Tanto aquilo que me escreves como o que oiço dizer de ti fazem-me ter boas esperanças a teu respeito: não viajas continuamente nem te deixas agitar por constantes deslocações. Um semelhante deambular é indício duma alma doente: eu, de fato, entendo que o primeiro sinal de um espírito bem formado consiste em ser capaz de parar e de coabitar consigo mesmo.
Toma, porém, atenção, não vá essa tua leitura de inúmeros autores e de volumes de toda a espécie arrastar algo de indecisão e de instabilidade. Importa que te fixes em determinados pensadores,que te nutras das suas idéias, se na verdade queres que algo permaneça definitivamente no teu espírito.
Estar em todo o lado é o mesmo que não estar em parte alguma! Ora a quem passa a vida em viagens acontece ter muitos conhecimentos fortuitos, mas nenhum amigo verdadeiro; o mesmo sucede logicamente àqueles que não se aplicam intimamente ao estudo de um pensador, mas sim percorrem todos de passagem a correr.
Um alimento que mal é ingerido imediatamente é “devolvido”, não aproveita nem dá força ao corpo; igualmente nada prejudica tanto a saúde como a freqüente mudança de medicamentos; uma ferida não cicatriza quando se lhe aplicam tentativamente diversos remédios; uma planta nunca se robustece se continuamente a mudamos de lugar; nada enfim, por muito útil, conserva a utilidade em contínua mudança. Demasiada abundância de livros é fonte de dispersão; assim, como não poderás ler tudo quanto possuis, contenta-te em possuir apenas o que possas ler.
Dirás tu:”Mas sinto vontade de folhear ora este livro, ora aquele.” Provar muita coisa é sintoma de estômago embotado; quando são muitos e variados os pratos, só fazem mal em vez de alimentar. Lê, portanto, constantemente autores de confiança e quando sentires vontade de passar a outros, regressa aos primeiros. Reflete todos os dias em qualquer texto que te auxilie a encarar a indigência, a morte, ou qualquer outra calamidade; quando tiveres percorrido diversos textos, escolhe um passo que alimente tua meditação durante o dia.
É isso que eu mesmo faço: de muita coisa que li retenho uma certa máxima. A minha máxima de hoje encontrei-a em Epicuro (é um hábito percorrer os acampamentos alheios, não como desertor, mas sim como batedor!) Diz ele: “É um bem desejável conservar a alegria em plena pobreza".
E com razão, pois se há alegria não pode haver pobreza: não é pobre quem tem pouco, mas sim quem deseja mais. Que importa o que temos no cofre, ou nos celeiros, quantas cabeças de gado ou quanto capital a juros, se fizermos as contas não ao que possuímos, mas ao que queremos possuir? Queres saber qual a justa medida das riquezas? Primeiro: aquilo que é necessário; Segundo: Aquilo que é suficiente!
[Tradução: J.A.Segurado Campos]
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