sexta-feira, outubro 27, 2023

35 Proêmios da Eneida e mais um pouco (por Beethoven Alvarez)

 Beethoven Alvarez (UFF)

 

Fuga di Enea da Troia. Frederico Barocci. 1598

Tento aqui reunir a mais completa possível coleção de traduções para o português do proêmio da Eneida de Virgílio, ou seja, dos versos 1-11 em que se encontram a proposição temática e invocação às musas. Primeiro, faço uma coletânea de informações sobre as traduções disponíveis na forma de uma lista (as integrais em verso, as integrais em prosa e depois as avulsas que incluem os versos iniciais) e, em seguida, apresento a transcrição dos proêmios dessas traduções (que datam de 1638 a 2023). No final, acrescento notícias, trechos e imagens de adaptações variadas.


Podemos encontrar um panorama histórico e informacional das traduções (em verso e integrais) da Eneida para o português feito pelo professor João Angelo Oliva Neto em sua introdução (p. 55) à edição de 2014 (Editora 34) da tradução de Carlos Alberto Nunes. Lá o professor elenca 11 traduções, de 1638 a 1999, mais ou menos assim:

1. A Eneida de Virgílio foi traduzida para o português pela primeira vez por Leonel da Costa Lusitano, em 1638. A tradução em decassílabos soltos nunca foi, de fato, publicada. O manuscrito autógrafo está hoje na Biblioteca Nacional de Portugal e pertenceu ao poeta e tradutor árcade Antônio Ribeiro dos Santos (Elpino Duriense).

2. Depois, entre 1664-1670, João Franco Barreto publica então pela primeira vez uma tradução do poema virgiliano, mas agora intitulada Eneida portuguesa, composta em oitava-rima. A tradução foi republicada em 1981 com introdução, notas, atualização e estabelecimento do texto de Justino Mendes de Almeida.

3. Outro árcade, Cândido Lusitano (Francisco José Freire) traduziu a Eneida entre 1769 e 1770 em decassílabos não rimados, mas a obra permanece inédita, embora possa ser consultada na Academia das Ciências de Lisboa.

4. Em 1790, em Lisboa, publicam-se as Eneidas de Virgílio em verso livre, de Luís Ferraz de Novaes. É a segunda tradução publicada, e a primeira publicada em decassílabos brancos.

5. A Eneida de António José de Lima Leitão, que integra os dois volumes finais do Monumento à elevação da Colônia do Brazil a Reino e o estabelecimento do Tríplice Império Luso se imprime no Rio de Janeiro em 1818. Composta em decassílabos não rimados, é a primeira impressa no Brasil. Sei que o professor Paulo Sérgio Vasconcellos prepara uma edição da Eneida de Lima Leitão para ser publicada no futuro.

6. Entre 1845 e 1857, vem à luz uma Eneida traduzida por José Victorino Barreto Feio (os 8 primeiros livros) e José Maria da Costa e Silva (que completou o livro 9 e traduziu os demais) em decassílabos não rimados. Organizada por Paulo Sérgio de Vasconcellos, foi republicada no Brasil em 2004.

7. Em 1854, aparece a Eneida brasileira, de Odorico Mendes, em decassílabos brancos, publicada em Paris. Uma segunda edição, com alterações feitas pelo tradutor, vem à luz em 1858. A tradução de Odorico é depois publicada várias vezes no Brasil. As duas versões foram reeditadas recentemente no Brasil: a de 1854, com estabelecimento do texto de Luiz Alberto Machado Cabral, em 2005 (Ateliê Editorial); e a de 1858, com organização de Paulo Sérgio de Vasconcellos, em 2008 (Ed. Unicamp). Possivelmente é a tradução mais conhecida da Eneida no Brasil.

 8. João Félix Pereira verte em 1879 a Eneida, em decassílabos brancos, em Lisboa.

9. A Eneida de Vergilio lida hoje, do português Coelho de Carvalho, é impressa em Lisboa, em 1908. Trata-se de uma tradução em decassílabos em oitava-rima.

10. Em 1981, vem à luz a Eneida, de Carlos Alberto Nunes (pela editora A Montanha) em edição comemorativa do segundo milenário de Virgílio (reeditada em 1983 com coedição da UnB). É a primeira e única tradução em português no metro "original" (em hexâmetros datílicos). Foi republicada em 2014 (Editora 34), em edição bilíngue, com organização, apresentação e notas de João Angelo Oliva Neto.

11. Publica-se em 1993 a tradução de Agostinho da Silva, como parte das Obras de Virgílio. É possível lê-la no site https://en.calameo.com/read/000039711f5828b409b20.

Em um texto de Oliva Neto (2007), já se podia encontrar a coleção textual dos versos 1-7 de sete das onze traduções arroladas até aqui: lá figuram as de Leonel da Costa Lusitano, de Franco Barreto, de Candido Lusitano, de Barreto Feio, de Odorico Mendes, de Carlos Alberto Nunes e de Agostinho da Silva.

Neste post, mais à frente, além de transcrever essas mesmas traduções com a adição dos versos 8-11, acrescento: a de Ferraz de Novaes, que vem da consulta a um exemplar que se encontra na Biblioteca Nacional; a de Lima Leitão, que pode ser consultada no Internet Archive; a de João Félix Pereira, por meio de fotos gentilmente enviadas pelo professor João Angelo; e a de Coelho de Carvalho.

Aumentando a lista das traduções integrais da Eneida em verso, adiciono então:

12. Entre 1845 e 1846, João Gualberto Ferreira dos Santos Reis publica na Bahia três tomos da Eneida de Virgilio, traduzida em verso português e dedicada a D. Pedro II. Embora muito pouco lida hoje, esta foi a primeira tradução publicada no Brasil empreendida por um brasileiro, antes mesmo de Odorico Mendes. A despeito de sua importância, a tradução de João Gualberto é bastante desconhecida.

13. Em julho de 2020, publicou-se a tradução (com introdução e anotações) de Carlos Ascenso André, em Lisboa (Cotovia); uma tradução em verso (livre?) que respeita o “código retórico” do texto latino (p. 28).

14. Em meados de 2022, vem à lume a tradução didática e homossilábica em versos brancos, metrificados (com introdução e notas) de João Carlos de Melo Mota, lançada pela coleção Clássica da editora Autêntica, em muito bem cuidada edição de capa dura.

