sexta-feira, setembro 22, 2023

O poema - João Cabral de Melo Neto

 A tinta e a lápis

escrevem-se todos

os versos do mundo.


Que monstros existem

nadando no poço

negro e fecundo?


Como o ser vivo

que é um verso,

um organismo


com sangue e sopro,

pode brotar

de germes mortos?


O papel nem sempre

é branco como

a primeira manhã.


É muitas vezes

o pardo e o pobre

papel de embrulho;


é de outras vezes

de carta aérea,

leve de nuvem.


Mas é no papel,

no branco asséptico,

que o verso rebenta.


Como um ser vivo

pode brotar

de um chão mineral? 


O Engenheiro (1942-1945) in: SECCHIN, A.C. (org.) João Cabral de Melo Neto - Poesia Completa, Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020. 

segunda-feira, setembro 18, 2023

Catulo, 9 - QuatroTraduções

Verani, omnibus e meis amicis
antistans mihi milibus trecentis,
venistine domum ad tuos penates
fratresque unanimos anumque matrem?
venisti. o mihi nuntii beati!
visam te incolumem audiamque Hiberum
narrantem loca, facta nationes,
ut mos est tuus, applicansque collum
iucundum os oculosque suaviabor.
o quantum est hominum beatiorum,
quid me laetius est beatiusve?

Verânio, dos amigos o primeiro,
de todos os trezentos mil que tenho,
voltaste a tua casa, a teus Penates,
irmãos (um coração) e idosa mãe?
Voltaste. Ah, que notícia tão feliz!
Vou te ver são e salvo e ouvir contares
feitos, lugares, povos lá da Ibéria
com teu jeito e, chegando a ti meu rosto,
teu lábios belos vou beijar e os olhos.
Ó quantos homens vivam tão felizes,
quem mais que eu é alegre ou feliz?

[Tradução de João Angelo Oliva Neto in O Livro de Catulo, São Paulo: Edusp, 1996]


Verânio, que de todos os meus trezentos mil
amigos és o primeiro,
regressaste tu a casa, aos teus Penates,
aos teus adoráveis irmãos e à tua velha mãe?
Regressaste! Ó felizes novas!
Visitar-te-ei são e salvo, e ouvir-te-ei falar
dos lugares, dos feitos, das gentes iberas,
como é teu uso, e tomando-te o pescoço,
a boca alegre e os olhos te beijarei.
Ó, de todos os homens felizes do mundo,
há algum mais alegre e feliz do que eu?

[Tradução de José Pedro Moreira e André Simões in Catulo. Carmina. Lisboa: Cotovia, 2012]

Verânio, dos amigos todos meus, 
Acima estando duns trezentos mil, 
Tu voltaste à casa, aos penates teus,
 Aos irmãos em alma, e à anosa mãe? 
Voltaste! Oh, que notícia mais feliz! 
Vou te ver com saúde e ouvir do ibero
 Povo, feitos, terras, as narrativas, 
Como costumas; e, inclinando o rosto, 
A linda face e os olhos vou beijar. 
Ó, quantos homens haverá felizes 
Mais contentes do que eu ou mais felizes?

[Tradução de Beethoven Alvarez, 2018]

Devo ter uns trezentos mil amigos,
Verânio. Para mim, és o primeiro.
Voltaste a tua casa, ao teu larário,
a tua mãe senil, a teus irmãos
uniconcordes? Sim! Que bom saber!
Hei de rever-te firme e forte, ouvir
por onde andaste, o que fizeste, a gente
ibérica, no teu estilo. Arcando
o colo, beijo os belos lábios, olhos.
Quantos homens conheçam a alegria,
nenhum conhecerá como me alegro. 

[Tradução de Trajano Vieira in Catulo, 20 Poemas. Londrina: Galileu Edições, 2022]



domingo, setembro 17, 2023

Catulo, 96 - três traduções

Si quicquam mutis gratum acceptumve sepulcris
 accidere a nostro, Calve, dolore potest,
 quo desiderio veteres renovamus amores 
atque olim missas flemus amicitias, 
certe non tanto mors immatura dolori est 
Quintiliae, quantum gaudet amore tuo.


Se à muda cinza algum carinho e agrado, ó Calvo,

     pode dar nossa dor -- esta saudade

com que nós renovamos antigos amores 

    e choramos perdidas amizades, 

certo Quintília já não sofre pela morte

    tão precoce, mas goza teu amor.


[Tradução de João Angelo Oliva Neto in O Livro de Catulo, São Paulo: Edusp, 1996]


Se alguma coisa de bom ou estimado mudas tumbas

pode tocar, Calvo, com a nossa dor, 

com essa saudade velhos amores renovamos

e outrora perdidas amizades choramos,

então não se dói tanto com a morte precoce

Quintília, quanto se alegra com o teu amor. 


[Tradução de José Pedro Moreira e André Simões in Catulo. Carmina. Lisboa: Cotovia, 2012]


Caso a tumba silente possa receber

a dor que seja grata -- e a saudade

remova amores do passado, Calvo, e o pranto

amizades que o tempo dissipou --, 

Quintília já não padece a morte prematura,

tanto quanto sorri com teu amor. 

