 2008
Píndaro - III Pítica (excerto)
Melhor é desejar do céu
coisas que assentem a um espiríto mortal,
sabendo o que se encontra a nossos pés,
e qual a sorte para que nascemos.
Ó minh'alma, não aspires
a uma existência de imortal,
mas goza plenamente
tudo o que esteja ao teu alcance.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
coisas que assentem a um espiríto mortal,
sabendo o que se encontra a nossos pés,
e qual a sorte para que nascemos.
Ó minh'alma, não aspires
a uma existência de imortal,
mas goza plenamente
tudo o que esteja ao teu alcance.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
sábado, outubro 04, 2008
Propércio 2. 27
At vos incertam, mortales, funeris horam
quaeritis, et qua sit mors aditura via;
quaeritis et caelo Phoenicum inventa sereno,
quae sit stella homini commoda quaeque mala!
seu pedibus Parthos sequimur seu classe Britannos,
et maris et terrae caeca pericla viae;
rursus et obiectum flemus caput esse tumultu
cum Mavors dubias miscet utrimque manus;
praeterea domibus flammam domibusque ruinas,
neu subeant labris pocula nigra tuis.
solus amans novit, quando periturus et a qua
morte, neque hic Boreae flabra neque arma timet.
iam licet et Stygia sedeat sub harundine remex,
cernat et infernae tristia vela ratis:
si modo clamantis revocaverit aura puellae,
concessum nulla lege redibit iter.
Da morte vós quereis saber a hora incerta,
e a senda pela qual ela virá;
buscais num céu tranqüilo, a exemplo dos fenícios,
estrelas favoráveis ou funestas;
persigamos bretões, ou persigamos partas,
cegos perigos rondam mar ou terra;
choramos o arriscar a vida nos combates,
pois Marte mescla tropas dubiamente,
e choramos a casa que arde ou se esboroa,
ou se um veneno toca os nossos lábios.
Mas sabe o amante como e quando morrerá,
nem teme o vento norte nem as armas;
e ainda que já reme entre os juncais da Estige,
vendo a barca infernal de tristes velas,
pela senda proibida ele retornará,
se na brisa o chamar a voz da amada.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos.
quaeritis, et qua sit mors aditura via;
quaeritis et caelo Phoenicum inventa sereno,
quae sit stella homini commoda quaeque mala!
seu pedibus Parthos sequimur seu classe Britannos,
et maris et terrae caeca pericla viae;
rursus et obiectum flemus caput esse tumultu
cum Mavors dubias miscet utrimque manus;
praeterea domibus flammam domibusque ruinas,
neu subeant labris pocula nigra tuis.
solus amans novit, quando periturus et a qua
morte, neque hic Boreae flabra neque arma timet.
iam licet et Stygia sedeat sub harundine remex,
cernat et infernae tristia vela ratis:
si modo clamantis revocaverit aura puellae,
concessum nulla lege redibit iter.
Da morte vós quereis saber a hora incerta,
e a senda pela qual ela virá;
buscais num céu tranqüilo, a exemplo dos fenícios,
estrelas favoráveis ou funestas;
persigamos bretões, ou persigamos partas,
cegos perigos rondam mar ou terra;
choramos o arriscar a vida nos combates,
pois Marte mescla tropas dubiamente,
e choramos a casa que arde ou se esboroa,
ou se um veneno toca os nossos lábios.
Mas sabe o amante como e quando morrerá,
nem teme o vento norte nem as armas;
e ainda que já reme entre os juncais da Estige,
vendo a barca infernal de tristes velas,
pela senda proibida ele retornará,
se na brisa o chamar a voz da amada.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos.
sexta-feira, outubro 03, 2008
Simônides de Céos: fragmentos.
1."Orfeu"
Com a doce música,
sobre sua cabeça
faziam ninho
os pássaros inumeráveis,
e da água azul saltavam peixes.
2. "Do epinício para Anaxilas de Régio"
Saúdo-vos, ó filhas dos corcéis
dos pés de tempestade.
3."Epitáfio"
Aqui poeira cobre Arquédice,
filha de Hípias,
o grego mais ilustre de seu tempo;
filha, mulher, irmã e mãe de déspotas,
jamais contudo ela abrigou no espírito
a presunção.
4."Sobre a batalha de Maratona"
Filha de Zeus,
se justo é honrar
aquele que é o melhor de todos,
quem praticou esta façanha
foi o povo de Atenas.
5."Os que salvaram Tégea"
Por causa da coragem destes homens
a fumaça do incêndio da ampla Tégea
não se elevou aos céus:
optaram eles por legar aos filhos
a terra a verdejar de liberdade,
e quanto a si, foram morrer
na frente de batalha.
6."Inscrição no altar de Platéia"
Este altar foi erguido pelos gregos
para que seja o altar do Zeus da liberdade
comum à livre Grécia,
depois de terem expulsado os persas,
em guerra vitoriosa.
Traduções de Péricles Eugênio da Silva Ramos
Com a doce música,
sobre sua cabeça
faziam ninho
os pássaros inumeráveis,
e da água azul saltavam peixes.
2. "Do epinício para Anaxilas de Régio"
Saúdo-vos, ó filhas dos corcéis
dos pés de tempestade.
3."Epitáfio"
Aqui poeira cobre Arquédice,
filha de Hípias,
o grego mais ilustre de seu tempo;
filha, mulher, irmã e mãe de déspotas,
jamais contudo ela abrigou no espírito
a presunção.
4."Sobre a batalha de Maratona"
Filha de Zeus,
se justo é honrar
aquele que é o melhor de todos,
quem praticou esta façanha
foi o povo de Atenas.
5."Os que salvaram Tégea"
Por causa da coragem destes homens
a fumaça do incêndio da ampla Tégea
não se elevou aos céus:
optaram eles por legar aos filhos
a terra a verdejar de liberdade,
e quanto a si, foram morrer
na frente de batalha.
6."Inscrição no altar de Platéia"
Este altar foi erguido pelos gregos
para que seja o altar do Zeus da liberdade
comum à livre Grécia,
depois de terem expulsado os persas,
em guerra vitoriosa.
Traduções de Péricles Eugênio da Silva Ramos
Baquílides. "A Paz".
Grandes coisas a paz concede aos homens:
riqueza e cantos como flores,
de expressões de mel.
A paz, sobre os altares trabalhados,
queima no louro fogo em honra aos deuses
coxas de bois e de carneiros
de longos pêlos,
e leva os jovens ao ginásio,
às flautas e aos banquetes.
No férreo punho dos escudos
a aranha cor de fogo estende a teia,
e a lança aguda e a espada de dois fios
submete-as a ferrugem.
As trombetas de bronze já não soam;
já não foge de pálpebras o sono
- tão doce como o mel -
que de manhã conforta o coração.
Pela cidade espalham-se os festins amáveis:
e brilham como chamas
as canções de amor.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
riqueza e cantos como flores,
de expressões de mel.
A paz, sobre os altares trabalhados,
queima no louro fogo em honra aos deuses
coxas de bois e de carneiros
de longos pêlos,
e leva os jovens ao ginásio,
às flautas e aos banquetes.
No férreo punho dos escudos
a aranha cor de fogo estende a teia,
e a lança aguda e a espada de dois fios
submete-as a ferrugem.
As trombetas de bronze já não soam;
já não foge de pálpebras o sono
- tão doce como o mel -
que de manhã conforta o coração.
Pela cidade espalham-se os festins amáveis:
e brilham como chamas
as canções de amor.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
quarta-feira, setembro 17, 2008
Téognis, 237-250: Arte e imortalização
Eu te dei asas com as quais sobre o imenso mar
voarás, e pela terra inteira, transportado
com rapidez; em todos os banquetes e festins estarás
presente, pousado entre os lábios de muitos.
Com liras harmônicas, rapazes
amáveis, com graça, em belas melodias
te cantarão. E quando, sob as profundezas da terra sombria,
desceres à morada lastimosa de Hades,
nunca, nem morto, perderás a fama, mas serás conhecido
entre os homens, sempre com nome imortal,
ó Cirno: percorrerás a terra grega e as ilhas,
atravessarás o mar piscoso e imenso,
não montado no dorso de cavalos, mas te conduzirá
o ilustre dom das Musas coroadas de violetas.
Tradução de Daisi Malhadas e Maria Helena da Moura Neves.
voarás, e pela terra inteira, transportado
com rapidez; em todos os banquetes e festins estarás
presente, pousado entre os lábios de muitos.
Com liras harmônicas, rapazes
amáveis, com graça, em belas melodias
te cantarão. E quando, sob as profundezas da terra sombria,
desceres à morada lastimosa de Hades,
nunca, nem morto, perderás a fama, mas serás conhecido
entre os homens, sempre com nome imortal,
ó Cirno: percorrerás a terra grega e as ilhas,
atravessarás o mar piscoso e imenso,
não montado no dorso de cavalos, mas te conduzirá
o ilustre dom das Musas coroadas de violetas.
Tradução de Daisi Malhadas e Maria Helena da Moura Neves.
quarta-feira, setembro 10, 2008
Calímaco - Epigrama 23
Disse: Sol, adeus! Assim Cleómbroto Ambraciota
jogou-se de alta muralha para o Hades.
Valor nenhum via na morte má. É que, de Platão,
um só livro (aquele sobre a alma) ele leu.
Tradução: Jacyntho Lins Brandão
jogou-se de alta muralha para o Hades.
Valor nenhum via na morte má. É que, de Platão,
um só livro (aquele sobre a alma) ele leu.
Tradução: Jacyntho Lins Brandão
terça-feira, setembro 09, 2008
Nuvens, 1360-1377
ESTREPSÍADES:
Ah,eram essas mesmas palavras que ele
dizia lá dentro, afirmando que Simônides é mau
poeta. Eu, embora a custo, apesar de tudo,a princípio
contive-me. Depois mandei-o apanhar ao menos
um galho de mirto e recitar-me alguma
coisa de Ésquilo. E ele logo disse: "Pois
considero Ésquilo o maior poeta barulhento,
incoerente, empolado, criador de palavras
escarpadas..." Pensem então como meu coração
palpitou de raiva! Todavia, depois de engolir
a cólera, eu disse: "Bem, cante alguma coisa
desses modernos, algumas dessas belezas..." E ele
logo cantou uma passagem de Eurípides - livre-nos
Deus - sobre um irmão que violentou a própria
irmã...Não me contive mais, e logo acometi
com muitas palavras más e injuriosas. Daí
então, como era natural, opúnhamos palavra a
palavra. Depois, ele dá um salto, fere-me,
espanca-me, estrangula-me e acaba comigo!
Tradução: Gilda Maria Reale Starzynski. (ARISTÓFANES. As Nuvens. São Paulo: Difel. 1967.)
Ah,eram essas mesmas palavras que ele
dizia lá dentro, afirmando que Simônides é mau
poeta. Eu, embora a custo, apesar de tudo,a princípio
contive-me. Depois mandei-o apanhar ao menos
um galho de mirto e recitar-me alguma
coisa de Ésquilo. E ele logo disse: "Pois
considero Ésquilo o maior poeta barulhento,
incoerente, empolado, criador de palavras
escarpadas..." Pensem então como meu coração
palpitou de raiva! Todavia, depois de engolir
a cólera, eu disse: "Bem, cante alguma coisa
desses modernos, algumas dessas belezas..." E ele
logo cantou uma passagem de Eurípides - livre-nos
Deus - sobre um irmão que violentou a própria
irmã...Não me contive mais, e logo acometi
com muitas palavras más e injuriosas. Daí
então, como era natural, opúnhamos palavra a
palavra. Depois, ele dá um salto, fere-me,
espanca-me, estrangula-me e acaba comigo!
Tradução: Gilda Maria Reale Starzynski. (ARISTÓFANES. As Nuvens. São Paulo: Difel. 1967.)
domingo, setembro 07, 2008
Jabberwocky
Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.
“Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersnatch!”
He took his vorpal sword in hand:
Long time the manxome foe he sought—
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.
And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!
One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.
“And hast thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!”
He chortled in his joy.
‘Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.
Tradução de Augusto de Campos:
Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
“Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Felfel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassurra!”
Êle arrancou sua espada vorpal
E foi atrás do inimigo do Homundo.
Na árvora Tamtam êle afinal
Parou, um dia, sonilundo.
E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, ôlho de fogo,
Sorrelfiflando através da floresta,
E borbulia um riso louco!
Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!
Cabeça fere, corta, e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.
“Pois então tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!”
Êle se ria jubileu.
Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.
“Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersnatch!”
He took his vorpal sword in hand:
Long time the manxome foe he sought—
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.
And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!
One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.
“And hast thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!”
He chortled in his joy.
‘Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.
Tradução de Augusto de Campos:
Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
“Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Felfel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassurra!”
Êle arrancou sua espada vorpal
E foi atrás do inimigo do Homundo.
Na árvora Tamtam êle afinal
Parou, um dia, sonilundo.
E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, ôlho de fogo,
Sorrelfiflando através da floresta,
E borbulia um riso louco!
Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!
Cabeça fere, corta, e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.
“Pois então tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!”
Êle se ria jubileu.
Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
sábado, setembro 06, 2008
Virgílio - 4º Bucólica
Ó Musas da Sicília, cantemos coisas mais elevadas.
Os arbustos e humildes tamarindos não agradam a todos.
Se cantamos florestas, que sejam as florestas dignas do cônsul.
Já chegou a última época da profecia de Cumas:
surge novamente a grande ordem da totalidade dos séculos.
A Virgem já está de volta, voltam os reinos de Saturno,
uma nova geração é enviada do alto do céu.
Tu, casta Lucina, favorece o menino que nasceu há pouco;
por causa dele, a época de ferro desaparecerá
e a geração de ouro surgirá no mundo. Apolo é quem reina agora.
Sendo tu, ó Polião, sendo tu o cônsul, a glória desta idade avançará,
e os grandes meses começarão a correr, sendo tu o chefe.
Se permanecem alguns vestígios de nossos crimes,
serão apagados e libertarão a terra de um pavor eterno.
Ele receberá a vida dos deuses e verá os heróis
misturados às divindades; ele próprio será visto entre elas
e regerá com as virtudes paternas o universo pacificado.
E para ti, criança, a terra produzirá, sem cultura alguma,
pequenos presentes: heras que vicejam aqui e ali como nardos,
colocásias misturadas ao alegre acanto.
As próprias cabrinhas trarão de volta ao lar os úberes retesados
de leite, e os rebanhos não temerão os grandes leões.
Os próprios berços produzirão para ti mimosas flores.
A serpente morrerá, e morrerá a erva enganadora do veneno;
O amomo assírio nascerá em toda parte.
E assim que puderes ler os louvores dos heróis
e os feitos de teus ancestrais, e saber o que é o valor,
aos poucos, o campo amarelará com espigas maduras,
as uvas vermelhas penderão dos espinhais incultos
e os rudes carvalhos destilarão úmidos méis.
Sobrarão, entretanto, alguns vestígios da maldade antiga,
capazes de ordenar que se afronte Tétis, com navios,
que se circundem as cidades com muros, que se abram sulcos na terra.
Haverá então outros Tífis e outra Argo que transportará
heróis escolhidos; e haverá também outras guerras
e mais uma vez um grande Aquiles será enviado a Tróia.
E então, quando a juventude já te tiver tornado um homem,
não só o comandante deixará o mar como também o pinho náutico
não mercadejará; a terra toda produzirá de tudo.
O solo não precisará suportar arados, nem as vinhas, foices;
e o labrador robusto desprenderá os jugos do touro;
a lã não aprenderá a imitar cores diversas:
o próprio carneiro, no prado, transformará seu velo
em púrpura vermelha ou em dourado açafrão;
o escarlate, espontaneamente, vestirá os cordeiros que pastam.
"Correi, séculos tais", disseram a seus fusos
as Parcas concordes com imutável desejo dos fados.
Ergue-te para as grandes honrarias - pois o tempo chegará -,
rebento querido dos Deuses, prole grandiosa de Júpiter.
Observa o universo oscilante em sua massa convexa,
as terras, as extensões do mar e o céu profundo.