Na sequência, listo aquelas traduções completas que se publicaram em prosa. Conhecemos as traduções (em prosa e integrais) da Eneida de:

15. Leopoldo Pereira, de 1916. Obra pouco conhecida do professor mineiro, republicada em 1922 (Melhoramentos).

16. Nicolau Firmino, de 1941, tradução literal. Uma “versão portuguesa” destinada à leitura de alunos do Liceu.

17. Giulio David Leoni e Neyde Ramos de Assis, de 1966 (Atena), para a coleção Obras Imortais. Livro de difícil acesso. Agradeço ao professor João Angelo pela disponibilização do texto e por informar que a Ateliê Editorial pretende republicar essa tradução no futuro.

18. Tassilo Orpheu Spalding, de 1981. Tradução que foi largamente reimpressa e republicada. Junto com a de Odorico Mendes, talvez a tradução mais lida no Brasil hoje. Há a suposição recente de que possa ser (pelo menos em parte) uma tradução indireta da tradução francesa de Maurice Rat (1965), como aponta Gonçalves (2020, p. 40-41).

19. David Jardim Jr., de 1988, com estudo introdutivo de Paulo Rónai. Também uma tradução muitíssimo conhecida e reimpressa por fazer parte da coleção Universidade da Ediouro.

20. Em 2003, foi publicada em Lisboa, pela editora Bertrand, uma tradução em prosa feita por professores da Faculdade de Letras de Lisboa:  Luís Manuel Gaspar Cerqueira (cantos I-VI, IX e XII; coordenador), Cristina Abranches Guerreiro (VII e VIII) e Ana Alexandra Tibúrcio L. Alves (X e XI).

Assim, contamos 20 traduções integrais (14 em versos e 6 em prosa) da Eneida em português, que datam de 1638 a 2023.

Além dessas traduções integrais, outros tradutores também se dedicaram a produzir traduções de livros avulsos. Muito útil também para coligir as notícias dessas publicações foram as informações do blog I-Traduções e coisas sobre tradução. Destaco aqui apenas os que traduziram o livro 1, dado que contém o proêmio: 

21. De Elpino Duriense, em 1812, publica-se o Livro 1 dos Eneidos em Poesias de Elpino Duriense. Uma tradução em decassílabos.

22. Maximiano Augusto Gonçalves, em 1960?, publica uma tradução justalinear do primeiro livro da Eneida, num volume cujo título “A Eneida de Virgílio” pode confundir inicialmente.

23. De Domingos Paschoal Cegalla, em 2009, aparece a tradução em prosa dos livros 1-4, num volume fininho com o simples título Eneida.

24. Márcio Thamos, em 2011, traduz o livro 1 em decassílabos numa proporção de 1,4 decassílabo por hexâmetro, num livro que acompanha detalhado ensaio estilístico sobre a linguagem poética da Eneida.

25. Fábio Cairolli, em 2019, publicou em artigo (Rónai, v. 7, n. 2) os 50 primeiros versos da Eneida em redondilhas maiores num esquema estrófico de sextilhas, ao modo da literatura de cordel. Um livro de cordel com os versos 1-222 já circula pela edição do autor e com ilustrações de Vitor Pedroso. Tenho conhecimento de que a tradução do livro 1 já está integral e, em breve, será lançada.

26. Ao mesmo tempo, Fábio Cairolli traduziu o livro 1 também em dodecassílabos, em texto ainda inédito.

Outros professores, tradutores e investigadores experimentaram traduzir trechos da Eneida que incluem os versos 1-11; algumas dessas traduções foram publicadas em livros, coletâneas, dicionários ou artigos ou estão disponibilizadas na internet:

27. Junito Brandão, em 1993 (Vozes), em seu Dicionário Mítico-Etimológico (p. 98), registra sua tradução dos vv. 1-7. 

28. Maria Helena da Rocha Pereira (2005) traduz também os vv. 1-7 para a coletânea que organiza: Romana: antologia da cultura romana (Asa, 2005).

29. Oswaldo Antônio Furlan, em seu Língua e Literatura Latina e sua Derivação Portuguesa (Vozes, 2006), apresenta sua tradução didática dos vv. 1-11 (pp. 269-270).

30. Fábio Frohwein (2012) disponibiliza na internet sua tradução em ordem direta e tradução justalinear dos vv. 1-33.

 31. Pedro F. Heise, em 2017, publica pela Clandestina uma seleção de trechos traduzidos numa espécie de verso livre. Entre eles, estão os vv. 1-296, 418-579, 657-686 e 744-756 do livro 1; todo o livro 2 e 4; trechos do livro 6 e um trecho do 12.

32. Jonathan Azevedo vem traduzindo para sua dissertação de mestrado o livro 8 da Eneida em duplo decassílabo antúnico, aos moldes da tradução em curso da Ilíada, empreendida por Leonardo Antunes. Aqui publico o exercício de sua tradução do proêmio em duplo decassílabo.

33. Rodrigo T. Gonçalves, em 2021, traduziu o proêmio da Eneida utilizando hexâmetros brasileiros (ora chamado de hexâmetro em português, ou hexâmetro bárbaro). Aqui se transcreve sua tradução que está publicada em seu artigo "Panorama de traduções métricas de poesia greco-romana no Brasil", na revista Olho d'água (2022, v. 14.1):

34. O tradutor Matheus de Souza vem traduzindo partes da Eneida utilizando versos bieptassílabos -- mesma prática empregada por André Malta em suas traduções do hexâmetro grego e, mais recentemente, Adriano Aprigliano, em sua tradução do Canto 6 da Eneida (Syrinx, 2019).

35. Beethoven Alvarez faz experimento com uma tradução equívoca (mistranslation), a partir de sua experiência com a tradução homofônica de Louis Zukofsky (Preciso agradecer à minha turma de Estudos de Tradução de 2021/2, do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFF, cujos alunos e alunas contribuíram demais com algumas ideias.). 

Há ainda traduções cujas informações são escassas demais ou de difícil acesso, mas que devem ter incluído a tradução do livro 1. Infelizmente não pude transcrevê-las aqui em virtude da dificuldade de encontrá-las, por isso também não as inseri na lista numerada acima:

-- Tem-se informação de uma tradução brasileira de Salvador de Oliveira Penna, publicada por O Globo, porém não há nenhum outro dado sobre o ano e o modo de tradução. Há um exemplar na biblioteca na UnB, ao qual não tive acesso ainda. Cf. Tuffani (2006).

-- Encontrei referências a uma tradução (que deve incluir o livro 1) em prosa justalinear que data de 1901: A Eneida de Virgilio: Traducção Juxtalinear dos tres primeiros livros para subsidio dos alumnos das escolas, Pernambuco, 1901. Lista-se como anônima muitas vezes, ou assinada “por Almeida Netto, estudante da língua latina”, mas não sei mais do que isso. Cf. Serafim (2009, p. 28).

