A Carlos Baudelaire
(Autor das Flores do Mal)
Ó Carlos Baudelaire! ó poeta impassível!
Fino lábio a sorrir, sob um estranho olhar!
Tua boca descreve o criminoso, o horrível,
Enquanto a tua voz parece só cantar...
Indiferente, vais como a desdém pisando
Um chão de vício e horror,com passo virginal
Na tua mão gantée,trazes,como brincando,
Um sinistro bouquet, a negra flor do mal!
O tétrico - o que faz tremer dentro do peito
O coração dos mais -, poeta, é para ti
Só pretexto talvez dalgum feliz conceito,
Um verso original, uma rima que ri.
Dante do Boulevard,cantas o desespero,
ao som duma ária vã, como um fútil rondó...
Pintor, deixa-nos ver a alma escura de Nero,
Com o negligé e a cor do Boucheau ou Watteau...
Essa fronte de neve, esse crânio de gelo,
Se os estalasse alguém veria, creio eu,
Surgir estranho ser, Byron, Polichinelo,
Confundidos num só, co'a face d'Asmodeu!
É o mal com consciência, e tanta, e tão terrível,
Que cai na afectação, nas frases recocó ...
E esse olhar fixo e estranho e essa fronte impassível:
D’um frio mortal, pior que pranto e dó ...
Sim, descer onde tu desces – na Primavera
Ver só o insecto vil, que rói a bela flor -
(Em despeito do estilo e da rima severa)
Não se faz sem sofrer ... tu conheces a dor!
Tu sabes o que é dor, ó sereno estilista!
Sob o fraque do dandy há em ti, bem o vês,
Um poeta, um leão, um demónio, que o artista
Pode a custo conter, domar, calcar aos pés!
És o símbolo, tu, dum século fantasma,
Tão sábio que é ateu, e já não quer chorar ...
Que tem cãs sem ser velho, e que de nada pasma
Olhando o mundo à luz do gás do Boulevard ...
Somos todos assim - um triste olhar que chora
E encobre, chocarreira, a luneta do tom ...
Um esqueleto frio e horrível – mas por fora
Irréprochablement vestido à Benoiton!...
Paris: dia do enterro de Baudelaire: 7 de Setembro de 1867
[Antero de Quental]
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