Observa como tudo se alegra com o século que está por vir.
Que para mim se estenda a última parte de uma longa vida
e que o alento me seja suficiente para cantar teus feitos.
O trácio Orfeu não me venceria com suas canções
e Lino também não, embora a mãe assista àquele e o pai a este:
Calíope, a Orfeu; o formoso Apolo, a Lino.
Até mesmo Pã, se disputasse comigo, sendo a Arcádia o juiz,
até mesmo Pã, sendo a Arcádia o juiz, se declararia vencido.
Começa, pequena criança, a reconhecer tua mãe pelo sorriso
(os dez meses trouxeram longos incômodos a tua mãe);
começa, pequena criança: aquele a quem os pais não sorriram,
os Deuses não o consideram digno de sua mesa nem as Deusas de seu leito.
Tradução: Zélia de Almeida Cardoso ( NOVAK, M.L.& NERI, M.L.(org.) Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins Fontes. 2003)
Os arbustos e humildes tamarindos não agradam a todos.
Se cantamos florestas, que sejam as florestas dignas do cônsul.
Já chegou a última época da profecia de Cumas:
surge novamente a grande ordem da totalidade dos séculos.
A Virgem já está de volta, voltam os reinos de Saturno,
uma nova geração é enviada do alto do céu.
Tu, casta Lucina, favorece o menino que nasceu há pouco;
por causa dele, a época de ferro desaparecerá
e a geração de ouro surgirá no mundo. Apolo é quem reina agora.
Sendo tu, ó Polião, sendo tu o cônsul, a glória desta idade avançará,
e os grandes meses começarão a correr, sendo tu o chefe.
Se permanecem alguns vestígios de nossos crimes,
serão apagados e libertarão a terra de um pavor eterno.
Ele receberá a vida dos deuses e verá os heróis
misturados às divindades; ele próprio será visto entre elas
e regerá com as virtudes paternas o universo pacificado.
E para ti, criança, a terra produzirá, sem cultura alguma,
pequenos presentes: heras que vicejam aqui e ali como nardos,
colocásias misturadas ao alegre acanto.
As próprias cabrinhas trarão de volta ao lar os úberes retesados
de leite, e os rebanhos não temerão os grandes leões.
Os próprios berços produzirão para ti mimosas flores.
A serpente morrerá, e morrerá a erva enganadora do veneno;
O amomo assírio nascerá em toda parte.
E assim que puderes ler os louvores dos heróis
e os feitos de teus ancestrais, e saber o que é o valor,
aos poucos, o campo amarelará com espigas maduras,
as uvas vermelhas penderão dos espinhais incultos
e os rudes carvalhos destilarão úmidos méis.
Sobrarão, entretanto, alguns vestígios da maldade antiga,
capazes de ordenar que se afronte Tétis, com navios,
que se circundem as cidades com muros, que se abram sulcos na terra.
Haverá então outros Tífis e outra Argo que transportará
heróis escolhidos; e haverá também outras guerras
e mais uma vez um grande Aquiles será enviado a Tróia.
E então, quando a juventude já te tiver tornado um homem,
não só o comandante deixará o mar como também o pinho náutico
não mercadejará; a terra toda produzirá de tudo.
O solo não precisará suportar arados, nem as vinhas, foices;
e o labrador robusto desprenderá os jugos do touro;
a lã não aprenderá a imitar cores diversas:
o próprio carneiro, no prado, transformará seu velo
em púrpura vermelha ou em dourado açafrão;
o escarlate, espontaneamente, vestirá os cordeiros que pastam.
"Correi, séculos tais", disseram a seus fusos
as Parcas concordes com imutável desejo dos fados.
Ergue-te para as grandes honrarias - pois o tempo chegará -,
rebento querido dos Deuses, prole grandiosa de Júpiter.
Observa o universo oscilante em sua massa convexa,
as terras, as extensões do mar e o céu profundo.
Observa como tudo se alegra com o século que está por vir.
Que para mim se estenda a última parte de uma longa vida
e que o alento me seja suficiente para cantar teus feitos.
O trácio Orfeu não me venceria com suas canções
e Lino também não, embora a mãe assista àquele e o pai a este:
Calíope, a Orfeu; o formoso Apolo, a Lino.
Até mesmo Pã, se disputasse comigo, sendo a Arcádia o juiz,
até mesmo Pã, sendo a Arcádia o juiz, se declararia vencido.
Começa, pequena criança, a reconhecer tua mãe pelo sorriso
(os dez meses trouxeram longos incômodos a tua mãe);
começa, pequena criança: aquele a quem os pais não sorriram,
os Deuses não o consideram digno de sua mesa nem as Deusas de seu leito.
Tradução: Zélia de Almeida Cardoso ( NOVAK, M.L.& NERI, M.L.(org.) Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins Fontes. 2003)
sexta-feira, agosto 29, 2008
Hino Homérico a Dioniso
De Dionísio, o glorioso rebento da augusta Semele,
Lembrarei, como à ourela do mar infecundo surgiu,
Sobre um cabo saliente, na forma de um jovem varão
Inda imberbe, os seus belos e negros cabelos flutuando,
e portando nos ombros robustos um pálio de cor
Purpurina. Eis que logo num bem cobertado navio
Salteadores tirrenos surgiram do mar cor de vinho
Por madrasta fortuna impelido, e, ao verem-no, pronto
Entre si consentiram, e logo a prendê-lo avançaram,
E em seguida ao navio levaram-no, as mentes alegres
Confiavam-no filho de reis procedentes de Zeus,
E em cadeias possantes atá-lo quiseram por força.
Todavia as cadeias o não seguravam, e os elos
De seus pés e mãos se soltavam, enquanto, sentado
Com seus olhos noturnos se ria. O piloto, entendendo,
Conclamou logo os seus companheiros e disse o seguinte:
"Infelizes, que deus poderoso domar e prender
Pretendeis? Mesmo o nosso navio o não pode levar,
Pois sem dúvida é Zeus, ou Apolo das flechas de prata
Ou talvez Posêidon, já que aos homens mortais não parece,
Mas aos deuses que habitam na ampla morada do Olimpo.
Apressai-vos! Deixemo-lo em terra, na praia sombria,
Desde já nem co'as mãos o toquei, p'ra que não, irritado,
Fortes ventos excite e abundantes terríveis borrascas".
Assim disse, e o cruel capitão retrucou-lhe o seguinte>
"Infeliz, olha o vento e o velame da nave desferra,
Tendo as armas colhido, que deste os demais cuidarão
Pois espero que chegue ao Egito, ou que a Chipre ele chegue,
Ou país hiperbóreo, ou além; e que ao fim da jornada
Seus amigos nos diga e nos conte seus todos haveres,
Seus irmãos, pois é certo que um deus aqui no-lo entregou"
Disse, e o mastro fincou e o velame largou do navio,
E no bojo da vela sopraram os ventos. Em torno,
Dispuseram as armas. Mas logo surgiram prodígios...
Vinho doce e odorante, primeiro, jorrava da nave
E fluía fragrante e sonoro exalando um perfume
Imortal! Grande horror assaltou os marujos ao verem.
De repente, no topo do mastro alastrou-se uma vinha
Carregada de cachos, crescendo por todos os lados,
E do mastro ao redor enroscou-se uma hera noturna,
Toda em flores virente onde frutos ridentes pendiam;
As cavilhas cingiam coroas. Tal vendo, os marujos
Ao piloto premiam que a nau para a terra ligeiro
Dirigisse. Mas, dentro, em leão se tornou Dionísio
Que terrível por sobre o convés grandes urros lançava.
Já uma ursa felpuda no meio criou, prodigioso,
Que se alçou furibunda. O leão, no mais alto da ponte,
Fulminantes olhares lançava. Pra popa fugiram
E ao redor do piloto, que espírito calmo mantinha,
Se agruparam turbados. Mas súbito o leão atacou
O cabeça. Os demais, vendo aquilo, ao mal fado escapando,
Todos juntos se às águas do mar atiraram divino
E viraram golfinhos. Doeu-se porém do piloto,
E o reteve. fazendo-o feliz, o seguinte lhe disse:
"Nada temas, Hecátor, que ao meu coração és querido.
Sou Dionísio multíssono, aquele que foi concebido
Por Sêmele cadméia depois de por Zeus ser amada".
Salve filho de olhos formosos, Sêmele. É impossível,
Esquecendo de ti, se compor um cantar harmonioso.
Tradução de Jair Gramacho.[GRAMACHO, J. (trad.)Hinos Homéricos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília. 2003]
Lembrarei, como à ourela do mar infecundo surgiu,
Sobre um cabo saliente, na forma de um jovem varão
Inda imberbe, os seus belos e negros cabelos flutuando,
e portando nos ombros robustos um pálio de cor
Purpurina. Eis que logo num bem cobertado navio
Salteadores tirrenos surgiram do mar cor de vinho
Por madrasta fortuna impelido, e, ao verem-no, pronto
Entre si consentiram, e logo a prendê-lo avançaram,
E em seguida ao navio levaram-no, as mentes alegres
Confiavam-no filho de reis procedentes de Zeus,
E em cadeias possantes atá-lo quiseram por força.
Todavia as cadeias o não seguravam, e os elos
De seus pés e mãos se soltavam, enquanto, sentado
Com seus olhos noturnos se ria. O piloto, entendendo,
Conclamou logo os seus companheiros e disse o seguinte:
"Infelizes, que deus poderoso domar e prender
Pretendeis? Mesmo o nosso navio o não pode levar,
Pois sem dúvida é Zeus, ou Apolo das flechas de prata
Ou talvez Posêidon, já que aos homens mortais não parece,
Mas aos deuses que habitam na ampla morada do Olimpo.
Apressai-vos! Deixemo-lo em terra, na praia sombria,
Desde já nem co'as mãos o toquei, p'ra que não, irritado,
Fortes ventos excite e abundantes terríveis borrascas".
Assim disse, e o cruel capitão retrucou-lhe o seguinte>
"Infeliz, olha o vento e o velame da nave desferra,
Tendo as armas colhido, que deste os demais cuidarão
Pois espero que chegue ao Egito, ou que a Chipre ele chegue,
Ou país hiperbóreo, ou além; e que ao fim da jornada
Seus amigos nos diga e nos conte seus todos haveres,
Seus irmãos, pois é certo que um deus aqui no-lo entregou"
Disse, e o mastro fincou e o velame largou do navio,
E no bojo da vela sopraram os ventos. Em torno,
Dispuseram as armas. Mas logo surgiram prodígios...
Vinho doce e odorante, primeiro, jorrava da nave
E fluía fragrante e sonoro exalando um perfume
Imortal! Grande horror assaltou os marujos ao verem.
De repente, no topo do mastro alastrou-se uma vinha
Carregada de cachos, crescendo por todos os lados,
E do mastro ao redor enroscou-se uma hera noturna,
Toda em flores virente onde frutos ridentes pendiam;
As cavilhas cingiam coroas. Tal vendo, os marujos
Ao piloto premiam que a nau para a terra ligeiro
Dirigisse. Mas, dentro, em leão se tornou Dionísio
Que terrível por sobre o convés grandes urros lançava.
Já uma ursa felpuda no meio criou, prodigioso,
Que se alçou furibunda. O leão, no mais alto da ponte,
Fulminantes olhares lançava. Pra popa fugiram
E ao redor do piloto, que espírito calmo mantinha,
Se agruparam turbados. Mas súbito o leão atacou
O cabeça. Os demais, vendo aquilo, ao mal fado escapando,
Todos juntos se às águas do mar atiraram divino
E viraram golfinhos. Doeu-se porém do piloto,
E o reteve. fazendo-o feliz, o seguinte lhe disse:
"Nada temas, Hecátor, que ao meu coração és querido.
Sou Dionísio multíssono, aquele que foi concebido
Por Sêmele cadméia depois de por Zeus ser amada".
Salve filho de olhos formosos, Sêmele. É impossível,
Esquecendo de ti, se compor um cantar harmonioso.
Tradução de Jair Gramacho.[GRAMACHO, J. (trad.)Hinos Homéricos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília. 2003]
segunda-feira, agosto 25, 2008
Sólon - Eunomia
Nossa cidade, por disposição de Zeus, não perecerá jamais,
nem por vontade dos abençoados deuses imortais;
magnânima, vigilante filha de um pai poderoso,
Palas Atena tem mão sobre ela.
Eles próprios, com suas loucuras, querem destruir a grande cidade -
os cidadãos, persudidos por riquezas,
e também a mente injusta dos chefes do povo; para eles,
por sua grande desmedidaa, estão preparados muitos sofrimentos,
pois não sabem conter a insolência
nem moderar na paz do banquete as alegrias do momento.
.....................................................
Mas enriquecem persuadidos por ações injustas
.....................................................
Não poupando os bens sagrados nem os públicos
eles roubam por rapinagem, um aqui outro acolá...
E não preservam os veneráveis alicerces da Justiça que,
em silêncio, conhece o presente e o passado
e com o tempo sempre vem para punir.
Essa ferida inevitável já alcança a cidade inteira
que depressa chegou à dolorosa servidão:
esta desperta a revolta civil e a guerra adormecida,
que de muitos destrói a amável juventude;
por obra de inimigos, depressa a amorável cidade
se consome em reuniões de que os injustos são amigos.
São esses os males que grassam entre o povo; dos pobres,
muitos chegam à terra estranha, vendidos
e agrilhoados com inadequados grilhões.
.......................................................
Assim, o Mal Público chega para cada um em sua casa
e já os portões do pátio não podem detê-lo,
mas de um salto ultrapassa o muro elevado e sempre encontra,
mesmo aquele que, fugindo, estiver no recôndito do quarto.
Eis o que meu coração ordena ensinar aos Atenienses:
a Disnomia tras males inúmeros à cidade
mas Eunomia faz aparecer tudo em boa ordem
e bem ajustado e muitas vezes coloca peias nos homens injustos.
Aplaina o abrupto, põe fim à insolência, abranda a violência,
murcha as flores da desgraça em seu desabrochar...
Endireita as sentenças torcidas, enfraquece as obras do orgulho,
põe fim às obras da sedição,
põe fim à ira da penosa discórdia; com ela
tudo entre os homens é justeza e prudência.
Tradução: Gilda N.M.Barros
nem por vontade dos abençoados deuses imortais;
magnânima, vigilante filha de um pai poderoso,
Palas Atena tem mão sobre ela.
Eles próprios, com suas loucuras, querem destruir a grande cidade -
os cidadãos, persudidos por riquezas,
e também a mente injusta dos chefes do povo; para eles,
por sua grande desmedidaa, estão preparados muitos sofrimentos,
pois não sabem conter a insolência
nem moderar na paz do banquete as alegrias do momento.
.....................................................
Mas enriquecem persuadidos por ações injustas
.....................................................
Não poupando os bens sagrados nem os públicos
eles roubam por rapinagem, um aqui outro acolá...
E não preservam os veneráveis alicerces da Justiça que,
em silêncio, conhece o presente e o passado
e com o tempo sempre vem para punir.
Essa ferida inevitável já alcança a cidade inteira
que depressa chegou à dolorosa servidão:
esta desperta a revolta civil e a guerra adormecida,
que de muitos destrói a amável juventude;
por obra de inimigos, depressa a amorável cidade
se consome em reuniões de que os injustos são amigos.
São esses os males que grassam entre o povo; dos pobres,
muitos chegam à terra estranha, vendidos
e agrilhoados com inadequados grilhões.
.......................................................
Assim, o Mal Público chega para cada um em sua casa
e já os portões do pátio não podem detê-lo,
mas de um salto ultrapassa o muro elevado e sempre encontra,
mesmo aquele que, fugindo, estiver no recôndito do quarto.
Eis o que meu coração ordena ensinar aos Atenienses:
a Disnomia tras males inúmeros à cidade
mas Eunomia faz aparecer tudo em boa ordem
e bem ajustado e muitas vezes coloca peias nos homens injustos.
Aplaina o abrupto, põe fim à insolência, abranda a violência,
murcha as flores da desgraça em seu desabrochar...