-- Em Estudos de Litteratura, de Fidelino de Figueiredo (1924, p. 238), no verbete de José Rodrigues Pimentel e Maia, diz-se que este autor traduziu em verso trechos da Eneida e “dos Georgicos” (sic) de Virgílio, em suas Obras Poéticas (Lisboa, 1805-1807).

-- No Diccionario Biographico Portuguez (t. 14, 1884, p. 236), faz-se menção a uma tradução da Eneida de Gaspar Pinto, de 1667. A se considerar o relato que aparece no verbete de José Vaz Pinto de Souza, esta tradução poderia datar de 1624 e ser de autoria conjunta de Gaspar Pinto e seu irmão, José Vaz Pinto de Souza. Poderia ser, portanto, uma tradução anterior à de Leonel da Costa Lusitano, que é considerada a primeira em língua portuguesa. 

-- José F. de Castilho Barreto e Noronha, em sua edição de Manoel Maria du Bocage: Excertos (1867), em seus comentários (p. 294), aponta o árcade Ignácio da Costa Quintela (Jacindo) como “talvez traductor da Eneida”.

Por fim, faço também um elenco de algumas adaptações e recontagens da Eneida de que tenho notícia:


1. A Eneida de Virgílio, adaptação em romance, de Anatole Muriel, de 1928 (Ed. João do Rio).

2. Eneida -- 1º livro, paráfrase comentada do Padre Mílton Luís Valente, de 1944 (Ed. Selbach, Porto Alegre).

3. A Eneida de Virgílio Contada às Crianças e ao Povo, adaptação em prosa de João de Barros, de 1947 (Sá da Costa). A adaptação foi republicada em 2013 (Marcador), como livro recomendado para o 8º ano pelo Plano Nacional de Leitura de Portugal.

4. A Eneida, adaptação de Sérgio Moraes Rego Reis, para a coleção “Clássicos Para a Juventude”, pela Matos Peixoto, 1964.

5. A Eneida de Virgílio, recontado em português por Miécio Táti, de 1970 (Ediouro). O livro apresenta 9 ilustrações (xilogravuras) de página inteira, de Willy, além de 12 pequenas gravuras diferentes no início dos capítulos.

6. A Eneida, narrativas escolhidas. Com passagens extraídas e condensadas por G. Chandon, versão para o português de Ricardo Alberty e com ilustrações de Kuhn-Régnier, publicado em Lisboa, pela Verbo, em 1986.

7. Eneida, tradução e adaptação de Cecília Casas para a coleção infanto-juvenil Revivendo os clássicos, editora Ave-Maria (2002).

8. Eneida: As Aventuras de Enéias, de 2007 (Paulinas). Trata-se da tradução (de José Arrabal) para o português da adaptação italiana de Stefania Stefani (1993), ilustrada por Piero Cattaneo. Para crianças a partir de 7 anos.

9. A Eneida em Cordel, adaptação de Stélio Torquato Lima, publicada em cordel em 2009, depois reunida com mais 11 obras de referência da literatura universal no livro Primas em Cordel (2018), com ilustrações de André Luiz Pinto de Miranda.

10. Lavínia, de Ursula Le Guin, de 2010 (Presença), traduzido para o português do original em inglês de 2008 por Maria do Rosário Monteiro. Trata-se de um romance baseado na Eneida que dá voz à personagem feminina Lavínia para contar sua versão da história.

11. Clássicos universais: Eneida, adaptação (de Cristina Klein) em linguagem simples e adequada ao público infanto-juvenil. Trata-se de um livro (impresso e digital) de 40 páginas, todo ilustrado e muito colorido. Foi publicado em 2012 (Todolivro).

-- Tenho notícia ainda de uma “Interpretação da Eneida de Virgilio”, de Carlos Norris (Lisboa, 1855, 173 páginas).


PEQUENA INFORMAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

 

FERNANDES, Thaís. A literatura latina no Brasil: uma história de traduções. Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.

FERNANDES, Thaís. Virgílio no Brasil. Belas Infiéis, Brasília, v. 7, n. 1, p. 351-373, 2018.

FONDA, Enio Aloisio. João Gualberto Ferreira dos Santos Reis, Tradutor da “Geórgica Brasileira”. Revista de Letras, Araraquara, v. 16, 1974, pp. 105-116.

GONÇALVES, Willamy Fernandes. Contribuição para a história da tradução dos clássicos gregos e latinos no Brasil: traduções de literatura clássica em coleções populares no séc. XX. Translatio, Porto Alegre, n. 18, jul. 2020, pp. 31-62.

OLIVA NETO, João Angelo. A Eneida em bom português: considerações sobre teoria e prática da tradução poética. In: DOS SANTOS, M. et al. (Orgs.). II Simpósio de Estudos Clássicos. São Paulo: Humanitas, 2007, p. 65-88.

OLIVA NETO, J. A. Breve anatomia de um clássico. In: VIRGÍLIO. Eneida. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Organização, apresentação e notas de João Angelo Oliva Neto. São Paulo: Editora 34, 2014, pp. 9-65.

SERAFIM, Joana Faro. Traduções Portuguesas do ‘Pro Archia’ de Cícero. Tese (Doutorado) -- Universidade de Aveiro, Aveiro, 2009.

THAMOS, Márcio. Dido enlouquece de amor (Eneida, IV, 1-89): tradução comentada. Rónai: Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios. Juiz de Fora, v. 7, n. 2, 2019, pp. 107-128.

TUFFANI, Eduardo. Repertório brasileiro de língua e literatura latina. Cotia: Íbis, 2006


AGRADECIMENTOS E NOTA

 

Agradeço ao Rafael Brunhara pelo espaço, pelo estímulo e por toda gentileza, pela indicação da tradução do Pedro Heise e pelo maravilhoso quadrinho que cito no epílogo (sem spoilers); ao Fábio Cairolli, por me permitir publicar suas traduções inéditas e por avisar do outro cordel; ao Jonathan Azevedo, também pela tradução e pela revisão final do texto; ao Márcio Thamos, pelo texto do João Gualberto tão difícil e pelo encorajamento; ao João Angelo, pela inestimável ajuda compartilhando seu conhecimento e todo suporte fornecendo informações preciosas e páginas escaneadas muito raras; ao Paulo Sérgio pelo apoio e pela indicação das tradução de Junito Brandão e Oswaldo Furlan. E a todos a quem importunei para fazer este levantamento.

Naturalmente, minha lista contém falhas e omissões, assim peço a colaboração dos colegas e leitores para que me enviem qualquer complemento, sugestão ou crítica: balvarez@id.uff.br.

 

TRANSCRIÇÃO DAS TRADUÇÕES DO PROÊMIO DA ENEIDA (versos 1-11)

 

A ortografia das passagens abaixo e alguma coisa de pontuação foram atualizadas de modo geral, embora tenha mantido alguns traços de arcaísmo vez ou outra.