Endireita as sentenças torcidas, enfraquece as obras do orgulho,
põe fim às obras da sedição,
põe fim à ira da penosa discórdia; com ela
tudo entre os homens é justeza e prudência.
Tradução: Gilda N.M.Barros
terça-feira, agosto 05, 2008
Catulo, 65
Embora ilhado em mágoas, uma dor sem fim
me afaste, ó Hórtalo, das virgens doutas
nem bons frutos das Musas possa pensamento
gerar (que já flutua em tantos males
pois uma onda, há pouco manando do abismo
do Oblívio, os alvos pés banhou de meu
irmão, em quem, roubado a meus olhos, na praia
Retéia areias pesam de Tróia, ah!
Nunca mais conversar nem ouvir-te contar-me
teus feitos, nunca mais te ver, irmão
mais amável que a vida, e sempre vou te amar,
meu canto tornar triste por tua morte,
qual canta sob as sombras dos ramos tão densas -
ave - a Daulíade a gemer a ausência
de Ítilo); em tanta dor porém te envio, ó Hórtalo,
estes versos vertidos de Calímaco
por teus ditos, dispersos aos ventos volúveis,
em vão não creres voaram de meu peito,
como a maçã - furtivo presente do amante -
que cai do casto colo da menina
esquecida, coitada, do fruto escondido
entre as dobras do manto: vem a mãe,
ela salta e no chão foge o fruto, em sua face
infeliz um rubor lhe sobe cúmplice.
Tradução: João Angelo Oliva Neto
me afaste, ó Hórtalo, das virgens doutas
nem bons frutos das Musas possa pensamento
gerar (que já flutua em tantos males
pois uma onda, há pouco manando do abismo
do Oblívio, os alvos pés banhou de meu
irmão, em quem, roubado a meus olhos, na praia
Retéia areias pesam de Tróia, ah!
Nunca mais conversar nem ouvir-te contar-me
teus feitos, nunca mais te ver, irmão
mais amável que a vida, e sempre vou te amar,
meu canto tornar triste por tua morte,
qual canta sob as sombras dos ramos tão densas -
ave - a Daulíade a gemer a ausência
de Ítilo); em tanta dor porém te envio, ó Hórtalo,
estes versos vertidos de Calímaco
por teus ditos, dispersos aos ventos volúveis,
em vão não creres voaram de meu peito,
como a maçã - furtivo presente do amante -
que cai do casto colo da menina
esquecida, coitada, do fruto escondido
entre as dobras do manto: vem a mãe,
ela salta e no chão foge o fruto, em sua face
infeliz um rubor lhe sobe cúmplice.
Tradução: João Angelo Oliva Neto
quinta-feira, julho 31, 2008
Odisséia XX,350-357
Teoclimeno a vozes profetiza:
"Misérrimos, que noite vos rodeia
de alto a baixo! Que lúgubre ululado!
Estou já vendo lagrimosas faces,
Em sangue estas paredes e estes postes,
Cheio o vestíbulo e a brilhante sala
De espectros, que ao profundo Erebo descem!
Morre o Sol, e se esparge e adensa a treva!"
Tradução de Odorico Mendes
"Misérrimos, que noite vos rodeia
de alto a baixo! Que lúgubre ululado!
Estou já vendo lagrimosas faces,
Em sangue estas paredes e estes postes,
Cheio o vestíbulo e a brilhante sala
De espectros, que ao profundo Erebo descem!
Morre o Sol, e se esparge e adensa a treva!"
Tradução de Odorico Mendes
Mimnermo e Sólon
MIMNERMO
Que sem doenças e árduos sofrimentos
aos sessenta anos me venha a hora fatal da morte.
SÓLON
Mas se ainda agora me ouvisses, destrói esse verso
e não tenhas inveja porque pensei melhor do que tu:
muda o teu poema, ó doce cantor, e canta assim:
"aos oitenta anos me venha a hora fatal da morte"
............................................
Que a morte não me chegue sem lágrimas, mas aos amigos
possa deixar, quando morrer, dores e gemidos.
...........................................
Envelheço mas aprendendo sempre muitas coisas.
Tradução de Sólon: Gilda N.M. de Barros
Que sem doenças e árduos sofrimentos
aos sessenta anos me venha a hora fatal da morte.
SÓLON
Mas se ainda agora me ouvisses, destrói esse verso
e não tenhas inveja porque pensei melhor do que tu:
muda o teu poema, ó doce cantor, e canta assim:
"aos oitenta anos me venha a hora fatal da morte"
............................................
Que a morte não me chegue sem lágrimas, mas aos amigos
possa deixar, quando morrer, dores e gemidos.
...........................................
Envelheço mas aprendendo sempre muitas coisas.
Tradução de Sólon: Gilda N.M. de Barros
Sólon - Salamina
Em pessoa, um arauto, vim da amável Salamina,
apresentando em lugar do discurso uma canção, o adorno de meus versos.
................................................
Fosse eu, então, cidadão de Folegrando ou de Sicina,
e não um ateniense, a pátria mudando;
................................................
logo este rumor correria entre os homens:
"Este é um homem da Ática, um dos desertores de Salamina".
...............................................
Vamos a Salamina, combater pela ilha encantadora,
afastando essa vergonha difícil de suportar.
Tradução: Gilda N.M. de Barros in: Sólon de Atenas, a cidadania antiga. SP: Humanitas, 1999.
apresentando em lugar do discurso uma canção, o adorno de meus versos.
................................................
Fosse eu, então, cidadão de Folegrando ou de Sicina,
e não um ateniense, a pátria mudando;
................................................
logo este rumor correria entre os homens:
"Este é um homem da Ática, um dos desertores de Salamina".
...............................................
Vamos a Salamina, combater pela ilha encantadora,
afastando essa vergonha difícil de suportar.
Tradução: Gilda N.M. de Barros in: Sólon de Atenas, a cidadania antiga. SP: Humanitas, 1999.
quarta-feira, julho 30, 2008
Sólon
Gloriosas filhas da Memória e de Zeus Olímpico,
Musas da Piéria, ouvi a minha súplica:
dai-me a prosperidade vinda dos deuses abençoados e, vinda de todos os
homens, tenha eu sempre boa fama;
seja doce com meus amigos, amargo com meus inimigos,
para uns venerável, para outros terrível de se ver;
Riquezas desejo ter; adquirí-las injustamente
eu não quero; em todo caso depois vem a justiça.
A riqueza que os deuses dão acompanha o homem,
sólida desde a base mais profunda até o cimo;
aquela que os homens buscam com violência não vem em boa ordem;
obedecendo a ações injustas
segue sem querer, e , rapidamente, se lhe junta a desgraça;
o começo é de pouco, como o do fogo,
fraco a princípio, penoso no fim.
De fato, para os mortais as obras da violência não duram muito tempo.
Mas Zeus vigia o fim de todas as coisas e de súbito -
como um vento que repentino dispersa as nuvens,
primaveril, e, após agitar os abismos do mar estéril de muitas vagas
e devastar as belas culturas sobre a terra fértil em trigo,
chega à inacessível morada dos deuses,
o firmamento, de novo deixa ver um céu sereno,
brilha o sol em sua força sobre a terra fecunda,
esplêndido e nuvem alguma já não se pode ver -
tal a vingança de Zeus: ele não se irrita por qualquer motivo
como um homem mortal;
mas não, jamais lhe escapa esse que tem o coração faltoso,
sempre no fim se revela:
um paga logo, outro mais tarde; uns fogem pessoalmente -
que a Moira divina não sobrevenha e os alcance -
ela vem sempre de novo; os sem culpa pagam os atos,
ou os filhos dele, ou a geração posterior.
Nós mortais assim entendemos - o nobre e o homem comum -
cada qual tem por algum tempo sua própria opinião,
antes de padecer; aí então se lamenta; até esse momento,
boquiaberto, nos alegramos com esperanças vazias.
O homem esmagado por dolorosas enfermidades,
em como ficar são, é disso que cogita;
outro, covarde, pensa que é homem valente e belo,
mesmo sem ter semblante gracioso;
se alguém não é rico e as obras da indigência o oprimem,
pensa que de qualquer forma vai adquirir muitas riquezas.
Um labuta aqui, outro acolá. Um, pelo mar cheio de peixes vagueia
em seus navios querendo levar um lucro para casa,
arrastado por ventos impetuosos
sem nenhuma poupança de vida;
outro - esses que se importam com os arados recurvos - cortando
a terra de muitas árvores, serve o ano inteiro;
outro, conhecedor dos trabalhos de Atena e de Hefesto de muitas artes,
recolhe com as mãos os meios de vida;
outro, nos dons das Musas instruído,
é hábil na ciência encantadora,
e um outro, o soberano Apolo que fere à distância dele fez um adivinho:
conhece o mal que de longe vem para o homem
e os deuses o assistem; mas o que está traçado, em todo o caso,
nem vôos de aves nem sacrifícios poderão evitar;
outros, médicos, têm a tarefa de Peã conhecedor de muitos remédios,
mas também eles não são donos do fim;
muitas vezes de pouca dor nasce um grande sofrimento
e ninguém poderia livrar o doente aplicando-lhe calmantes;
mas um outro, gravemente atormentado por moléstias dolorosas,
basta tocá-lo com a mão e está curado.
Moira é que aos mortais traz o bem e o mal,
dádivas inevitáveis que vêm dos deuses imortais.
Sobre todas as ações paira o perigo e ninguém sabe aonde vai ter,
quando a tarefa começa;
quem tenta agir bem, sem prever
cai em grande e penosa desgraça,
mas ao que age mal a divindade dá em tudo bom êxito,
a libertação da loucura.
Da riqueza não há nenhum limite seguro para os homens;
uns de nós que agora tem vida farta
duplamente labutam. Quem a todos poderia saciar?
Os lucros, os imortais é que os oferecem aos mortais,
mas deles brota a desgraça; e quando Zeus
a envia para punir, ora um ora outro recebe.
Tradução: Gilda N.M. de Barros in: Sólon de Atenas,a Cidadania Antiga. SP: Humanitas, 1999.:
Musas da Piéria, ouvi a minha súplica:
dai-me a prosperidade vinda dos deuses abençoados e, vinda de todos os
homens, tenha eu sempre boa fama;
seja doce com meus amigos, amargo com meus inimigos,
para uns venerável, para outros terrível de se ver;
Riquezas desejo ter; adquirí-las injustamente
eu não quero; em todo caso depois vem a justiça.
A riqueza que os deuses dão acompanha o homem,
sólida desde a base mais profunda até o cimo;
aquela que os homens buscam com violência não vem em boa ordem;
obedecendo a ações injustas
segue sem querer, e , rapidamente, se lhe junta a desgraça;
o começo é de pouco, como o do fogo,
fraco a princípio, penoso no fim.
De fato, para os mortais as obras da violência não duram muito tempo.
Mas Zeus vigia o fim de todas as coisas e de súbito -
como um vento que repentino dispersa as nuvens,
primaveril, e, após agitar os abismos do mar estéril de muitas vagas
e devastar as belas culturas sobre a terra fértil em trigo,
chega à inacessível morada dos deuses,
o firmamento, de novo deixa ver um céu sereno,
brilha o sol em sua força sobre a terra fecunda,
esplêndido e nuvem alguma já não se pode ver -
tal a vingança de Zeus: ele não se irrita por qualquer motivo
como um homem mortal;
mas não, jamais lhe escapa esse que tem o coração faltoso,
sempre no fim se revela:
um paga logo, outro mais tarde; uns fogem pessoalmente -
que a Moira divina não sobrevenha e os alcance -
ela vem sempre de novo; os sem culpa pagam os atos,
ou os filhos dele, ou a geração posterior.
Nós mortais assim entendemos - o nobre e o homem comum -
cada qual tem por algum tempo sua própria opinião,
antes de padecer; aí então se lamenta; até esse momento,
boquiaberto, nos alegramos com esperanças vazias.
O homem esmagado por dolorosas enfermidades,
em como ficar são, é disso que cogita;
outro, covarde, pensa que é homem valente e belo,
mesmo sem ter semblante gracioso;
se alguém não é rico e as obras da indigência o oprimem,
pensa que de qualquer forma vai adquirir muitas riquezas.
Um labuta aqui, outro acolá. Um, pelo mar cheio de peixes vagueia
em seus navios querendo levar um lucro para casa,
arrastado por ventos impetuosos
sem nenhuma poupança de vida;
outro - esses que se importam com os arados recurvos - cortando
a terra de muitas árvores, serve o ano inteiro;
outro, conhecedor dos trabalhos de Atena e de Hefesto de muitas artes,
recolhe com as mãos os meios de vida;
outro, nos dons das Musas instruído,
é hábil na ciência encantadora,
e um outro, o soberano Apolo que fere à distância dele fez um adivinho:
conhece o mal que de longe vem para o homem
e os deuses o assistem; mas o que está traçado, em todo o caso,
nem vôos de aves nem sacrifícios poderão evitar;
outros, médicos, têm a tarefa de Peã conhecedor de muitos remédios,
mas também eles não são donos do fim;
muitas vezes de pouca dor nasce um grande sofrimento
e ninguém poderia livrar o doente aplicando-lhe calmantes;
mas um outro, gravemente atormentado por moléstias dolorosas,
basta tocá-lo com a mão e está curado.
Moira é que aos mortais traz o bem e o mal,
dádivas inevitáveis que vêm dos deuses imortais.
Sobre todas as ações paira o perigo e ninguém sabe aonde vai ter,
quando a tarefa começa;
quem tenta agir bem, sem prever
cai em grande e penosa desgraça,
mas ao que age mal a divindade dá em tudo bom êxito,
a libertação da loucura.
Da riqueza não há nenhum limite seguro para os homens;
uns de nós que agora tem vida farta
duplamente labutam. Quem a todos poderia saciar?
Os lucros, os imortais é que os oferecem aos mortais,
mas deles brota a desgraça; e quando Zeus
a envia para punir, ora um ora outro recebe.
Tradução: Gilda N.M. de Barros in: Sólon de Atenas,a Cidadania Antiga. SP: Humanitas, 1999.:
sábado, julho 26, 2008
Elegia a Péricles (Arquíloco, Fragmento 13 West)
Κήδεα μὲν στονόεντα, Περίκλεες, οὔτε τις ἀστῶν
μεμφόμενος θαλίηις τέρψεται οὐδὲ πόλις·
τοίους γὰρ κατὰ κῦμα πολυφλοίσβοιο θαλάσσης
ἔκλυσεν· οἰδαλέους δ᾽ ἀμφ᾽ ὀδύνηισ᾽ ἔχομεν
πνεύμονας. ἀλλὰ θεοὶ γὰρ ἀνηκέστοισι κακοῖσιν,
ὦ φίλ᾽, ἐπὶ κρατερὴν τλημοσύνην ἔθεσαν
φάρμακον. ἄλλοτε τ᾽ ἄλλος ἔχει τάδε· νῦν μὲν ἐς ἡμέας
ἐτράπεθ᾽͵ αἱματόεν δ᾽ ἕλκος ἀναστένομεν͵
ἐξαῦτις δ᾽ ἑτέρους ἐπαμείψεται. ἀλλὰ τάχιστα
τλῆτε γυναικεῖον πένθος ἀπωσάμενοι.
Gementes lutos, Péricles, nenhum dos cidadãos
censurando irá se alegrar em festas, nem pólis.
Pois tais homens ondas do mar políssono
Engolfaram e temos os pulmões intumescidos
pelas dores; mas os deuses para invictos males,
ó caro, concederam forte resistência como fármaco
ora um, ora outro sofre este mal: agora voltou-se
para nós e choramos chaga sangrenta,
que se repassará a outros; mas o mais rápido
resiste, afastando a dor femínea.
(Tradução de Rafael Brunhara)
Comentários
A crítica considera que os fragmentos 8 w, 10 w e 12 w também fizessem parte do poema, assim como o fragmento 16 w, que atribuiria ao poema caráter gnômico.Tal consideração decorre de depoimento de Plutarco, que alude à morte do marido da irmã do poeta,morto em naufrágio. No entanto, não é preciso seguir esse viés interpretativo uma vez que o poema em si apresenta ar de completude: o verso 1 pode ser entendido como um início, enquanto os versos 9-10 parecem trazer uma conclusão, que remete ao centro do poema (“mas os deuses[...]concederam forte resistência, v.6-7).É necessário também salientar que à época de Plutarco tendia a crítica a identificar diretamente a obra do poeta à sua biografia, método hoje não mais corrente e que pode nos levar a problematizar este depoimento. Além disso, é curioso salientar que Arquíloco não se dirige à irmã, como seria conveniente, mas a Péricles (que também é endereçado em outros fragmentos, como o 16 w).
O fragmento ainda pode levar a debater questões da elegia arcaica e sua relação de contigüidade com o lamento, como posteriormente o gênero seria consagrado. Cabe salientar, entretanto, que a atitude proposta pelo poeta é justamente inversa: “Arquíloco” conclama seu interlocutor a resistir, sobrepondo ao seu lamento a resignação concedida pelos deuses.
μεμφόμενος θαλίηις τέρψεται οὐδὲ πόλις·
τοίους γὰρ κατὰ κῦμα πολυφλοίσβοιο θαλάσσης
ἔκλυσεν· οἰδαλέους δ᾽ ἀμφ᾽ ὀδύνηισ᾽ ἔχομεν
πνεύμονας. ἀλλὰ θεοὶ γὰρ ἀνηκέστοισι κακοῖσιν,
ὦ φίλ᾽, ἐπὶ κρατερὴν τλημοσύνην ἔθεσαν
φάρμακον. ἄλλοτε τ᾽ ἄλλος ἔχει τάδε· νῦν μὲν ἐς ἡμέας
ἐτράπεθ᾽͵ αἱματόεν δ᾽ ἕλκος ἀναστένομεν͵
ἐξαῦτις δ᾽ ἑτέρους ἐπαμείψεται. ἀλλὰ τάχιστα
τλῆτε γυναικεῖον πένθος ἀπωσάμενοι.
Gementes lutos, Péricles, nenhum dos cidadãos
censurando irá se alegrar em festas, nem pólis.
Pois tais homens ondas do mar políssono
Engolfaram e temos os pulmões intumescidos
pelas dores; mas os deuses para invictos males,
ó caro, concederam forte resistência como fármaco
ora um, ora outro sofre este mal: agora voltou-se
para nós e choramos chaga sangrenta,
que se repassará a outros; mas o mais rápido
resiste, afastando a dor femínea.
(Tradução de Rafael Brunhara)
Comentários
A crítica considera que os fragmentos 8 w, 10 w e 12 w também fizessem parte do poema, assim como o fragmento 16 w, que atribuiria ao poema caráter gnômico.Tal consideração decorre de depoimento de Plutarco, que alude à morte do marido da irmã do poeta,morto em naufrágio. No entanto, não é preciso seguir esse viés interpretativo uma vez que o poema em si apresenta ar de completude: o verso 1 pode ser entendido como um início, enquanto os versos 9-10 parecem trazer uma conclusão, que remete ao centro do poema (“mas os deuses[...]concederam forte resistência, v.6-7).É necessário também salientar que à época de Plutarco tendia a crítica a identificar diretamente a obra do poeta à sua biografia, método hoje não mais corrente e que pode nos levar a problematizar este depoimento. Além disso, é curioso salientar que Arquíloco não se dirige à irmã, como seria conveniente, mas a Péricles (que também é endereçado em outros fragmentos, como o 16 w).
O fragmento ainda pode levar a debater questões da elegia arcaica e sua relação de contigüidade com o lamento, como posteriormente o gênero seria consagrado. Cabe salientar, entretanto, que a atitude proposta pelo poeta é justamente inversa: “Arquíloco” conclama seu interlocutor a resistir, sobrepondo ao seu lamento a resignação concedida pelos deuses.
Horácio II.7
O saepe mecum tempus in ultimum
deducte Bruto militiae duce,
quis te redonauit Quiritem
dis patriis Italoque caelo,
Pompei, meorum prime sodalium,
cum quo morantem saepe diem mero
fregi, coronatus nitentis
malobathro Syrio capillos?
Tecum Philippos et celerem fugam
sensi relicta non bene parmula,
cum fracta uirtus et minaces
turpe solum tetigere mento;
sed me per hostis Mercurius celer
denso pauentem sustulit aere,
te rursus in bellum resorbens
unda fretis tulit aestuosis.
Ergo obligatam redde Ioui dapem
longaque fessum militia latus
depone sub lauru mea, nec
parce cadis tibi destinatis.
Obliuioso leuia Massico
ciboria exple, funde capacibus
unguenta de conchis. Quis udo
deproperare apio coronas
curatue myrto? Quem Venus arbitrum
dicet bibendi? Non ego sanius
bacchabor Edonis: recepto
dulce mihi furere est amico.
Ó tu, comigo muita vez exposto,
Sob mando de Bruto, ao lance extremo,
Quem te tornou Quirite aos pátrios deuses,
E aos céus da Itália, Varo,
De meus sócios primeiro? com que muitas
Vezes gastei bebendo o tardo dia,
Coroado os cabelos luzidios
Com os aromas sírios.
Contigo a filipense guerra, e a fuga
Veloz segui, deixando torpe o escudo,
Quando os minaces, rota a hoste, ó pejo!
Com o rosto o chão te tocaram.
A mim salvou-me de entre imigos pávido
Por densos ares o veloz Mercúrio,
A ti sorveu-te a onda em nova guerra
por estuosos mares.
A Jove presta pois o prometido
Banquete, e o corpo em longa guerra lasso
Sob o meu louro estende, nem perdões
Às talhas, que te esperam.
Do Mássico, por quem já tudo esquece,
As lisas taças enche: de amplas conchas
Cheiros entorna: quem traz presto crôas
De úmido aipo, ou mirto?
Quem fará Vênus árbitro do vinho?
Eu não menos bacante, que os edonios,
com furor beberei, com o amigo salvo,
Enlouquecer é doce.
Tradução: Elpino Duriense
deducte Bruto militiae duce,
quis te redonauit Quiritem
dis patriis Italoque caelo,
Pompei, meorum prime sodalium,
cum quo morantem saepe diem mero
fregi, coronatus nitentis
malobathro Syrio capillos?
Tecum Philippos et celerem fugam
sensi relicta non bene parmula,
cum fracta uirtus et minaces
turpe solum tetigere mento;
sed me per hostis Mercurius celer
denso pauentem sustulit aere,
te rursus in bellum resorbens
unda fretis tulit aestuosis.
Ergo obligatam redde Ioui dapem
longaque fessum militia latus
depone sub lauru mea, nec
parce cadis tibi destinatis.
Obliuioso leuia Massico
ciboria exple, funde capacibus
unguenta de conchis. Quis udo
deproperare apio coronas
curatue myrto? Quem Venus arbitrum
dicet bibendi? Non ego sanius
bacchabor Edonis: recepto
dulce mihi furere est amico.
Ó tu, comigo muita vez exposto,
Sob mando de Bruto, ao lance extremo,
Quem te tornou Quirite aos pátrios deuses,
E aos céus da Itália, Varo,
De meus sócios primeiro? com que muitas
Vezes gastei bebendo o tardo dia,
Coroado os cabelos luzidios
Com os aromas sírios.
Contigo a filipense guerra, e a fuga
Veloz segui, deixando torpe o escudo,
Quando os minaces, rota a hoste, ó pejo!
Com o rosto o chão te tocaram.
A mim salvou-me de entre imigos pávido
Por densos ares o veloz Mercúrio,
A ti sorveu-te a onda em nova guerra
por estuosos mares.
A Jove presta pois o prometido
Banquete, e o corpo em longa guerra lasso
Sob o meu louro estende, nem perdões
Às talhas, que te esperam.
Do Mássico, por quem já tudo esquece,
As lisas taças enche: de amplas conchas
Cheiros entorna: quem traz presto crôas
De úmido aipo, ou mirto?
Quem fará Vênus árbitro do vinho?
Eu não menos bacante, que os edonios,
com furor beberei, com o amigo salvo,
Enlouquecer é doce.
Tradução: Elpino Duriense
quinta-feira, julho 24, 2008
Propércio, I.2
Quid iuvat ornato procedere, vita, capillo
et tenuis Coa veste movere sinus,
aut quid Orontea crines perfundere murra,
teque peregrinis vendere muneribus,
naturaeque decus mercato perdere cultu,
nec sinere in propriis membra nitere bonis?
crede mihi, non ulla tuaest medicina figurae:
nudus Amor formam non amat artificem.
aspice quos summittat humus non fossa colores,
ut veniant hederae sponte sua melius,
surgat et in solis formosior arbutus antris,
et sciat indocilis currere lympha vias.
litora nativis praefulgent picta lapillis,
et volucres nulla dulcius arte canunt.
non sic Leucippis succendit Castora Phoebe,
Pollucem cultu non Helaira soror;
non, Idae et cupido quondam discordia Phoebo,
Eueni patriis filia litoribus;
nec Phrygium falso traxit candore maritum
avecta externis Hippodamia rotis:
sed facies aderat nullis obnoxia gemmis,
qualis Apelleis est color in tabulis.
non illis studium fuco conquirere amantes:
illis ampla satis forma pudicitia.
non ego nunc vereor ne sis tibi vilior istis:
uni si qua placet, culta puella sat est;
cum tibi praesertim Phoebus sua carmina donet
Aoniamque libens Calliopea lyram,
unica nec desit iucundis gratia verbis,
omnia quaeque Venus, quaeque Minerva probat.
his tu semper eris nostrae gratissima vitae,
taedia dum miserae sint tibi luxuriae.
Por que tens tanto prazer, vida minha, em andar com os cabelos enfeitados,
em fazer ondular as leves pregas do teu traje, de tecido de Cós?
Por que tens tanto prazer em inundar os cabelos com mirra de Orontes
e vender-te por presentes estrangeiros?
Por que tens tanto prazer em trocar tua beleza natural por um luxo comprado
e em não permitir que teus membros brilhem com seus próprios dotes?
Crê-me: nenhum cosmético é necessário ao teu semblante;
o Amor é nu e não ama os artifícios da beleza.
Observa as cores formosas que a terra produz
para que as heras, espontaneamente, cresçam mais belas;
para que, nas grutas abandonadas, o medronheiro surja mais formoso
e as águas indóceis saibam percorrer o seu caminho.
As praias atraem, matizadas com seixos nativos,
e os pássaros, sem aprender,cantam com doçura maior.
Não foi assim que Febe, a filha de Leucipo, inflamou o coração de Cástor;
não foi pela beleza cultivada que Hilaíra, sua irmã, inflamou o de Pólux;
não foi assim que a filha de Eveno, na praia de seu país,
foi motivo de discórdia para Idas e o cúpido Febo;
não foi com a falsa brancura de uma tez pintada que Hipodâmia,
raptada por um carro estrangeiro, conquistou um esposo frígio:
seu rosto não devia nada às pedras preciosas;
tal é seu aspecto nos quadros de Apeles.
Nenhuma delas teve a intenção de conquistar o amante de forma vulgar;
nelas, o grande pudor já era suficiente formosura.
Não tenho receio de ser para ti menos do que todos estes.
Se uma mulher agrada um único homem, ela já é enfeitada
principalmente quando Febo te oferece seus versos
e a jovial Calíope, sua lira aônia.
Não te falta a graça de palavras belas
e tudo que Vênus e Minerva aprovam.
Serás sempre o encanto de minha existência
desde que sintas repulsas por todo esse luxo infeliz.
Tradução: Zélia de Almeida Cardoso. In: NOVAK, M.da G. & NERI,M.L.(org.) Poesia Lírica Latina. SP: Martins Fontes. 2003.
et tenuis Coa veste movere sinus,
aut quid Orontea crines perfundere murra,
teque peregrinis vendere muneribus,
naturaeque decus mercato perdere cultu,
nec sinere in propriis membra nitere bonis?
crede mihi, non ulla tuaest medicina figurae:
nudus Amor formam non amat artificem.
aspice quos summittat humus non fossa colores,
ut veniant hederae sponte sua melius,
surgat et in solis formosior arbutus antris,
et sciat indocilis currere lympha vias.
litora nativis praefulgent picta lapillis,
et volucres nulla dulcius arte canunt.
non sic Leucippis succendit Castora Phoebe,
Pollucem cultu non Helaira soror;
non, Idae et cupido quondam discordia Phoebo,
Eueni patriis filia litoribus;
nec Phrygium falso traxit candore maritum
avecta externis Hippodamia rotis:
sed facies aderat nullis obnoxia gemmis,
qualis Apelleis est color in tabulis.
non illis studium fuco conquirere amantes:
illis ampla satis forma pudicitia.
non ego nunc vereor ne sis tibi vilior istis:
uni si qua placet, culta puella sat est;
cum tibi praesertim Phoebus sua carmina donet
Aoniamque libens Calliopea lyram,
unica nec desit iucundis gratia verbis,
omnia quaeque Venus, quaeque Minerva probat.
his tu semper eris nostrae gratissima vitae,
taedia dum miserae sint tibi luxuriae.
Por que tens tanto prazer, vida minha, em andar com os cabelos enfeitados,
em fazer ondular as leves pregas do teu traje, de tecido de Cós?
Por que tens tanto prazer em inundar os cabelos com mirra de Orontes
e vender-te por presentes estrangeiros?
Por que tens tanto prazer em trocar tua beleza natural por um luxo comprado
e em não permitir que teus membros brilhem com seus próprios dotes?
Crê-me: nenhum cosmético é necessário ao teu semblante;
o Amor é nu e não ama os artifícios da beleza.
Observa as cores formosas que a terra produz
para que as heras, espontaneamente, cresçam mais belas;
para que, nas grutas abandonadas, o medronheiro surja mais formoso
e as águas indóceis saibam percorrer o seu caminho.
As praias atraem, matizadas com seixos nativos,
e os pássaros, sem aprender,cantam com doçura maior.
Não foi assim que Febe, a filha de Leucipo, inflamou o coração de Cástor;
não foi pela beleza cultivada que Hilaíra, sua irmã, inflamou o de Pólux;
não foi assim que a filha de Eveno, na praia de seu país,
foi motivo de discórdia para Idas e o cúpido Febo;
não foi com a falsa brancura de uma tez pintada que Hipodâmia,
raptada por um carro estrangeiro, conquistou um esposo frígio:
seu rosto não devia nada às pedras preciosas;
tal é seu aspecto nos quadros de Apeles.
Nenhuma delas teve a intenção de conquistar o amante de forma vulgar;
nelas, o grande pudor já era suficiente formosura.
Não tenho receio de ser para ti menos do que todos estes.
Se uma mulher agrada um único homem, ela já é enfeitada
principalmente quando Febo te oferece seus versos
e a jovial Calíope, sua lira aônia.
Não te falta a graça de palavras belas
e tudo que Vênus e Minerva aprovam.
Serás sempre o encanto de minha existência
desde que sintas repulsas por todo esse luxo infeliz.
Tradução: Zélia de Almeida Cardoso. In: NOVAK, M.da G. & NERI,M.L.(org.) Poesia Lírica Latina. SP: Martins Fontes. 2003.
terça-feira, julho 15, 2008
Arquíloco 128 West
θυμέ, θύμ', ἀμηχάνοισι κήδεσιν κυκώμενε,
ἀναδευ δυσμενῶν+ δ' ἀλέξ<εο> προσβαλὼν ἐναντίον
στέρνον ἐνδοκοισιν ἐχθρῶν πλησίον κατασταθεὶς
ἀσφαλ<έω>ς· καὶ μήτε νικ<έω>ν ἀμφάδην ἀγάλλεο,
μηδὲ νικηθεὶς ἐν οἴκωι καταπεσὼν ὀδύρεο,
ἀλλὰ χαρτοῖσίν τε χαῖρε καὶ κακοῖσιν ἀσχάλα
μὴ λίην, γίνωσκε δ' οἷος ῥυσμὸς ἀνθρώπους ἔχει.