1. Leonel da Costa (1638)

     As armas e o Varão insigne canto,

que sendo fugitivo, pelo fado,

primeiro das regiões da Antiga Troia

chegou à Itália e praias de Lavino;

ele nas terras foi mui perseguido

e por força dos Deuses no mar alto,

por amor do furor lembrado sempre

da fera Juno: também muitas cousas

sofreu na guerra, até que edificasse

a Cidade e metesse em Lácio os Deuses,

donde procede a geração Latina,

donde os Padres Albanos e altos muros

da famosa, soberba e altiva Roma.

Conta-me, ó Musa, tu, as causas todas

em qual dos seus poderes ofendido,

ou porque razão Juno dos supernos

Deuses rainhas, doendo-se queixosa,

constrangesse a volver tantos sucessos,

e a sofrer, e passar tantos trabalhos

o Varão que em piedade insigne e grande.

Tais iras há nos ânimos celestes?

 

2. João Franco Barreto (1664-70)

As armas e o varão canto, piedoso,

Que primeiro de Troia desterrado

A Itália trouxe o Fado poderoso,

E às praias de Lavino veio armado;

Aquele que, no golfo tempestuoso

E nas terras, foi muito contrastado,

Por violência dos Deuses e excessiva

Lembrada ira de Juno vingativa.

 

Também farei memória gloriosa

De quanto padeceu (enquanto erguia

A Cidade) na guerra trabalhosa,

E aos Deuses em Lácio recolhia,

Donde procede, em guerra e paz famosa,

Dos Latinos a grã genealogia

E os albaneses padres, nada escuros,

E, da alta Roma, os levantados muros.

 

Tu, Musa, as causas da paixão intensa

Me reduze à memória, pois lembrada

Estás por que respeito ou por que ofensa

A Rainha dos Deuses, magoada,

Quis que um varão de piedade imensa,

Por quem será sua fama eternizada,

Padecesse trabalhos tão continos.

Tantas iras em ânimos divinos!

 

3. Francisco José Freire (Cândido Lusitano) (1769-70)

      Armas canto e o varão que por decreto

Dos altos Fados, prófugo de Troia,

Chegou primeiro a Itália e de Lavino

Pisou as praias. Ele, combatido

Da terra e mar, assaz sofreu exposto

Das deidades às forças e às cruéis iras

De Juno, que da ofensa não se esquece.

Muito também sofreu em duras guerras,

Para fundar cidade e dar aos deuses

Novo assento no Lácio; donde a estirpe

Latina origem traz, a gente albana,

E d’alta Roma os formidáveis muros.

 

4. Luís Ferraz de Novaes (1790)

As armas canto, canto aquele herói,

Que andando pelo fados vagabundo,

Distante da sua pátria, foi primeiro

Que para Itália, das regiões de Troia,

Veio, e também Lavínias paras as praias:

Foi muito fatigado pelas terras,

Foi muito combatido pelos mares,

Por vontade dos deuses, pelas iras

Da grande Juno, que inda lhe lembravam.

E também padeceu muitos trabalhos,

Nas guerras contra Turno, enquanto Troia,

Lauro Lavínio, ou Roma edificava,

E metia os Penates em Itália:

Donde vêm os Latinos, donde Albanos

Os reis, donde as muralhas d’alta Roma.

      Musa, as causas me ensina; em que ofendido

O nume, de que, doendo-se a rainha

Dos deuses, fez que Eneias na piedade

Insigne, se envolvesse em tantos casos,

E tão grandes trabalhos padecesse:

Tantas iras os deuses têm celestes!


5. Antonio José de Lima Leitão (1819)

Canto as armas e o herói que veio à Itália,

Pelos fados, de Troia repelido,

E o primeiro pisou Lavínias margens,

Muito o agitou a Sorte em mar, em terra,

E Juno impia recordando fúrias;

Muito em guerras sofreu para no Lácio

Dar pátria aos deuses seus, erguer seus muros,

De lá vêm de Alba a gente, a Ausônia estirpe,

E o fulgor imortal da ínclita Roma.

Musa, conta-me tudo e por que ofensa

Dos deuses a rainha a herói piedoso

Arrastasse e envolvesse furibunda

Por tantos riscos, por trabalhos tantos.

Que império as iras tem mesmo entre os numes?

 

 

6. José Victorino Barreto Feio e José Maria da Costa e Silva (1846-57)

Eu canto as armas e o varão primeiro

que, prófugo de Tróia por destino

à Itália e de Lavínio às praias veio.

Muito por mar e terra contrastado

Foi do poder dos numes, pelas iras

Esquecidas jamais da seva Juno:

Muito sofreu na guerra, antes qu’em Lácio

Cidade erguesse e introduzisse os deuses:

D’onde a gente Latina origem teve,

D’Alba os padres, e os muros d’alta Roma.

      As causas tu me conta, ó musa; dize

Por que lesa deidade, ou de qu’ultraje,

A rainha dos deuses ressentida,

Passar por tantos casos da fortuna,

Tantos trabalhos arrostar faria

Um barão na piedade assinalado.

Cabe em peitos celestes ira tanta?

 

7. Manuel Odorico Mendes (1854)

Armas canto, e o varão que, lá de Tróia

Prófugo, à Itália e de Lavino às praias

Trouxe-o primeiro o fado. Em mar e em terra

Muito o agitou violenta mão suprema,

E o lembrado rancor da seva Juno;

Muito em guerras sofreu, na Ausônia quando

Funda a cidade e lhe introduz os deuses:

Donde a nação latina e albanos padres,

E os muros vêm da sublimada Roma.

Musa, as causas me aponta, o ofenso nume,

Ou por que mágoa a soberana deia

Compeliu na piedade o herói famoso

A lances tais passar, volver tais casos.

Pois tantas iras em celestes peitos!

 

8. João Felix Pereira (1879)

     Batalha canto e o intrépido guerreiro,

Que pelos fados veio perseguido

De Troia à Itália, até lavínias praias;

Muito acossado sobre o mar e a terra,

P’la força irresistível do destino

E ira constante da inclemente Juno;

Em guerra atroz tãobem muito sofrendo,

Até que edificou uma cidade,

Seus numes recolhendo assim no Lácio.

Ajuntarei a isto, qual a origem

Da latina progênie, albanos padres

E das muralhas da sublime Roma.

     Ó musa, dize-me que nume ofenso

Ou que injúria à rainha das deidades

Suscitaram a homem homem tão piedoso

Trabalhos e infortúnios tão seguidos.

Em animos celestes, iras tantas!