Ânimo, ânimo, convulso por aflições sem cura,
Levanta, protege-te dos inimigos volvendo adverso
peito em infensas traições próximo postado
firme; E vencendo não exultes abertamente
nem vencido em casa caído lamentes,
Mas com alegrias alegra-te e deplora males
Sem excesso: conhece qual ritmo rege os homens.
(Tradução de Rafael Brunhara)
ἀναδευ δυσμενῶν+ δ' ἀλέξ<εο> προσβαλὼν ἐναντίον
στέρνον ἐνδοκοισιν ἐχθρῶν πλησίον κατασταθεὶς
ἀσφαλ<έω>ς· καὶ μήτε νικ<έω>ν ἀμφάδην ἀγάλλεο,
μηδὲ νικηθεὶς ἐν οἴκωι καταπεσὼν ὀδύρεο,
ἀλλὰ χαρτοῖσίν τε χαῖρε καὶ κακοῖσιν ἀσχάλα
μὴ λίην, γίνωσκε δ' οἷος ῥυσμὸς ἀνθρώπους ἔχει.
Ânimo, ânimo, convulso por aflições sem cura,
Levanta, protege-te dos inimigos volvendo adverso
peito em infensas traições próximo postado
firme; E vencendo não exultes abertamente
nem vencido em casa caído lamentes,
Mas com alegrias alegra-te e deplora males
Sem excesso: conhece qual ritmo rege os homens.
(Tradução de Rafael Brunhara)
quarta-feira, julho 09, 2008
Tirésias
ἦλθε δ᾽ ἐπὶ ψυχὴ Θηβαίου Τειρεσίαο
χρύσεον σκῆπτρον ἔχων, ἐμὲ δ᾽ ἔγνω καὶ προσέειπεν·
διογενὲς Λαερτιάδη, πολυμήχαν᾽ Ὀδυσσεῦ,
τίπτ᾽ αὖτ᾽, ὦ δύστηνε, λιπὼν φάος ἠελίοιο
ἤλυθες, ὄφρα ἴδηι νέκυας καὶ ἀτερπέα χῶρον;
ἀλλ᾽ ἀποχάζεο βόθρου, ἄπισχε δὲ φάσγανον ὀξύ,
αἵματος ὄφρα πίω καί τοι νημερτέα εἴπω.
(...)Aproximou-se a alma do tebano Tirésias
portando cetro áureo, reconheceu-me e proferiu:
“Laertíade divino, multi-ardiloso Odisseu,
Por que enfim tu mesmo, ó miserável, tendo deixado a luz do sol,
Vieste para ver cadáveres e a região infeliz?
Mas aparta-te da fossa, afasta afiado gládio,
Para que eu beba do sangue e diga-te palavras infalíveis”
χρύσεον σκῆπτρον ἔχων, ἐμὲ δ᾽ ἔγνω καὶ προσέειπεν·
διογενὲς Λαερτιάδη, πολυμήχαν᾽ Ὀδυσσεῦ,
τίπτ᾽ αὖτ᾽, ὦ δύστηνε, λιπὼν φάος ἠελίοιο
ἤλυθες, ὄφρα ἴδηι νέκυας καὶ ἀτερπέα χῶρον;
ἀλλ᾽ ἀποχάζεο βόθρου, ἄπισχε δὲ φάσγανον ὀξύ,
αἵματος ὄφρα πίω καί τοι νημερτέα εἴπω.
(...)Aproximou-se a alma do tebano Tirésias
portando cetro áureo, reconheceu-me e proferiu:
“Laertíade divino, multi-ardiloso Odisseu,
Por que enfim tu mesmo, ó miserável, tendo deixado a luz do sol,
Vieste para ver cadáveres e a região infeliz?
Mas aparta-te da fossa, afasta afiado gládio,
Para que eu beba do sangue e diga-te palavras infalíveis”
sábado, junho 07, 2008
To Homer
Standing aloof in giant ignorance,
of thee i hear and the Cyclades,
As one who sits ashore and longs perchance,
to visit dolphin-coral in deep seas.
So thou was blind;- but then the veil was rent,
For Jove uncurtain'd heaven let thee live
And Neptune made for thee a spumy tent,
And Pan made sing for thee his forest-hive
Aye on the shores of darkness there is light,
and precipices show untrodden green,
there is a building morrow in midnight,
there is a triple sight in blindness keen;
such seeing hadst thou, as it once befel
to Dian, Queen of Earth and Heaven,and Hell.
John Keats
of thee i hear and the Cyclades,
As one who sits ashore and longs perchance,
to visit dolphin-coral in deep seas.
So thou was blind;- but then the veil was rent,
For Jove uncurtain'd heaven let thee live
And Neptune made for thee a spumy tent,
And Pan made sing for thee his forest-hive
Aye on the shores of darkness there is light,
and precipices show untrodden green,
there is a building morrow in midnight,
there is a triple sight in blindness keen;
such seeing hadst thou, as it once befel
to Dian, Queen of Earth and Heaven,and Hell.
John Keats
quinta-feira, maio 29, 2008
Proêmio da Ilíada - Tradução de Elpino Duriense
Ó Deusa, do Peleio Aquiles canta
A fatal ira, que infinitas mágoas
Aos aquivos causou; e muitas almas
Valentes de heróis antes do tempo
Mandou ao Orco; e os corpos insepultos
Aos cães e as aves todas deu por pasto
(Assim de Jove o arbítrio se cumpria!)
Depois que desavindos se apartaram
Atrídes rei do povo e o divo Aquiles.
Tradução de Elpino Duriense in: Ensaios de traducções literaes, 1812.
A fatal ira, que infinitas mágoas
Aos aquivos causou; e muitas almas
Valentes de heróis antes do tempo
Mandou ao Orco; e os corpos insepultos
Aos cães e as aves todas deu por pasto
(Assim de Jove o arbítrio se cumpria!)
Depois que desavindos se apartaram
Atrídes rei do povo e o divo Aquiles.
Tradução de Elpino Duriense in: Ensaios de traducções literaes, 1812.
quarta-feira, maio 28, 2008
Tomás Antonio Gonzaga - Lira XXVII
Alexandre, Marília, qual o rio
que engrossando no Inverno tudo arrasa,
na frente das coortes
cerca, vence, abrasa
as cidades mais fortes;
foi na glória das armas o primeiro;
morreu na flor dos anos e já tinha
vencido o mundo inteiro.
Mas este bom soldado, cujo nome
não há poder algum que não abata,
foi, Marília, somente
um ditoso pirata,
um salteador valente:
Se não tem uma fama baixa e escura,
foi por se pôr ao lado da injustiça
a insolente ventura.
O grande César, cujo nome voa,
à sua mesma pátria a fé quebranta;
na mão a espada toma.
oprime-lhe a garganta,
Já senhores a Roma.
Consegue ser herói por um delito:
se acaso não vencesse, então seria
um vil traidor proscrito.
O ser herói, Marília, não consiste
em queimar os impérios: move a guerra,
espalha o sangue humano
e despovoa a terra
também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
e tanto pode ser herói o pobre
como o maior Augusto.
Eu é que sou herói, Marília bela,
seguindo da virtude a honrosa estrada:
ganhei, ganhei um trono:
ah! não manchei a espada,
não o roubei ao dono!
Ergui-o no teu peito e nos teus braços,
e valem muito mais que o mundo inteiro
uns tão ditosos laços.
Aos bárbaros, injustos vencedores
atormentam remorsos e cuidados;
nem descansam seguros
nos palácios, cercados
de tropa e de altos muros.
E a quantos nos não mostra a sábia História,
a quem mudou o fado em negro opróbio
a mal ganhada glória!
Eu vivo, minha bela, sim, eu vivo
nos braços do descanso e mais do gosto:
quando estou acordado
contemplo no teu rosto,
de graças adornado;
se durmo, logo sonho e ali te vejo.
Ah! Nem desperto nem dormindo sobe
a mais o meu desejo!
que engrossando no Inverno tudo arrasa,
na frente das coortes
cerca, vence, abrasa
as cidades mais fortes;
foi na glória das armas o primeiro;
morreu na flor dos anos e já tinha
vencido o mundo inteiro.
Mas este bom soldado, cujo nome
não há poder algum que não abata,
foi, Marília, somente
um ditoso pirata,
um salteador valente:
Se não tem uma fama baixa e escura,
foi por se pôr ao lado da injustiça
a insolente ventura.
O grande César, cujo nome voa,
à sua mesma pátria a fé quebranta;
na mão a espada toma.
oprime-lhe a garganta,
Já senhores a Roma.
Consegue ser herói por um delito:
se acaso não vencesse, então seria
um vil traidor proscrito.
O ser herói, Marília, não consiste
em queimar os impérios: move a guerra,
espalha o sangue humano
e despovoa a terra
também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
e tanto pode ser herói o pobre
como o maior Augusto.
Eu é que sou herói, Marília bela,
seguindo da virtude a honrosa estrada:
ganhei, ganhei um trono:
ah! não manchei a espada,
não o roubei ao dono!
Ergui-o no teu peito e nos teus braços,
e valem muito mais que o mundo inteiro
uns tão ditosos laços.
Aos bárbaros, injustos vencedores
atormentam remorsos e cuidados;
nem descansam seguros
nos palácios, cercados
de tropa e de altos muros.
E a quantos nos não mostra a sábia História,
a quem mudou o fado em negro opróbio
a mal ganhada glória!
Eu vivo, minha bela, sim, eu vivo
nos braços do descanso e mais do gosto:
quando estou acordado
contemplo no teu rosto,
de graças adornado;
se durmo, logo sonho e ali te vejo.
Ah! Nem desperto nem dormindo sobe
a mais o meu desejo!
domingo, maio 25, 2008
Trabalhos e Dias, 202-211: A fábula do gavião e do rouxinol
Agora uma fábula falo aos reis mesmo que isso saibam.
Assim disse o gavião ao rouxinol de colorido colo
no muito alto das nuvens levando-o cravado nas garras;
ele miserável varado todo por recurvadas garras
gemia enquanto o outro prepotente ia lhe dizendo:
"Desafortunado, o que gritas? Tem a ti um bem mais forte;
tu irás por onde eu te levar, mesmo sendo bom cantor;
alimento, se quiser, de ti farei ou até te soltarei
Insensato quem com mais fortes queira medir-se,
de vitória é privado e sofre, além das penas, vexame".
Assim falou o gavião de vôo veloz, ave de longas asas.
tradução de Mary de Camargo Neves Laferin: Hesíodo. Os trabalhos e os dias. São Paulo: Iluminuras.2006
Assim disse o gavião ao rouxinol de colorido colo
no muito alto das nuvens levando-o cravado nas garras;
ele miserável varado todo por recurvadas garras
gemia enquanto o outro prepotente ia lhe dizendo:
"Desafortunado, o que gritas? Tem a ti um bem mais forte;
tu irás por onde eu te levar, mesmo sendo bom cantor;
alimento, se quiser, de ti farei ou até te soltarei
Insensato quem com mais fortes queira medir-se,
de vitória é privado e sofre, além das penas, vexame".
Assim falou o gavião de vôo veloz, ave de longas asas.
tradução de Mary de Camargo Neves Laferin: Hesíodo. Os trabalhos e os dias. São Paulo: Iluminuras.2006
domingo, maio 18, 2008
Eurípides - Hipólito, 525-564
Eros, Eros, que dos olhos
destilas desejo, a deliciosa volúpia
vertendo nas almas que assaltas,
com teus malefícios a mim nunca te manifestes,
não venhas a mim com desmedida:
nem dos astros nem do fogo mais potente é o raio
que o de Afrodite, arremessado
pelas mãos de Eros, filho de Zeus.
Em vão, em vão, nas margens do Alfeu,
sob os pítios tetos de Febo,
sacrifícios de touros a Hélade acumula,
se Eros, o potente senhor dos humanos,
guarda-chaves do tálamo deleitoso
de Afrodite,não venerarmos,
a ele, que destrói e em toda desgraça lança
os mortais, quando vem.
Também a potrinha
de Ecália, livre do jugo do leito,
donzela e não desposada, levou-a
da casa de Êurito,
como fugitiva náiade ou bacante,
entre sangue, entre fumaças,
em sangrentas núpcias,
a Cípria, para entregá-la ao filho de Alcmena,
ó desventurada união!
Ó de Tebas sagrados
muros! ó boca de Dirce,
poderíeis atestar do advento da Cípria:
aos trovões coruscantes cingidos de fogos,
a mãe de Baco duas vezes nascido
como esposa ela entregou e em sangrento sono
estendeu.
Terrível maravilha, em tudo escorre seu sopro:
tal abelha que ondula nos ares.
Tradução: Joaquim Brasil Fontes in: Eurípides,Sêneca e Racine. Hipólito e Fedra, três tragédias. Iluminuras. 2007.
destilas desejo, a deliciosa volúpia
vertendo nas almas que assaltas,
com teus malefícios a mim nunca te manifestes,
não venhas a mim com desmedida:
nem dos astros nem do fogo mais potente é o raio
que o de Afrodite, arremessado
pelas mãos de Eros, filho de Zeus.
Em vão, em vão, nas margens do Alfeu,
sob os pítios tetos de Febo,
sacrifícios de touros a Hélade acumula,
se Eros, o potente senhor dos humanos,
guarda-chaves do tálamo deleitoso
de Afrodite,não venerarmos,
a ele, que destrói e em toda desgraça lança
os mortais, quando vem.
Também a potrinha
de Ecália, livre do jugo do leito,
donzela e não desposada, levou-a
da casa de Êurito,
como fugitiva náiade ou bacante,
entre sangue, entre fumaças,
em sangrentas núpcias,
a Cípria, para entregá-la ao filho de Alcmena,
ó desventurada união!
Ó de Tebas sagrados
muros! ó boca de Dirce,
poderíeis atestar do advento da Cípria:
aos trovões coruscantes cingidos de fogos,
a mãe de Baco duas vezes nascido
como esposa ela entregou e em sangrento sono
estendeu.
Terrível maravilha, em tudo escorre seu sopro:
tal abelha que ondula nos ares.
Tradução: Joaquim Brasil Fontes in: Eurípides,Sêneca e Racine. Hipólito e Fedra, três tragédias. Iluminuras. 2007.
domingo, maio 11, 2008
Basílio da Gama - Soneto
A uma senhora natural do Rio de Janeiro, onde se achava então o autor.
Já, Marfiza cruel, não me maltrata
saber que usas comigo de cautelas,
Qu'inda te espero ver, por causa delas,
arrependida de ter sido ingrata.
Com o tempo, que tudo desbarata,
Teus olhos deixarão de ser estrelas;
Verás murchar no rosto as faces belas,
E as tranças d'oiro converter-se em prata.
Pois se sabes que a tua formosura
Por força há de sofrer da idade os danos
Por que me negas hoje esta ventura?
Guarda para seu tempo os desenganos,
Gozemo-nos agora, enquanto dura,
Já que dura tão pouco a flor dos anos.
Já, Marfiza cruel, não me maltrata
saber que usas comigo de cautelas,
Qu'inda te espero ver, por causa delas,
arrependida de ter sido ingrata.
Com o tempo, que tudo desbarata,
Teus olhos deixarão de ser estrelas;
Verás murchar no rosto as faces belas,
E as tranças d'oiro converter-se em prata.
Pois se sabes que a tua formosura
Por força há de sofrer da idade os danos
Por que me negas hoje esta ventura?
Guarda para seu tempo os desenganos,
Gozemo-nos agora, enquanto dura,
Já que dura tão pouco a flor dos anos.
Arquíloco Fr.126W
Tenho uma grande arte:
eu firo duramente
aqueles que me ferem.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
eu firo duramente
aqueles que me ferem.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
sábado, maio 10, 2008
Estesícoro - "Primavera"
Tempo de primavera:
trissam as andorinhas.
.....................
Com langue melodia frígia
convém cantar essas canções
das Graças de formosas tranças:
surgiu a doce primavera.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
trissam as andorinhas.
.....................
Com langue melodia frígia
convém cantar essas canções
das Graças de formosas tranças:
surgiu a doce primavera.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Téognis - "Ninguém, ó Cirno..."
Ninguém, ó Cirno, causa a sua própria ruína,
nem por si mesmo é que prospera:
tudo nos vem dos deuses.
Ninguém sabe se os atos que pratica
terão efeito bom ou mau:
vem deles ora o bem, quando se quer o mal,
vem deles ora o mal, quando se quer o bem.
Ninguém alcança, em tudo, o que deseja:
o desamparo traça raias
que não permitem ir à frente.
Nada sabemos, nós,os homens
e é vão o que pensamos;
os deuses tão-somente cumprem tudo
segundo os seus desígnios.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
nem por si mesmo é que prospera:
tudo nos vem dos deuses.
Ninguém sabe se os atos que pratica
terão efeito bom ou mau:
vem deles ora o bem, quando se quer o mal,
vem deles ora o mal, quando se quer o bem.
Ninguém alcança, em tudo, o que deseja:
o desamparo traça raias
que não permitem ir à frente.
Nada sabemos, nós,os homens
e é vão o que pensamos;
os deuses tão-somente cumprem tudo
segundo os seus desígnios.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Estesícoro - "Helena"
Muitos marmelos atiraram
ao Príncipe em seu carro,
muitos ramos de mirto
e coroas de rosas,
grinaldas de violetas.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
ao Príncipe em seu carro,
muitos ramos de mirto
e coroas de rosas,
grinaldas de violetas.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Tomás Antônio Gonzaga
Marília de Dirceu [1]
Pintam, Marília, os poetas
a um menino vendado,
com uma aljava de setas,
arco empunhado na mão;
ligeiras asas nos ombros,
o tenro corpo despido,
e de Amor ou de Cupido
são os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
que assim seja Amor,pois ele
nem é moço nem é cego,
nem setas nem asas tem.
Ora pois, eu vou formar-lhe
um retrato mais perfeito,
que ele já feriu meu peito:
por isso o conheço bem.
Os seus compridos cabelos,
que sobre as costas ondeiam,
são que os de Apolo mais belos,
mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
e com o branco do rosto
fazem, Marília, um composto
da mais formosa união.
Tem redonda e lisa testa,
arqueadas sobrancelhas,
e seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu:
que no dia luminoso
o Céu tem um sol formoso,
e o travesso Amor tem dois.
Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
púrpureas folhas de rosa,
brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
os seus beiços são formados;
os seus dentes delicados
são pedaços de marfim.
Mal vi seu rosto perfeito,
dei logo um suspiro, e ele
conheceu haver-me feito
estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
entendia eu não olhava;
vendo que o via, baixava
a modesta vista ao chão.
Chamei-lhe um dia formoso;
ele, ouvindo seus louvores,
com um modo desdenhoso
se sorriu e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
em que estava esta alma posta;
não me deu também resposta,
constrangeu-se e suspirou.
Conheço os sinais; e logo,
animado de esperança,
busco dar um desafogo
ao cansado coração.
Pego em seus dedos nevados,
e querendo dar-lhe um beijo,
cobriu-se todo de pejo
e fugiu-me com a mão.
Tu, Marília, agora vendo
de Amor o lindo retrato,
contigo estarás dizendo
que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
que Cupido é deus suposto:
se há Cupido, é só teu rosto,
que foi ele quem me venceu.
Pintam, Marília, os poetas
a um menino vendado,
com uma aljava de setas,
arco empunhado na mão;
ligeiras asas nos ombros,
o tenro corpo despido,
e de Amor ou de Cupido
são os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
que assim seja Amor,pois ele
nem é moço nem é cego,
nem setas nem asas tem.
Ora pois, eu vou formar-lhe
um retrato mais perfeito,
que ele já feriu meu peito:
por isso o conheço bem.
Os seus compridos cabelos,
que sobre as costas ondeiam,
são que os de Apolo mais belos,
mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
e com o branco do rosto
fazem, Marília, um composto
da mais formosa união.
Tem redonda e lisa testa,
arqueadas sobrancelhas,
e seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu:
que no dia luminoso
o Céu tem um sol formoso,
e o travesso Amor tem dois.
Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
púrpureas folhas de rosa,
brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
os seus beiços são formados;
os seus dentes delicados
são pedaços de marfim.
Mal vi seu rosto perfeito,
dei logo um suspiro, e ele
conheceu haver-me feito
estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
entendia eu não olhava;
vendo que o via, baixava
a modesta vista ao chão.
Chamei-lhe um dia formoso;
ele, ouvindo seus louvores,
com um modo desdenhoso
se sorriu e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
em que estava esta alma posta;
não me deu também resposta,
constrangeu-se e suspirou.
Conheço os sinais; e logo,
animado de esperança,
busco dar um desafogo
ao cansado coração.
Pego em seus dedos nevados,
e querendo dar-lhe um beijo,
cobriu-se todo de pejo
e fugiu-me com a mão.
Tu, Marília, agora vendo
de Amor o lindo retrato,
contigo estarás dizendo
que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
que Cupido é deus suposto:
se há Cupido, é só teu rosto,
que foi ele quem me venceu.
sexta-feira, maio 09, 2008
Horácio, I, 1.
Maecenas atauis edite regibus,
o et praesidium et dulce decus meum,
sunt quos curriculo puluerem Olympicum
collegisse iuuat metaque feruidis
euitata rotis palmaque nobilis
terrarum dominos euehit ad deos;
hunc, si mobilium turba Quiritium
certat tergeminis tollere honoribus;
illum, si proprio condidit horreo
quicquid de Libycis uerritur areis.
Gaudentem patrios findere sarculo
agros Attalicis condicionibus
numquam demoueas, ut trabe Cypria
Myrtoum pauidus nauta secet mare.
Luctantem Icariis fluctibus Africum
mercator metuens otium et oppidi
laudat rura sui; mox reficit rates
quassas, indocilis pauperiem pati.
Est qui nec ueteris pocula Massici
nec partem solido demere de die
spernit, nunc uiridi membra sub arbuto
stratus, nunc ad aquae lene caput sacrae.
Multos castra iuuant et lituo tubae
permixtus sonitus bellaque matribus
detestata. Manet sub Ioue frigido
uenator tenerae coniugis inmemor,
seu uisa est catulis cerua fidelibus,
seu rupit teretis Marsus aper plagas.
Me doctarum hederae praemia frontium
dis miscent superis, me gelidum nemus
Nympharumque leues cum Satyris chori
secernunt populo, si neque tibias
Euterpe cohibet nec Polyhymnia
Lesboum refugit tendere barbiton.
Quod si me lyricis uatibus inseres,
sublimi feriam sidera uertice.
De reis avós Mecenas descendente,
Ó meu amparo, ó doce glória minha:
A uns apraz alevantar no circo
Olímpica poeira, e das ferventes
Rodas a meta salva, e a palma nobre,
Que os alça aos Deuses árbitros da terra:
A este, se dos móbiles Quirites
Porfia a turba erguê-lo às mores honras:
Àquele, se guardou em seu celeiro,
Quanto das eiras líbicas se varre.
A quem folga com a enxada os pátrios campos
Fender nunca moveras com as atálicas
Fortunas, a que em cíprio lenho corte
o mar Mirtôo pavoroso nauta.
Temendo o mercador ábrego em luta
Com o mar icário, louva o ócio e os campos
Do ninho seu: mas logo os rotos vasos
Concerta indócil a sofrer pobreza.
Um do Massico anejo os copos ama,
E tirar parte ao dia inteiro, uma hora
Jazendo sob o verde medronheiro,
Ora à branda matriz da sacra linfa.
A muitos o arraial, e o som da tuba
Com os clarins misturado apraz, e as guerras
ódios das mães. Atura ao frio Jove
O caçador, e a tenra esposa esquece;
Ou vissem fiéis cães a corça, ou Marso
Javardo entrasse nas torcidas malhas.
A ti, das doutas frentes prêmio, as eras
Com os Deuses supernos me misturam;
A mim gélido bosque, e leves coros
Das ninfas, e dos sátiros, me extremam
Do povo: se nem tolhe Euterpe as frautas,
Nem foge de afinal Polínia a lira
Lésbia. Se aos vates líricos me ajuntas,
Ferirei com a sublime frente os astros.
Tradução: Elpino Duriense.
o et praesidium et dulce decus meum,
sunt quos curriculo puluerem Olympicum
collegisse iuuat metaque feruidis
euitata rotis palmaque nobilis
terrarum dominos euehit ad deos;
hunc, si mobilium turba Quiritium
certat tergeminis tollere honoribus;
illum, si proprio condidit horreo
quicquid de Libycis uerritur areis.
Gaudentem patrios findere sarculo
agros Attalicis condicionibus
numquam demoueas, ut trabe Cypria
Myrtoum pauidus nauta secet mare.
Luctantem Icariis fluctibus Africum
mercator metuens otium et oppidi
laudat rura sui; mox reficit rates
quassas, indocilis pauperiem pati.
Est qui nec ueteris pocula Massici
nec partem solido demere de die
spernit, nunc uiridi membra sub arbuto
stratus, nunc ad aquae lene caput sacrae.
Multos castra iuuant et lituo tubae
permixtus sonitus bellaque matribus
detestata. Manet sub Ioue frigido
uenator tenerae coniugis inmemor,
seu uisa est catulis cerua fidelibus,
seu rupit teretis Marsus aper plagas.
Me doctarum hederae praemia frontium
dis miscent superis, me gelidum nemus
Nympharumque leues cum Satyris chori
secernunt populo, si neque tibias
Euterpe cohibet nec Polyhymnia
Lesboum refugit tendere barbiton.
Quod si me lyricis uatibus inseres,
sublimi feriam sidera uertice.
De reis avós Mecenas descendente,
Ó meu amparo, ó doce glória minha:
A uns apraz alevantar no circo
Olímpica poeira, e das ferventes
Rodas a meta salva, e a palma nobre,
Que os alça aos Deuses árbitros da terra:
A este, se dos móbiles Quirites
Porfia a turba erguê-lo às mores honras:
Àquele, se guardou em seu celeiro,
Quanto das eiras líbicas se varre.
A quem folga com a enxada os pátrios campos
Fender nunca moveras com as atálicas
Fortunas, a que em cíprio lenho corte
o mar Mirtôo pavoroso nauta.
Temendo o mercador ábrego em luta
Com o mar icário, louva o ócio e os campos
Do ninho seu: mas logo os rotos vasos
Concerta indócil a sofrer pobreza.
Um do Massico anejo os copos ama,
E tirar parte ao dia inteiro, uma hora
Jazendo sob o verde medronheiro,
Ora à branda matriz da sacra linfa.
A muitos o arraial, e o som da tuba
Com os clarins misturado apraz, e as guerras
ódios das mães. Atura ao frio Jove
O caçador, e a tenra esposa esquece;
Ou vissem fiéis cães a corça, ou Marso
Javardo entrasse nas torcidas malhas.
A ti, das doutas frentes prêmio, as eras
Com os Deuses supernos me misturam;
A mim gélido bosque, e leves coros
Das ninfas, e dos sátiros, me extremam
Do povo: se nem tolhe Euterpe as frautas,
Nem foge de afinal Polínia a lira
Lésbia. Se aos vates líricos me ajuntas,
Ferirei com a sublime frente os astros.
Tradução: Elpino Duriense.
Sofro, Lídia, do medo do destino.
Qualquer pequena coisa de onde pode
Brotar uma nova ordem em minha vida,
Lídia, me aterra.
Qualquer coisa,qual seja,que transforme
Meu plano curso de existência,embora
Para melhores coisas o transforme,
Por transformar
Odeio, e não o quero. Os Deuses dessem
Que ininterrupta minha vida fosse
Uma planície sem relevos, indo
até o fim.
A glória embora eu nunca haurisse, ou nunca
Amor ou justa stima dessem-me outros,
Basta que a vida seja só a vida
E eu viva.
26-5-1917
Ricardo Reis
Qualquer pequena coisa de onde pode
Brotar uma nova ordem em minha vida,
Lídia, me aterra.
Qualquer coisa,qual seja,que transforme
Meu plano curso de existência,embora
Para melhores coisas o transforme,
Por transformar
Odeio, e não o quero. Os Deuses dessem
Que ininterrupta minha vida fosse
Uma planície sem relevos, indo
até o fim.
A glória embora eu nunca haurisse, ou nunca
Amor ou justa stima dessem-me outros,
Basta que a vida seja só a vida
E eu viva.
26-5-1917
Ricardo Reis
A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos secos.
O frio leve treme.
Desterrado da pátria antiquíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses,
aqueço-me trémulo
A outro sol do que este -
O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole
O que alumiava os passos lentos e graves
De Aristóteles falando.
Mas Epicuro melhor
Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
Sereno e vendo a vida
À distância a que está.
19-6-1914
Ricardo Reis
O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos secos.
O frio leve treme.
Desterrado da pátria antiquíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses,
aqueço-me trémulo
A outro sol do que este -
O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole
O que alumiava os passos lentos e graves
De Aristóteles falando.
Mas Epicuro melhor
Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
Sereno e vendo a vida
À distância a que está.
19-6-1914
Ricardo Reis
sexta-feira, abril 25, 2008
Teogonia, vv.1-115 - O Hino às Musas
Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar.
Elas têm grande e divino o monte Hélicon,
em volta da fonte violácea com pés suaves
dançam e do altar do bem forte filho de Crono.
Banharam a tenra pele no Permesso
ou na fonte do Cavalo ou no Olmo divino
e irrompendo com os pés fizeram coros
belos ardentes no ápice do Hélicon.
Daí precipitando-se ocultas por muita névoa
vão em renques noturnos lançando belíssima voz,
hineando Zeus porta-égide, a soberana Hera
de Argos calçada de belas sandálias,
Atena de olhos glaucos virgem de Zeus porta-égide,
o luminoso Apolo, Ártemis verte-flechas,
Posídon que sustém e treme a terra,
Têmis veneranda, Afrodite de olhos ágeis,
Hebe de áurea coroa, a bela Dione,
Aurora, o grande Sol, a Lua brilhante,
Leto, Jápeto, Crono de curvo pensar,
Terra, o grande Oceno, a Noite negra
e o sagrado ser dos outros imortais sempre vivos.
Elas um dia a Hesíodo ensinaram belo canto
quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino.
Esta palavra primeiro disseram-me as Deusas
Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide:
"Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,
sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos
e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações".
Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas,
por cetro deram-me um ramo, a um loureiro viçoso
colhendo-o admirável,e inspiraram-me um canto
divino para que eu glorie o futuro e o passado,
impeliram-me a hinear o ser dos imortais sempre-vivos
e a elas primeiro e por último sempre cantar.
Mas por que me vem isto de carvalho e de pedra?
Eia!pelas musas comecemos, elas a Zeus Pai
hineando alegram o grande espírito no Olimpo,
dizendo o presente, o passado e o futuro
vozes aliando. Infatigável flui o som
das bocas, suave. Brilha o palácio do pai
Zeus troante quando as vozes liriais das Deusas
espalha-se, ecoa a cabeça do Olimpo nevado
e o palácio dos imortais. Lançando voz imperecível
o ser venerando dos Deuses primeiro gloriam no canto
dês o começo: os que a Terra e o Céu amplo geraram
e os deles nascidos Deuses doadores de bens,
depois Zeus pai dos Deuses e dos homens,
no começo e fim do canto hineiam as Deusas
o mais forte dos Deuses e maior em poder,
e ainda o ser dos homens e dos poderosos gigantes.
Hineando alegram o espírito de Zeus no Olimpo
Musas olímpiades virgens de Zeus porta-égide.
Na Piéria gerou-as, da união do Pai Cronida,
Memória rainha nas colinas de Eleutera,
para oblívio dos males e pausa para aflições.
Nove noites teve uniões com ela o sábio Zeus,
longe dos imortais subindo ao sagrado leito.