 

9. Coelho de Carvalho (1908)

Tremendas guerras e o varão lançado

De Troia pela força do Destino,

Que, em fuga, à Itália veio, onde há passado,

Primeiro que outro, às praias do Lavino,

Agora vou cantar: -- e fora muito

O que, em terra e no mar, o atribulara,

Por violência de numes; que, ao intuito

Do seu rancor, cruel Juno os levara:

 

E não menor a luta, suportada

Depois por ele, até que conseguisse

No Lácio ter cidade levantada,

Por onde os seus Penates induzisse;

Cidade prometida, em cujo seio

Se gerou a imortal raça latina,

Da qual a estirpe albânica proveio,

E Roma excelsa que o provir domina!

 

Dize-tu, Musa, que o meu estro inspiras,

Que foi que originou na divindade

Ressentimento tal, tamanhas iras,

Que ao homem que era insigne de piedade,

Oh deuses! aos baldões da sorte dura

Fizestes vós andar; e assim lhe destes

Trabalhos tais e tantos! Pois a escura

Névoa de ódios ensombra almas celestes?!

 

10. Carlos Alberto Nunes (1981)

As armas canto e o varão que, fugindo das plagas de Troia

por injunções do Destino, instalou-se na Itália primeiro

e de Lavínio nas praias. A impulso dos deuses por muito

tempo nos mares e em terras vagou sob as iras de Juno,

guerras sem fim sustentou para as bases lançar da cidade

e ao Lácio os deuses trazer - o começo da gente latina,

dos pais albanos primevos e os muros de Roma altanados.

Musa!, recorda-me as causas da guerra, a deidade agravada;

por qual ofensa a rainha dos deuses levou um guerreiro

tão religioso a enfrentar sem descanso esses duros trabalhos?

Cabe tão fero rancor no imo peito dos deuses eternos?

 

11. Agostinho da Silva (1999)

Sou eu aquele que em passado tempo

meu canto confiei à frágil frauta

e levei a que campos meus vizinhos

ao desejo do dono obedecessem,

que bom trato agradasse ao camponês.

Sou eu agora quem celebra em canto,

nos horrores das armas de Mavorte,

o varão que primeiro veio de Troia

à nossa Itália, às praias de Lavínia,

em fuga obedecendo a seu destino,

bem batido por mares e por terras,

pela divina força dos de cima

e por ira tenaz da crua Juno,

tanto sofrendo em guerra até fundar

a cidade que é sua, até trazer

ao Lácio os deuses, e, daí provinda,

a raça dos Latinos, avós de Alba,

depois muralhas da famosa Roma.


12. João Gualberto Ferreira dos Santos Reis (1845)

As armas e o varão canto que à Itália,

Pelos rigores prófugo do Fado

Das troianas regiões primeiro veio

E às praias de Lavino, aquele mesmo

Que por força dos deuses e guardada

Ira da cruel Juno perseguido

Mais que muito se viu por mar e terra,

Que males mil sofreu também na guerra

Té que a cidade edificasse e ao Lácio

Os errantes Penates induzisse:

Donde a gente latina e albanos padres

E os muros procederão d’alta Roma.

 

        Musa, as causas me lembra: por que Nume

Ofendido ou de que pungente afronta,

A Rainha dos Deuses ressentida

A um varão tal, insigne em piedade,

Tantas desgraças percorrer fizera

E obrigara a sofrer trabalhos tantos.

Rancor tamanho em ânimos celestes?

 

13. Carlos Ascenso André (2020)

Canto as armas e o guerreiro, o primeiro que, de terras de Troia,

em fuga aos fados, alcançou Itália e as praias

de Lavínia, sem tréguas baldeado por terra e por mar,

por obra dos deuses, em razão da fúria sempre viva da terrível Juno;

e que também muitas tormentas em guerra padeceu, até fundar a cidade

e introduzir os deuses, de onde vêm a nação latina

e nossos pais albanos e as altas muralhas da grande Roma.

 Tu, ó Musa, traz-me à lembrança as razões por que se ofendeu a deusa

ou por que dor a rainha dos deuses lançou na convulsão de tantos infortúnios

e no confronto com tantos padecimentos varão de tão grande piedade.

Tamanha é a raiva no coração dos deuses do alto?


14. José Carlos de Melo Mota (2022) 

Canto armas e herói que, primeiro, das praias de Troia,
chegou à Itália, acossado do destino, e aos litorais
de Lavínia; em terra e mar, muito foi revolteado,
obra dos De-Cima e a ira lembradora de Juno;
e em guerra sofreu muito, até fundar a cidade,
e introduzir deuses no Lácio, de onde a gente Latina
e os chefes Albanos e os muros de Roma altiva.
Musa, me lembra as razões, por qual deidade ofendida,
ou doída com quê, a mor deusa, a tantos males voltear
o herói ilustre em piedade, a enfrentar tantas labutas.
tenha impedido. Há ira tamanha em corações celestiais?

 15. Leopoldo Pereira (1916)

Eu canto as armas e o herói que primeiro, impelido pelos fados, arribou, fugitivo das plagas troianas, ao litoral de Lavínio, na Itália. Muito ele sofreu por mar e por terra, perseguido pelos deuses, que a ira sempre lembrada de Juno contra ele excitava: muitos trabalhos passou também na guerra, para fundar uma cidade e ao Lácio transferir seus deuses, origem donde procedem a nação latina, os chefes albanos e as muralhas da soberba Roma.

            Musa, lembra-me as causas, a divindade ofendida, e por que mágoa a rainha do deuses obrigou um varão de tão insigne piedade a correr tantas aventuras e afrontar tantos trabalhos. Pois tantas iras em almas celestes?

16. Nicolau Firmino (1941)

-- Canto as armas e o varão (Eneias) que, fugitivo, pelo destino, (foi) o primeiro (que) veio das costas de Troia para a Itália e para as praias de Lavínio. Aquele foi muito agitado não só nas terras, como também no mar, pela violência dos deuses e por causa da ira memorável da cruel Juno. E sofreu também muitas (afrontas) pela guerra, quando construía a cidade e introduzia os deuses no Lácio, donde (procedem) a raça latina e os pais albanos (os reis de Alba) e os muros da altiva Roma.

-- Ó musa, recorda-me as causas: ferido que deus (por causa de qual deus ofendido), ou (de) que ressentida a rainha dos deuses, obrigou um varão insigne pela piedade a correr tantas aventuras, a ir ao encontro de tantos trabalhos. Tamanhas iras (cabem) nos ânimos celestes?