Quando girou o ano e retornaram as estações
com as mínguas das luas e muitos dias findaram,
ela pariu nove moças concordes que dos cantares
têm o desvelo no peito e não-triste ânimo,
perto do ápice altíssimo do nevoso Olimpo,
aí os seus coros luzentes e belo palácio.
Junto a elas as Graças e o Desejo têm morada
nas festas, pelas bocas amável voz lançando,
dançam e gloriam a partilha e os hábitos nobres
de todos os imortais, voz bem amável lançando.
Elas iam ao Olimpo exultantes com a bela voz,
imperecível dança. Em torno gritava a terra negra
ao hinearem, dos pés amável ruído erguia-se
ao irem ao seu pai. Ele reina no Céu
tendo consigo o trovão e o raio flamante,
venceu no poder o pai Crono, e aos imortais
bem distribuiu e indicou cada honra;
isto as Musas cantavam, tendo o palácio olímpio,
nove filhas nascidas do grande Zeus:
Glória, Alegria, Festa, Dançarina,
Alegra-coro, Amorosa, Hinária, Celeste
e Belavoz, que dentre todas vem à frente.
Ela é que acompanha os reis venerandos.
A quem honram as virgens do grande Zeus
e dentre os reis sustentados por Zeus vêem nascer,
elas lhe vertem sobre a língua o doce orvalho,
e palavras de mel fluem da sua boca. Todas
as gentes o olham decidir as sentenças
com reta justiça e ele firme falando na ágora
logo à grande discórdia cônscio põe fim,
pois os reis têm prudência quando às gentes
violadas na ágora perfazem as reparações
facilmente, a persuadir com brandas palavras.
Indo à assembléia, como a um Deus o propiciam
pelo doce honor e nas reuniões se distingue.
Tal das musas o sagrado dom aos homens.
Pelas Musas e pelo golpeante Apolo
há cantores e citaristas sobre a terra,
e por Zeus, reis. Feliz é quem as Musas
amam, doce de sua boca flui a voz.
Se com angústia no ânimo recém-ferido
alguém aflito mirra o coração e se o cantor
servo das musas hineia a glória dos antigos
e os venturosos Deuses que têm o Olimpo,
logo esquece os pesares e de nenhuma aflição
se lembra, já os desviaram os dons das Deusas.
Alegrai, filhas de Zeus, dai ardente canto,
gloriai o sagrado ser dos imortais sempre vivos,
os que nasceram da Terra e do Céu constelado,
os da Noite trevosa, os que o salgado Mar criou.
Dizei como no começo Deuses e Terra nasceram,
os Rios, o Mar infinito impetuoso de ondas,
os Astros brilhantes e o Céu amplo em cima.
Os deles nascidos deuses doadores de bens
como dividiram a opulência e repartiram as honras,
e como no começo tiveram o rugoso Olimpo.
Dizei-me isto, ó Musas que tendes o palácio olímpio,
dês o começo e quem dentre eles primeiro nasceu.
Tradução: J.A.A.Torrano in: HESÍODO.Teogonia, a Origem dos Deuses.Estudo e tradução: J.A.A.Torrano. Iluminuras,2006.
Elas têm grande e divino o monte Hélicon,
em volta da fonte violácea com pés suaves
dançam e do altar do bem forte filho de Crono.
Banharam a tenra pele no Permesso
ou na fonte do Cavalo ou no Olmo divino
e irrompendo com os pés fizeram coros
belos ardentes no ápice do Hélicon.
Daí precipitando-se ocultas por muita névoa
vão em renques noturnos lançando belíssima voz,
hineando Zeus porta-égide, a soberana Hera
de Argos calçada de belas sandálias,
Atena de olhos glaucos virgem de Zeus porta-égide,
o luminoso Apolo, Ártemis verte-flechas,
Posídon que sustém e treme a terra,
Têmis veneranda, Afrodite de olhos ágeis,
Hebe de áurea coroa, a bela Dione,
Aurora, o grande Sol, a Lua brilhante,
Leto, Jápeto, Crono de curvo pensar,
Terra, o grande Oceno, a Noite negra
e o sagrado ser dos outros imortais sempre vivos.
Elas um dia a Hesíodo ensinaram belo canto
quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino.
Esta palavra primeiro disseram-me as Deusas
Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide:
"Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,
sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos
e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações".
Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas,
por cetro deram-me um ramo, a um loureiro viçoso
colhendo-o admirável,e inspiraram-me um canto
divino para que eu glorie o futuro e o passado,
impeliram-me a hinear o ser dos imortais sempre-vivos
e a elas primeiro e por último sempre cantar.
Mas por que me vem isto de carvalho e de pedra?
Eia!pelas musas comecemos, elas a Zeus Pai
hineando alegram o grande espírito no Olimpo,
dizendo o presente, o passado e o futuro
vozes aliando. Infatigável flui o som
das bocas, suave. Brilha o palácio do pai
Zeus troante quando as vozes liriais das Deusas
espalha-se, ecoa a cabeça do Olimpo nevado
e o palácio dos imortais. Lançando voz imperecível
o ser venerando dos Deuses primeiro gloriam no canto
dês o começo: os que a Terra e o Céu amplo geraram
e os deles nascidos Deuses doadores de bens,
depois Zeus pai dos Deuses e dos homens,
no começo e fim do canto hineiam as Deusas
o mais forte dos Deuses e maior em poder,
e ainda o ser dos homens e dos poderosos gigantes.
Hineando alegram o espírito de Zeus no Olimpo
Musas olímpiades virgens de Zeus porta-égide.
Na Piéria gerou-as, da união do Pai Cronida,
Memória rainha nas colinas de Eleutera,
para oblívio dos males e pausa para aflições.
Nove noites teve uniões com ela o sábio Zeus,
longe dos imortais subindo ao sagrado leito.
Quando girou o ano e retornaram as estações
com as mínguas das luas e muitos dias findaram,
ela pariu nove moças concordes que dos cantares
têm o desvelo no peito e não-triste ânimo,
perto do ápice altíssimo do nevoso Olimpo,
aí os seus coros luzentes e belo palácio.
Junto a elas as Graças e o Desejo têm morada
nas festas, pelas bocas amável voz lançando,
dançam e gloriam a partilha e os hábitos nobres
de todos os imortais, voz bem amável lançando.
Elas iam ao Olimpo exultantes com a bela voz,
imperecível dança. Em torno gritava a terra negra
ao hinearem, dos pés amável ruído erguia-se
ao irem ao seu pai. Ele reina no Céu
tendo consigo o trovão e o raio flamante,
venceu no poder o pai Crono, e aos imortais
bem distribuiu e indicou cada honra;
isto as Musas cantavam, tendo o palácio olímpio,
nove filhas nascidas do grande Zeus:
Glória, Alegria, Festa, Dançarina,
Alegra-coro, Amorosa, Hinária, Celeste
e Belavoz, que dentre todas vem à frente.
Ela é que acompanha os reis venerandos.
A quem honram as virgens do grande Zeus
e dentre os reis sustentados por Zeus vêem nascer,
elas lhe vertem sobre a língua o doce orvalho,
e palavras de mel fluem da sua boca. Todas
as gentes o olham decidir as sentenças
com reta justiça e ele firme falando na ágora
logo à grande discórdia cônscio põe fim,
pois os reis têm prudência quando às gentes
violadas na ágora perfazem as reparações
facilmente, a persuadir com brandas palavras.
Indo à assembléia, como a um Deus o propiciam
pelo doce honor e nas reuniões se distingue.
Tal das musas o sagrado dom aos homens.
Pelas Musas e pelo golpeante Apolo
há cantores e citaristas sobre a terra,
e por Zeus, reis. Feliz é quem as Musas
amam, doce de sua boca flui a voz.
Se com angústia no ânimo recém-ferido
alguém aflito mirra o coração e se o cantor
servo das musas hineia a glória dos antigos
e os venturosos Deuses que têm o Olimpo,
logo esquece os pesares e de nenhuma aflição
se lembra, já os desviaram os dons das Deusas.
Alegrai, filhas de Zeus, dai ardente canto,
gloriai o sagrado ser dos imortais sempre vivos,
os que nasceram da Terra e do Céu constelado,
os da Noite trevosa, os que o salgado Mar criou.
Dizei como no começo Deuses e Terra nasceram,
os Rios, o Mar infinito impetuoso de ondas,
os Astros brilhantes e o Céu amplo em cima.
Os deles nascidos deuses doadores de bens
como dividiram a opulência e repartiram as honras,
e como no começo tiveram o rugoso Olimpo.
Dizei-me isto, ó Musas que tendes o palácio olímpio,
dês o começo e quem dentre eles primeiro nasceu.
Tradução: J.A.A.Torrano in: HESÍODO.Teogonia, a Origem dos Deuses.Estudo e tradução: J.A.A.Torrano. Iluminuras,2006.
domingo, abril 13, 2008
Horácio, Ode III.1
Odi profanum uolgus et arceo.
Fauete linguis: carmina non prius
audita Musarum sacerdos
uirginibus puerisque canto.
Regum timendorum in proprios greges,
reges in ipsos imperium est Iouis,
clari Giganteo triumpho,
supercilio mouentis.
Est ut uiro uir latius ordinet
arbusta sulcis, hic generosior
descendat in campum petitor,
moribus hic meliorque fama
contendat, illi turba clientium
sit maior: aequa lege Necessitas
sortitur insignis et imos,
omne capax mouet urna nomen.
Destrictus ensis cui super impia
ceruice pendet, non Siculae dapes
dulcem elaboratum saporem,
non auium citharaequecantus
Somnum reducent: somnus agrestium
lenis uirorum non humilis domos
fastidit umbrosamque ripam,
non Zephyris agitata tempe.
Desiderantem quod satis est neque
tumultuosum sollicitat mare,
nec saeuus Arcturi cadentis
impetus aut orientis Haedi,
non uerberatae grandine uineae
fundusque mendax, arbore nunc aquas
culpante, nunc torrentia agros
sidera, nunc hiemes iniquas.
Contracta pisces aequora sentiunt
iactis in altum molibus: huc frequens
caementa demittit redemptor
famulis dominusque terrae
fastidiosus: sed Timor et Minae
scandunt eodem quo dominus, neque
decedit aerata triremi et
post equitem sedet atra Cura.
Quod si dolentem nec Phrygius lapis
nec purpurarum sidere clarior
delenit usus nec Falerna
uitis Achaemeniumque costum,
cur inuidendis postibus et nouo
sublime ritu moliar atrium?
Cur ualle permutem Sabina
diuitias operosiores?
Aborreço o profano vulgo e afasto.
Calai-vos: eu das musas sacerdote
Às virgens, e aos meninos versos canto,
Nunca até agora ouvidos.
Sobre o próprio rebanho os reis tremendos,
Nos mesmos reis tem Jove império,claro
Com giganteo triunfo, que o universo
Com o sobrolho abala.
Disponha um mais árvores à linha
Do que outro: ao campo desça um candidato
com mor nobreza: este mais pretenda
Por costumes, e fama:
Outro tenha mor turba de clientes:
Com lei igual sorteia a fatal morte
Os altos, e os pequenos; a grande urna
Revolve os nomes todos.
A quem sobre a cerviz ímpia a espada
Nua pende, nem siculos banquetes
Darão doce sabor, nem cantos de ave,
Ou doce lira trará sono.
O sono brando dos agrestes homens
Os humildes alvergues não desdenha,
Nem as umbrosas ribas, nem os Tempes
Dos Zéfiros movidos.
A quem deseja quanto lhe é bastante,
Nem o revolto mar lhe dá cuidado,
Nem seva força do cadente Arturo,
Ou do nascente Capro:
Nem do granizo as vinhas açoitadas,
Ou mendaz a terra, a árvore culpando
Ora água, ora astros, que as campinas torram,
Ou iníquios invernos.
Com os molhos lançados no alto pego
O peixe sente os mares estreitados:
Aqui contino com os serventes lança
Cimentos o empreiteiro,
E da terra o senhor enfastiado:
Mas sobe o medo, e as ameaças, onde
O dono: nem da brônzea nau se arreda,
Com cavaleiros de ancas
Monta o escuro cuidado: se ao doente
Nem frígio jaspe abranda, nem a púrpura,
Mais que os astros brilhante, nem falerna
Vide, ou aquimênio nardo;
Por que alçarei com pórticos, que invejem,
E por um novo estilo, átrio sublime?
Por que o sabino vale por riqueza
Trocarei mais penosas?
Tradução: Elpino Duriense in: Obras completas de Horácio.São Paulo: Edições Cultura. 1941.
Fauete linguis: carmina non prius
audita Musarum sacerdos
uirginibus puerisque canto.
Regum timendorum in proprios greges,
reges in ipsos imperium est Iouis,
clari Giganteo triumpho,
supercilio mouentis.
Est ut uiro uir latius ordinet
arbusta sulcis, hic generosior
descendat in campum petitor,
moribus hic meliorque fama
contendat, illi turba clientium
sit maior: aequa lege Necessitas
sortitur insignis et imos,
omne capax mouet urna nomen.
Destrictus ensis cui super impia
ceruice pendet, non Siculae dapes
dulcem elaboratum saporem,
non auium citharaequecantus
Somnum reducent: somnus agrestium
lenis uirorum non humilis domos
fastidit umbrosamque ripam,
non Zephyris agitata tempe.
Desiderantem quod satis est neque
tumultuosum sollicitat mare,
nec saeuus Arcturi cadentis
impetus aut orientis Haedi,
non uerberatae grandine uineae
fundusque mendax, arbore nunc aquas
culpante, nunc torrentia agros
sidera, nunc hiemes iniquas.
Contracta pisces aequora sentiunt
iactis in altum molibus: huc frequens
caementa demittit redemptor
famulis dominusque terrae
fastidiosus: sed Timor et Minae
scandunt eodem quo dominus, neque
decedit aerata triremi et
post equitem sedet atra Cura.
Quod si dolentem nec Phrygius lapis
nec purpurarum sidere clarior
delenit usus nec Falerna
uitis Achaemeniumque costum,
cur inuidendis postibus et nouo
sublime ritu moliar atrium?
Cur ualle permutem Sabina
diuitias operosiores?
Aborreço o profano vulgo e afasto.
Calai-vos: eu das musas sacerdote
Às virgens, e aos meninos versos canto,
Nunca até agora ouvidos.
Sobre o próprio rebanho os reis tremendos,
Nos mesmos reis tem Jove império,claro
Com giganteo triunfo, que o universo
Com o sobrolho abala.
Disponha um mais árvores à linha
Do que outro: ao campo desça um candidato
com mor nobreza: este mais pretenda
Por costumes, e fama:
Outro tenha mor turba de clientes:
Com lei igual sorteia a fatal morte
Os altos, e os pequenos; a grande urna
Revolve os nomes todos.
A quem sobre a cerviz ímpia a espada
Nua pende, nem siculos banquetes
Darão doce sabor, nem cantos de ave,
Ou doce lira trará sono.
O sono brando dos agrestes homens
Os humildes alvergues não desdenha,
Nem as umbrosas ribas, nem os Tempes
Dos Zéfiros movidos.
A quem deseja quanto lhe é bastante,
Nem o revolto mar lhe dá cuidado,
Nem seva força do cadente Arturo,
Ou do nascente Capro:
Nem do granizo as vinhas açoitadas,
Ou mendaz a terra, a árvore culpando
Ora água, ora astros, que as campinas torram,
Ou iníquios invernos.
Com os molhos lançados no alto pego
O peixe sente os mares estreitados:
Aqui contino com os serventes lança
Cimentos o empreiteiro,
E da terra o senhor enfastiado:
Mas sobe o medo, e as ameaças, onde
O dono: nem da brônzea nau se arreda,
Com cavaleiros de ancas
Monta o escuro cuidado: se ao doente
Nem frígio jaspe abranda, nem a púrpura,
Mais que os astros brilhante, nem falerna
Vide, ou aquimênio nardo;
Por que alçarei com pórticos, que invejem,
E por um novo estilo, átrio sublime?
Por que o sabino vale por riqueza
Trocarei mais penosas?