 

17. Giulio David Leoni e Neyde Ramos de Assis (c. 1965)

            Eu canto as armas e o herói que, primeiro, proscrito pelos fados, veios da costa de Troia para a Itália e as praias de Lavínio. Ele muito sofreu em terra e no mar, por vontade dos deuses celestiais, por causa do rancor da cruel Juno. Também guerreou e muito padeceu para fundar Lavínio e transportar ao Lácio os seus Penates. Essa foi a origem da raça latina e dos albanos, nossos ancestrais, e das muralhas da excelsa Roma.

Musa, lembra-me as causas deste fato: em qual dos seus desígnios divinos a rainha dos deuses sentiu-se lesada, ou que coisa a magoou para que ela impelisse um homem tão piedoso a sofrer tantas desventuras, a afrontar tantas fadigas? Pode acaso existir tanta ira nas almas divinas?


18. Tassilo Orpheu Spalding (1981)

Canto  os  combates  e  o  herói  que,  por  primeiro,  fugindo  do  destino, veio das plagas de Troia para a Itália e para as praias de Lavínio. Longo tempo  foi o  joguete,  sobre a  terra  e sobre  o mar,  do  poder dos  deuses superiores,  por  causa  da  ira  da  cruel  Juno;  durante  muito  tempo, também,  sofreu os  males  da guerra,  antes  de fundar  uma  cidade e  de transportar seus deuses para o Lácio: daí  surgiu a raça latina e os pais albanos e as muralhas da soberba Roma.

Musa, lembra-me as causas: que divindade foi ofendida ou por que a rainha dos deuses, ressentida, obrigou um varão insigne pela piedade a correr tantas aventuras, a sofrer tantos trabalhos? Tão grandes iras existem nos ânimos celestes!


19. David Jardim Jr. (1988)

Canto as armas e o varão que, expulso pelo destino das praias de Troia para a Itália, chegou primeiro ao litoral da Lavínia. Por muito tempo, na terra e no mar, esteve à mercê dos deuses superiores, incitados pela ira sempre lembrada da cruel Juno. Muitas provações, também, sofreu na guerra, para fundar uma cidade e trazer os seus deuses ao Lácio. Daí saíram o povo latino, os antepassados albanos e as muralhas da poderosa Roma.

            Faze-me lembrar, ó Musa, as causas, que divindade foi ofendida e porquê, incitada, a rainha dos deuses fez com que sofresse tantos perigos e enfrentasse tantos trabalhos um varão insigne pela piedade. Pois tanta ira em corações celestes?


20. Luís M. G. Cerqueira, Cristina Abranches Guerreiro e Ana Alexandra Tibúrcio L. Alves (2003)

Canto as armas e o varão que nos primórdios veio das costas de Troia para Itália e para as praias de Lavínio, fugitivo por força do destino, e muito padeceu na terra e no mar por violência dos deuses supernos, devido ao ressentimento da cruel Juno; muito também sofreu na guerra, até fundar uma cidade e introduzir os deuses no Lácio; daqui provêm a raça Latina, os antepassados albanos e as muralhas da grandiosa Roma.

Musa, lembra-me as causas, por que razão ressentida, devido a que ofensa aos seus desígnios terá a rainha dos deuses forçado um varão notável pela sua piedade a sofrer tantas provações e a enfrentar tantas dificuldades. Tão grandes cóleras têm os espíritos supernos?


21. Elpino Duriense (1812)

Canto as hórridas armas de Mavorte,

E o varão, que dos fados perseguido

Lá desde as regiões de Troia

Primeiro veio, e às praias de Lavínio.

Ele muito na terra e no mar alto

Foi por força dos deuses combatido,

Por causa do rancor, nunca esquecido

Da fera Juno: muitas coisas duras

Sofreu na guerra, até que edificasse

A cidade e entregasse ao Lácio os deuses,

Donde procede a geração latina,

E os albaneses padres e as muralhas

Da altiva Roma. Tu me conta, Musa,

A[s] causas, qual dos numes ofendido

Foi por ele, ou por qual razão sentida

A rainha dos deuses tão piadoso

Varão forçou por tantas desventuras

A passar e a sofrer tantos trabalhos:

Tais iras há nos ânimos celestes!

 

22. Maximiano Augusto Gonçalves (1960?)

Canto as armas e o varão que, impelido pelo destino, veio primeiro pelas plagas de Troia para a Itália, e para os litorais lavínios, ele (foi) muito perseguido não só nas terras mas também no (alto) mar pela violência dos deuses, (e) pela ira lembrada da cruel Juno, e sofreu também muitas coisas pela guerra, enquanto fundasse uma cidade e levasse (transferisse) os (seus) deuses para o Lácio, donde (provieram) a raça latina e os chefes albanos e as muralhas da alta (soberba) Roma. Ó Musa, lembra-me as causas por que divindade ofendida ou de que ressentida a rainha dos deuses obrigou um varão ilustre pela piedade a correr tantos perigos, (e) enfrentar tantos trabalhos. Porventura tão grandes iras (existem) nos ânimos celestes?


23. Domingos Paschoal Cegalla (2009)

Canto as lutas e o herói que, forçado pelo destino a fugir do solo pátrio, partiu das praias de Troia e chegou primeiro a Lavínio, litoral da Itália. Muito o maltrataram, em terra e mar, as forças celestes, por causa do ódio da impiedosa Juno. Muito também sofreu na guerra, enquanto edificava uma cidade e introduzia no Lácio os deuses de Tróia: essa é a origem do povo latino, de nossos ancestrais albanos e da altiva e inexpugnável Roma.

Dize-me, ó musa, por que a amargurada rainha dos deuses, contrariada em seus desejos, foi levada a desencadear sobre um varão de insignes virtudes, submetendo-o a tantos trabalhos e provações? Há tanta cólera assim no coração dos deuses?

 

24. Márcio Thamos (2011)

As armas e o varão primeiro eu canto,

aquele que o destino pôs em fuga,

e que do litoral de Troia veio

até a Itália, às praias de Lavínio.

Ao mar e a outras terras muitas vezes

a violência dos deuses o lançou

por causa do rancor cruel de Juno.

E muito ele sofreu também na guerra

até poder fundar uma cidade

e transferir seus deuses para o Lácio:

donde a raça latina e os pais albanos,

donde as muralhas da altaneira Roma.

Ó Musa, agora as causas me recorda:

a rainha dos deuses, que sentiu?

Em que se lhe ofendeu a divindade

para impor ao varão piedoso e ilustre

tantos esforços e perigos tantos?

Quanta ira em espíritos celestes!

 

 

25. Fábio Cairolli (2019)

I

Canto as armas e o varão

Que de Troia se mandou,

Para a Itália e pro Lavino

O destino lhe arrastou,

Na água e em terra viu problema

Que o rancor da mão suprema

De uma deusa lhe causou.