Tradução: Elpino Duriense in: Obras completas de Horácio.São Paulo: Edições Cultura. 1941.
sexta-feira, março 28, 2008
Píndaro - Primeira Ode Pítica
Khryséa phórmincs
Lira de ouro, bem comum
de Apolo e das Musas de trança violeta:
os passos de dança, princípio de júbilo,
te escutam, os aedos
obedecem teu sinal
quando pulsas vibrada os primeiros compassos
dos prelúdios condutores de coros.
Consegues apagar o pontiagudo raio
de fogo semprefluente. Sobre o cetro de Zeus
adormece a águia,
que recolhe de um flanco e de outro suas asas rápidas,
rainha dos pássaros.
Toldas sua cabeça em gancho de uma névoa escura,
doce claustro das pálpebras; possuídas por teus sons
ela crispa no sono o dorso flexível.
E mesmo o violento Ares
rejeitando a rudeza das armas
arrefece o coração que dorme. Sábios,
teus dardos aplacam o íntimo da alma dos deuses
por arte do filho de Latona
e das Musas vestidas de dobras sinuosas.
Porém todos os que Zeus desamou
estremecem ouvindo o clamor
sonoro das Piérides
na terra ou no mar indomável.
Assim aos deuses adverso
Tífon o de cem-testas
jaz, no terrível Tártaro.
Nutriu-o outrora a cilícia
gruta polinome
e agora as escarpas que o mar rebatem
sobre Cumas
e a Sicília
esmagam-lhe o peito de saliente felpa.
O Etna, todo neve, nutriz dos gelos cortantes,
pilar do céu,
o detém.
Fontes de um fogo inacessível
puríssimas rebentam-lhe
da mais interna entranha.
E rios de dia vazam
abrasadas torrentes de fumaça.
E púrpura na treva
uma chama rolando
repulsa ao mar profundo
um tumulto de pedras.
O monstro ali está. Ele é quem jorra
os fachos de Hefesto, aterradores.
Prodígio de se ver. Prodígio ainda
senão de ver, de ouvir de quem já viu.
Assim no Etna entre o píncaro
(folhas negras) e o plaino
preso
ele jaz,
numa cama de pontas
descarnando as costas contrapostas.
Dá-nos, Zeus, a graça de agradarmos
a ti, dominador dessa montanha
fronte e frente de uma terra fértil:
a cidade vizinha um fundador ilustre
ilustrou-a em seu nome
e o arauto o proclamou na arena pítica
celebrando Híeron na corrida de carros
belo de vitória.
Ao navegante principiando a viagem
primeiro prêmio é um vento favorável
que ao cabo prenuncia um propício retorno.
Pensar no que passou promete a esta cidade
por igual um porvir glorioso de corcéis
e coroas de festa
e um nome renomeado em canoros triunfos.
Dono de Lícia e Delos, Febo,
amador da castália fonte do Parnaso,
que este augúrio te agrade e faças desta terra
um solo fértil de heróis.
Da máquina dos deuses
procedem as virtudes dos mortais:
ciência, vigor dos pulsos, fala fácil, tudo
eles engendram.
Meditando o louvor deste herói,
espero não lançar fora da liça
o dardo de brônzeo topo suspenso em minha mão,
mas no extenso arremesso ultrapassar os meus contrários.
Que o restante do tempo lhe promova
um próspero porvir, o pleno dom dos bens
e o olvido das penas.
Ele há de rever-se nas batalhas
- coração de coragem - resistindo,
e pela mão dos deuses vencedor.
Heleno algum colheu igual seara,
orgulhosa coroa de conquistas.
Agora segue o exemplo a Filoctetes
quando se lança à luta. No nó do necessário,
mesmo o soberbo suplica o seu favor.
Quase-deuses heróis (dizem) a Lemnos
vieram e levaram o filho de Póias,
o arqueiro, que uma chaga afligia.
E ele destruiu a cidade de Príamo,
pôs um fim aos trabalhos dos Dânaos:
o destino movia-lhe os membros malseguros.
Assim a divindade
dirija reto Híeron
pelos dias que avançam passo lento,
sempre a tempo lhe dando o que mais queira.
Atende, Musa, e junto a Dinomedes
vem celebrar a esplêndida quadriga
no prêmio de vitória.
Que não se alheia o filho ao júbilo paterno.
Vem, inventa comigo
um canto caro ao soberano de Etna.
Para ele Híeron fundou esta cidade
seguindo à risca os preceitos de Hilos,
com liberdade, divino edifício.
Dorianos,
os descendentes de Pânfilo,
e também os da estirpe de Hércules,
que habitam junto às penhas do Taígeto,
querem preservar perenes os princípios de Egímios.
Levantando-se do Pindo,
afortunados tomaram Amiclas,
agora - profundos de glória -
vizinhos dos Tindáridas de cavalos brancos.
E floresceu a fama da ponta de suas lanças!
Zeus,
perfazedor!
Junto às águas do Amenas,
que a palavra dos homens para sempre assegure
aos cidadãos e aos reis um tão nobre destino.
Com teu respaldo o príncipe
seguido pelo filho
na honra dirija o povo para a concorde paz.
Filho de Cronos,
eu te peço um aceno de cabeça:
aprova que o Fenício se aplaque em sua morada,
contém o alarido de guerra do Tírseno,
Lamentando navios por seu desplante,
eles revêem o infortúnio de Cumas.
Que revés!
Do alto dos navios de proa rápida,
seus jovens eram jogados ao mar,
domados pelo senhor de Siracusa
que redimia Hélade da servidão mais dura.
Meu salário será por Salamina
a glória dos Atenienses;
em Esparta cantarei a batalha de Citéron,
derrota para os Medas de arcos recurvos;
mas à margem do Hímera de águas copiosas
cumpro meu hino aos filhos de Dinomedes,
prêmio por seu valor
quando bateram o inimigo.
Se falas o justo no momento justo
e tens as cordas do muito retensas na curva do breve,
a censura dos homens pouco te persegue.
O tédio saciado embota a ávida espera.
No ouvido de cada um,
no coração calado,
pesa a demasia da ventura alheia.
Preferível porém o ciúme à compaixão:
por isso não te detenhas no curso do que é belo.
Preciso no leme, governa o povo,
forjando na bigorna da verdade uma linguagem de bronze.
Uma frívola faísca de nada
avulta, vinda de ti.
Árbitro de muitos, muitos,
- no bem ou no mal -
atestam fiéis os teus atos.
Guarda em beleza a flor do teu caráter.
Se amas sempre ouvir o que é doce de ouvir
não te canses de ser generoso:
como o bom piloto, livra a vela ao vento.
Amigo, não te iluda a isca do lucro fácil.
Aos oradores e poetas
somente o renome além-morte ressoando
revela os fatos dos que foram.
Cresus, alma aberta, não perece.
Mas Fálaris, coração cruel,
torrava suas vítimas no búfalo de cobre;
por toda a parte o ódio cerca sua memória.
Nenhuma lira sob os telhados
nenhuma o recorda,
para o suave acorde das vozes de crianças.
Primeiro bem: boa fortuna.
Segundo: bom nome.
O homem que a ambos recolhe,
colhe a suprema guirlanda.
Haroldo de Campos
Lira de ouro, bem comum
de Apolo e das Musas de trança violeta:
os passos de dança, princípio de júbilo,
te escutam, os aedos
obedecem teu sinal
quando pulsas vibrada os primeiros compassos
dos prelúdios condutores de coros.
Consegues apagar o pontiagudo raio
de fogo semprefluente. Sobre o cetro de Zeus
adormece a águia,
que recolhe de um flanco e de outro suas asas rápidas,
rainha dos pássaros.
Toldas sua cabeça em gancho de uma névoa escura,
doce claustro das pálpebras; possuídas por teus sons
ela crispa no sono o dorso flexível.
E mesmo o violento Ares
rejeitando a rudeza das armas
arrefece o coração que dorme. Sábios,
teus dardos aplacam o íntimo da alma dos deuses
por arte do filho de Latona
e das Musas vestidas de dobras sinuosas.
Porém todos os que Zeus desamou
estremecem ouvindo o clamor
sonoro das Piérides
na terra ou no mar indomável.
Assim aos deuses adverso
Tífon o de cem-testas
jaz, no terrível Tártaro.
Nutriu-o outrora a cilícia
gruta polinome
e agora as escarpas que o mar rebatem
sobre Cumas
e a Sicília
esmagam-lhe o peito de saliente felpa.
O Etna, todo neve, nutriz dos gelos cortantes,
pilar do céu,
o detém.
Fontes de um fogo inacessível
puríssimas rebentam-lhe
da mais interna entranha.
E rios de dia vazam
abrasadas torrentes de fumaça.
E púrpura na treva
uma chama rolando
repulsa ao mar profundo
um tumulto de pedras.
O monstro ali está. Ele é quem jorra
os fachos de Hefesto, aterradores.
Prodígio de se ver. Prodígio ainda
senão de ver, de ouvir de quem já viu.
Assim no Etna entre o píncaro
(folhas negras) e o plaino
preso
ele jaz,
numa cama de pontas
descarnando as costas contrapostas.
Dá-nos, Zeus, a graça de agradarmos
a ti, dominador dessa montanha
fronte e frente de uma terra fértil:
a cidade vizinha um fundador ilustre
ilustrou-a em seu nome
e o arauto o proclamou na arena pítica
celebrando Híeron na corrida de carros
belo de vitória.
Ao navegante principiando a viagem
primeiro prêmio é um vento favorável
que ao cabo prenuncia um propício retorno.
Pensar no que passou promete a esta cidade
por igual um porvir glorioso de corcéis
e coroas de festa
e um nome renomeado em canoros triunfos.
Dono de Lícia e Delos, Febo,
amador da castália fonte do Parnaso,
que este augúrio te agrade e faças desta terra
um solo fértil de heróis.
Da máquina dos deuses
procedem as virtudes dos mortais:
ciência, vigor dos pulsos, fala fácil, tudo
eles engendram.
Meditando o louvor deste herói,
espero não lançar fora da liça
o dardo de brônzeo topo suspenso em minha mão,
mas no extenso arremesso ultrapassar os meus contrários.
Que o restante do tempo lhe promova
um próspero porvir, o pleno dom dos bens
e o olvido das penas.
Ele há de rever-se nas batalhas
- coração de coragem - resistindo,
e pela mão dos deuses vencedor.
Heleno algum colheu igual seara,
orgulhosa coroa de conquistas.
Agora segue o exemplo a Filoctetes
quando se lança à luta. No nó do necessário,
mesmo o soberbo suplica o seu favor.
Quase-deuses heróis (dizem) a Lemnos
vieram e levaram o filho de Póias,
o arqueiro, que uma chaga afligia.
E ele destruiu a cidade de Príamo,
pôs um fim aos trabalhos dos Dânaos:
o destino movia-lhe os membros malseguros.
Assim a divindade
dirija reto Híeron
pelos dias que avançam passo lento,
sempre a tempo lhe dando o que mais queira.
Atende, Musa, e junto a Dinomedes
vem celebrar a esplêndida quadriga
no prêmio de vitória.
Que não se alheia o filho ao júbilo paterno.
Vem, inventa comigo
um canto caro ao soberano de Etna.
Para ele Híeron fundou esta cidade
seguindo à risca os preceitos de Hilos,
com liberdade, divino edifício.
Dorianos,
os descendentes de Pânfilo,
e também os da estirpe de Hércules,
que habitam junto às penhas do Taígeto,
querem preservar perenes os princípios de Egímios.
Levantando-se do Pindo,
afortunados tomaram Amiclas,
agora - profundos de glória -
vizinhos dos Tindáridas de cavalos brancos.
E floresceu a fama da ponta de suas lanças!
Zeus,
perfazedor!
Junto às águas do Amenas,
que a palavra dos homens para sempre assegure
aos cidadãos e aos reis um tão nobre destino.
Com teu respaldo o príncipe
seguido pelo filho
na honra dirija o povo para a concorde paz.
Filho de Cronos,
eu te peço um aceno de cabeça:
aprova que o Fenício se aplaque em sua morada,
contém o alarido de guerra do Tírseno,
Lamentando navios por seu desplante,
eles revêem o infortúnio de Cumas.
Que revés!
Do alto dos navios de proa rápida,
seus jovens eram jogados ao mar,
domados pelo senhor de Siracusa
que redimia Hélade da servidão mais dura.
Meu salário será por Salamina
a glória dos Atenienses;
em Esparta cantarei a batalha de Citéron,
derrota para os Medas de arcos recurvos;
mas à margem do Hímera de águas copiosas
cumpro meu hino aos filhos de Dinomedes,
prêmio por seu valor
quando bateram o inimigo.
Se falas o justo no momento justo
e tens as cordas do muito retensas na curva do breve,
a censura dos homens pouco te persegue.
O tédio saciado embota a ávida espera.
No ouvido de cada um,
no coração calado,
pesa a demasia da ventura alheia.
Preferível porém o ciúme à compaixão:
por isso não te detenhas no curso do que é belo.
Preciso no leme, governa o povo,
forjando na bigorna da verdade uma linguagem de bronze.
Uma frívola faísca de nada
avulta, vinda de ti.
Árbitro de muitos, muitos,
- no bem ou no mal -
atestam fiéis os teus atos.
Guarda em beleza a flor do teu caráter.
Se amas sempre ouvir o que é doce de ouvir
não te canses de ser generoso:
como o bom piloto, livra a vela ao vento.
Amigo, não te iluda a isca do lucro fácil.
Aos oradores e poetas
somente o renome além-morte ressoando
revela os fatos dos que foram.
Cresus, alma aberta, não perece.
Mas Fálaris, coração cruel,
torrava suas vítimas no búfalo de cobre;
por toda a parte o ódio cerca sua memória.
Nenhuma lira sob os telhados
nenhuma o recorda,
para o suave acorde das vozes de crianças.
Primeiro bem: boa fortuna.
Segundo: bom nome.
O homem que a ambos recolhe,
colhe a suprema guirlanda.
Haroldo de Campos
quarta-feira, março 26, 2008
Teógnis: A melhor coisa
A melhor coisa
seria não nascer aqui no mundo,
nem contemplar jamais a luz do sol.
Se alguém nasceu, porém, melhor que viaje
para as portas da Morte, a toda pressa,
e estreitamente envolto pela terra
descanse em paz.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
seria não nascer aqui no mundo,
nem contemplar jamais a luz do sol.
Se alguém nasceu, porém, melhor que viaje
para as portas da Morte, a toda pressa,
e estreitamente envolto pela terra
descanse em paz.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Estesícoro - O Hiperiônide Sol
O Hiperiônide Sol
desceu o Oceano em sua taça de ouro
para alcançar as negras profundezas
da sagrada noite,
e para ir ter com a mãe,
com a legítima esposa e os caros filhos.
O outro, o filho de Zeus, a pé se dirigiu
para a sombra do bosque de loureiros.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
desceu o Oceano em sua taça de ouro
para alcançar as negras profundezas
da sagrada noite,
e para ir ter com a mãe,
com a legítima esposa e os caros filhos.
O outro, o filho de Zeus, a pé se dirigiu
para a sombra do bosque de loureiros.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Teógnis - Do Amor
Jovens, dormi com as moças
de vossa idade, e desfrutai
de labor e delícias amorosas.
Que no banquete soem flauta e canto.
Para homem e mulher, que há de mais sábio?
De que me valem honras e riqueza?
O prazer e a alegria a tudo excedem.
....................................
O amor é amargo e doce, encantador e cruel,
enquanto, ó Cirno, os jovens o pretendem:
doce é alcançá-lo,
mas triste é procurá-lo e não o achar.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos.
de vossa idade, e desfrutai
de labor e delícias amorosas.
Que no banquete soem flauta e canto.
Para homem e mulher, que há de mais sábio?
De que me valem honras e riqueza?
O prazer e a alegria a tudo excedem.
....................................
O amor é amargo e doce, encantador e cruel,
enquanto, ó Cirno, os jovens o pretendem:
doce é alcançá-lo,
mas triste é procurá-lo e não o achar.
Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos.
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