 

II

Foi por Juno, a mais cruel,

Que tantos males sofreu,

Teve que lutar mil guerras

Pra salvar os deuses seus

E no Lácio os pais albanos

E os grandes muros romanos,

Tão soberbos, ele ergueu

 

III

Musa, me relembra agora

Qual dos deuses se ofendeu,

O que fere a mãe dos deuses

Que um tal homem constrangeu,

De tamanha piedade.

Diz pra mim se tal maldade

Em algum deus já sucedeu!

 

26. Fábio Cairolli (2020)

Armas canto e o varão que da praia de Troia

Antes, prófugo, à Itália, por fado, e ao Lavínio

Veio, muito jogado por terras e mares

Por força do alto e Juno lembrando com raiva,

E até passou por guerras pra fundar a Urbe

E ao Lácio trazer deuses; dele vem a gente

Latina e os pais albanos e os muros de Roma.

Musa, lembra-me as causas, que nume se ofende,

O que dói pra que a deusa envolva em tanto acaso

Varão insigne na piedade e tais trabalhos

Lhe imponha. Existe um tal furor em ser do céu?

 

27. Junito Brandão (1993) (traduziu apenas 1-7)

 

Canto as armas e o herói que, por primeiro, impelido pelos fados,

arribou das plagas troianas ao litoral de Lavínio, na Itália.

Muito padeceu em terra e no mar pela violência dos deuses

em função do ressentimento da cruel Juno. Muito sofreu também

na guerra para fundar uma cidade e transferir para o Lácio

os seus deuses, donde procedem a raça latina, os ancestrais albanos

e as muralhas da altaneira Roma.

 

28. Maria Helena da Rocha Pereira (2005) (traduziu apenas 1-7)

Canto as armas e o varão, o primeiro que, das plagas troianas          

perseguido pelo destino, aportou à Itália e às praias de Lavínio

tão acossado em terra e mar pelo poder

dos deuses das alturas, devido à ira desperta de Juno cruel,

e sofreu também muito na guerra, até fundar a cidade

e trazer os deuses para o Lácio. Daí vem a raça latina,

os nossos pais Albanos e da alta Roma as muralhas.

 

29. Oswaldo Antônio Furlan (2006)

Canto as armas e o varão (Enéias), que, movido pelo destino a fugir, veio, por primeiro, das orlas de Tróia para o litoral de Lavínia, na Itália. Ele passou por muitas peripécias, tanto em terras quanto em (alto-)mar, por causa da violência dos deuses e da ira inesquecível da cruel Juno. Ele padeceu muito também na guerra, até que fundou Roma e introduziu os deuses no Lácio, donde (procedem) a raça latina e os antepassados albanos (os reis de Alba Longa), bem como as muralhas da altiva Roma.

Ó Musa (Calíope), recorda-me as causas: lesado qual nume ou doendo-se do quê, a rainha do deuses (Juno) impeliu um varão insigne pela piedade a passar tantas desgraças, a enfrentar tantos sofrimentos. Acaso tamanhas iras (cabem) em espíritos celestes?

 

30. Fábio Frohwein (2012)

Canto as armas e o varão, que, banido pelo destino,

veio primeiro da região de Troia

para a Itália e para o litoral da Lavínia,

ele, muito perseguido pela força dos deuses

por terra e por mar,

por causa da persistente ira da cruel Juno,

suportou também muitas coisas na guerra,

até que fundasse uma cidade

e levasse os deuses para o Lácio;

de onde [surgiram] a raça latina

e os antepassados albanos

e as muralhas da poderosa Roma.

Musa, lembra-me as causas,

por qual divindade ofendida

ou por que a rainha dos deuses, afligindo-se,

impeliu um varão insigne pela piedade

a volver tantas desgraças,

empreender tantos sofrimentos.

Tamanhas iras nos espíritos divinos?

 

31. Pedro F. Heise (2017)

As armas e o varão eu canto, aquele que, primeiro, exilado da costa

de Troia, chegou por destino à Itália e aos litorais de Lavínio,

ele que foi muito atirado a terras e mares pela força

dos deuses celestes, por causa da cruel Juno com sua rancorosa ira,

e sofreu muito na guerra, até fundar uma cidade

e introduzir seus deuses no Lácio, de onde vêm a raça latina,

os pais albanos e as muralhas da alta Roma.

      Musa, lembra-me as causas: que divindade foi ofendida

ou por que a rainha dos deuses, aflita, impeliu

o varão insigne por sua devoção a passar por tantas desventuras,

a enfrentar tantas dificuldades. Nos espíritos celestes tamanha é a ira?


32. Jonathan Henrique (2020)

Canto armas e o varão que, por questões

do fado, após expulso para Itália

do litoral troiano, foi o primeiro

as águas de Lavínio a alcançar.

Por uma força ilustre e pela fúria

sempre lembrada e perversa de Juno,

ele foi diversas vezes lançado

não só às terras mas também aos mares;

na guerra muita coisa suportou,

com o intuito de fundar uma urbe

e conduzir os deuses para o Lácio,

donde se originam latinas gentes,

o largo muro da elevada Roma,

além dos antepassados albanos.

 

Musa, à memória minha torne claras

as causas pelas quais, injuriada,

ou por ferido orgulho dominada,

a divinal rainha sujeitou

o piedoso e mui ilustre varão

a se envolver em variados riscos,

a se incumbir de variados ônus.

A ira celestial era tamanha?

 33. Rodrigo T.Gonçalves  (2021)

 Armas e o homem eu canto, que de Troia, primeiro,
para a Itália, do fado fugindo, chegou às Lavínias
costas, ele que, muito arrastado por terras e mares
pelo vigor dos súperos e ira de Juno selvagem,
muito sofreu na guerra até que fundasse a cidade
e introduzisse os deuses no Lácio, donde os latinos,
vêm, e os pais albanos, e as altas muralhas de Roma.
Musa, me as causas relembra, qual nume fora ofendido,
quanto doeu-se a rainha dos deuses tal que a tamanhos
infortúnios um homem tão piedoso, e labores
impelisse. Há tanta ira nas almas celestes?


34. Matheus de Souza (2021) (traduziu apenas os versos 1-7):

Armas eu canto e o varão que, exilado do Destino,
parte das praias de Troia à Itália e costa Lavínia,
ele que há muito é lançado na terra e no mar por força
dos deuses e da lembrada fúria de Juno selvagem;
muito sofreu nas batalhas até fundar a Cidade
e os deuses trazer ao Lácio, de onde a estirpe latina
e os patriarcas albanos e altas muralhas de Roma.


35. Beethoven Alvarez (2023)

Arma vira um quê? Cano? Troia, e que primos! Ah, Bóris!
e talham o fato pró funghus: Lavínia que vende;
li "tora", mui deletério, já que, Tato, cê tá alto,
vi super um "sai, uai!", memo, reuniões... Oh, Bírã!
Multa, coqüete, Belo, passos dum conde returbem.
Inferético deus late, oh, gnus, um de lá, Tino, um.
Albânico e pá, três, ático, e alta e mói em aroma, e...
Mussa mirre calças, memorar co'o nume e Elai, sô,
'cu' e doendo-lhes, Regina deu um todo, ou, ué, era 'cá', sus!
Insigne em pietá te viro um todo Adir, e lá, Bóris,
empoleira-te. Tanta inânim' isca e leste 'bus', e 'rye'?

 Como uma espécie de bônus, transcrevo a paráfrase (interpretatio) em latim do Pe. Milton Valente (1944):

[...] cano bella et hominem, qui pulsus fatis, primus venit e regione Troiana in Italiam, et ad Laviniam litus.

            Ille multum agitatus fuit terra et mari, per potentiam deorum et propter iram memorem crudelis Iunonis. Multa quoque toleravit praeterea in bello, donec fundaret urbe, et induceret deos in Latiu; ex quo facto populus Latinus, et cives Albani, et muri altae Romae orti sunt.

            O Musa, suggere mihi causas earum rerum: que deorum violato, vel quo scelere offensa regina coegerit hominem pietate illustrem agitari tot calamitatibus, et suscipere tot labores.

            Tantusne furor inest mentibus divinis?


E o início da adaptação em cordel de Stélio Torquato Lima (2009):

 

Que Deus me ajude a cumprir

Um trabalho nada fácil:

Retratar com precisão

E com um estilo grácil

As lutas do herói troiano

Pela conquista do Lácio.

O heroico e bom troiano

Tinha o nome de Eneias.

Os deuses o celebravam

Nas imortais assembleias.

É ele o protagonista

De uma das epopeias.

Eneida é essa obra

(De Virgílio é a autoria).

Com as obras de Homero,

Forma uma trilogia:

Nas três, a Guerra de Troia

Se revela em poesia.

 

Adicionando uma camada intersemiótica, reproduzo:

-- a ilustração (xilogravura) da fuga de Eneias feita pelo desenhista Willy para a recontagem de Miécio Tati (1970):

 


-- a capa de A Eneida: Narrativas Escolhidas, com ilustrações Kuhn-Régnier (1986):



-- a capa (no estilo dos desenhos de Conan de Frank Frazetta) da coleção Revivendo os Clássicos (2002):


-- a xilogravura de Vitor Pedroso que ilustra a capa da Eneida em Cordel, de Fábio Cairolli (2020):


 -- e a Dido ruiva do Belli Studio (Blumenau) da adaptação infanto-juvenil da Todolivro (2012):


 

A título de epílogo epigráfico, encerro esse compilado com a citação (parafraseada) de um textinho do professor Sávio Soares de Souza publicado no jornal niteroiense O Fluminense, em 20/05/1962 (p. 6, 1º caderno). Após fazer um breve elogio dos versos da Eneida, o professor encerra seu texto assim:

 

“Chego a imaginar, sobre uma tela panorâmica, a primeira legenda:

 

Arma virumque cano’... -- um filme de P. Virgílio Maro -- Metro Goldwyn Mayer”

 

Sávio imaginou em 1962 uma adaptação da Eneida para as telonas. Talvez ele não soubesse ainda que naquele mesmo ano o diretor e roteirista Giorgio Rivalta lançava o longa italiano La Leggenda di Enea (“A Lenda de Eneias”), que é uma adaptação fílmica da parte final da história já em solo italiano com um Eneias interpretado por Steve Reeves. Curiosamente, o título da película em inglês foi Avenger (o filme está integralmente disponível no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=shyyZfgtzhY), que é semelhante ao título da aclamada franquia atual de filmes de super-heróis The Avengers (Os Vingadores), dos Estúdios Marvel. 

 

Depois de 1962, parece realmente que não houve muitas adaptações da Eneida para o cinema; contudo, diante da semelhança dos títulos, quase sessenta anos depois...

 

Chego a imaginar, sobre uma tela widescreen, a primeira legenda:

 

“O Vingador de Troia -- um filme de Virgílio e Joss Whedon -- Marvel Studios”

 

Curioso é que isso, por mais estranho que pareça, não seria tão impossível. Em novembro de 1974, na revista em quadrinhos da editora Marvel Thor Annual Vol. 1 #8 (que não acredito que tenha sido publicada depois no Brasil), já ocorrera o improvável encontro entre Thor e… Eneias:


THOR: Porventura, isto seria vosso… ou meu mesmo?

ENEIAS: Ha! Com certeza, seu loiro engraçado… cujo jeito de falar é tão estranho quanto sua armadura. Zeus é o rei de todos os deuses. Eu sei quem você é, mas eu sou Eneias, aliado de Príamo, rei de Ílio… que também se chama Troia.

THOR: Tantos nomes… e eu não tenho nenhum.


Eneias ainda aparece mais 12 vezes nas histórias de Thor e no especial Trojan War Vol. 1 #1-5, além de ser mencionado outras 2 vezes, segundo o site Fandom. Num desses encontros, o deus do trovão disse ao troiano:

 

“I come to say farewell...yet somehow, I feel that, whate'er may be the fate of this city thou dost defend... ...we two shall meet again.”

 

“Eu vim para dizer adeus… porém, de alguma forma, sinto que, seja qual for o destino desta cidade que tu defendes… nós dois vamos nos encontrar de novo.”

 

Ou seja, ainda resta esperança. Quem sabe agora, sobre uma TV 4K, não vejamos a primeira temporada de:

 

“Thor e o Soldado Troiano -- uma série da Disney+”



Um comentário:

Carlinda disse...

Excelente trabalho de história externa do texto poético.
No Brasil se faz pouco esse tipo de trabalho, que é uma mina de informações, campo para percepções do que o texto diz, omite (intencional ou inintencionalmente), sugere, explica, confunde, inventa, dessela... Adorei!
Muito generoso da parte do Beethoven disponibilizar um rol de fontes prontinhas, arrumadinhas, referenciadas, da origem até a atualidade. Além do mais, o trabalho convida ao diálogo, a complementações e a outras explorações, como os desenvolvimentos transmidiáticos, sendo o último, quem sabe, uma premonição.
Além do âmbito da tradução comparada, os estudos tematológicos têm muito a ganhar com garimpagens deste tipo, pois elas expõem o material previamente selecionado à livre observação, em painel, de acordo com a astúcia, a especialidade, a intuição crítica do leitor.
Em tempo: A ideia da série também é muito boa!