[Tradução de Trajano Vieira in Catulo, 20 Poemas. Londrina: Galileu Edições, 2022]

A educação pela pedra (João Cabral de Melo Neto)

 


Uma educação pela pedra: por lições;

para aprender da pedra, frequentá-la; 

captar sua voz inenfática, impessoal

(pela de dicção ela começa as aulas). 

A lição de moral, sua resistência fria

 ao que flui e a fluir, a ser maleada; 

a de poética, sua carnadura concreta;

a de economia, seu adensar-se compacta:

lições da pedra (de fora para dentro,

cartilha muda), para quem soletrá-la.


*


Outra educação pela pedra: no Sertão

(de dentro para fora, e pré-didática).

No Sertão a pedra não sabe lecionar,

e, se lecionasse, não ensinaria nada;

lá não se aprende a pedra: lá a pedra, 

uma pedra de nascença, entranha a alma.


A Educação pela Pedra in: SECCHIN, A.C. (org.) João Cabral de Melo Neto - Poesia Completa, Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020. 

O mar e o canavial (João Cabral de Melo Neto)

 O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso
a geórgica de cordel, ininterrupta, 
narrada em voz e silêncio paralelos. 
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar; 
a mão de pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar

*

O que o canavial sim aprende do mar:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido, 
alagando cova a cova onde se alonga. 
O que o canavial não aprende do mar: 
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar, 
que menos lastradamente se derrama. 

A Educação pela Pedra in: SECCHIN, A.C. (org.) João Cabral de Melo Neto - Poesia Completa, Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020. 

sábado, setembro 09, 2023

Pasolini, "Eu sou uma força do Passado"


Eu sou uma força do Passado
Somente na tradição está o meu amor
Venho das ruínas, das igrejas
dos retábulos, das aldeias
abandonadas dos Apeninos ou Pré-Alpes
onde habitavam os irmãos
Vago pela Tuscolana como um louco,
pela Ápia como um cão sem dono.
Vejo os crepúsculos, as manhãs
de Roma, da Ciociaria, do mundo,
como os primeiros atos da Pós-História,
que testemunho, por conta da idade,
da borda extrema de qualquer época
sepulta. As vísceras de uma mulher morta
pariram um ser Monstruoso.
E eu, feto adulto, vagueio
mais moderno que todos os demais
a procurar irmãos, que não existem mais.

Tradução de Régis Bonvicino (2019) Fonte: https://sibila.com.br/poemas/os-primeiros-atos-da-pos-historia/13621

Io sono una forza del Passato.
Solo nella tradizione è il mio amore. 
Vengo dai ruderi, dalle chiese, 
dalle pale d'altare, dai borghi 
abbandonati sugli Appennini o le Prealpi, 
dove sono vissuti i fratelli. 
Giro per la Tuscolana come un pazzo,
 per l'Appia come un cane senza padrone. 
O guardo i crepuscoli, le mattine 
su Roma, sulla Ciociaria, sul mondo, 
come i primi atti della Dopostoria, 
cui io assisto, per privilegio d'anagrafe, 
dall'orlo estremo di qualche 
età sepolta. Mostruoso è chi è nato
 dalle viscere di una donna morta.
 E io, feto adulto, mi aggiro
 più moderno di ogni moderno
 a cercare fratelli che non sono più.


Essere una forza del Passato 

Essere una forza del Passato significa percepire la parte più vitale della nostra Memoria, sede dei nostri Ricordi e dei nostri Conflitti. Non aver capito il proprio Passato significa riviverlo, ma vivere il Passato in forma lapidea significa togliere ad esso la parte vitale. La parola Forza esprime un concetto presente di dinamismo non necessariamente legato al movimento, quindi io non mi identifico nel Passato e non provengo dal passato, piuttosto vivo al presente sollecitato da forze multiformi. Io non mi identifico nel Passato, ma rivedo i suoi riti e i suoi cicli umani, gesti ripetuti nelle epoche che raccolgono i sentimenti di generazioni, e sento che il mio amore di oggi ha radici profonde in quel Passato. 

 Vengo direttamente dai ruderi dei casolari abbandonati o distrutti dalle bombe, dalle chiese che costellano ogni nostra regione, dalle pale d'altare che pure ho studiato, analizzato, ammirato, dai borghi degli Appennini o dalle Prealpi, in cui la vita muore lasciandovi niente altro che pochi abitanti che si aggirano come fantasmi. Là sono vissuti i nostri fratelli, quelli che coltivavano il grano e aravano i campi secondo le fasi della luna, tra una carestia, una guerra o un padrone prepotente. Quello è il nostro Passato. 

 E mi ritrovo oggi, sulla via Tuscolana, quell'antica via che da Porta San Giovanni portava a Tusculum, la moderna Frascati. Ma in quale punto della Tuscolana giro come un pazzo? Che paesaggio è quello che ho attorno? Vedo case moderne, palazzoni fitti come alveari, tutti uguali ed io che giro con un cane randagio per l'Appia. Perchè devi sapere che la via Tuscolana per un certo tratto corre quasi parallela alla via Appia Nuova, sono strade vicine che comunicano. Io ora vivo qui, questi sono i nuovi paesaggi della nuova era, mi guardo intorno smarrito, sempre stupito e con in gola un nodo che non si scioglie.

 Eppure guardo i tramonti e le mattine su Roma, perché chi non ha mai osservato un crepuscolo o un'alba romana almeno una volta, provato sulla pelle il calore di quei raggi solari così luminosi e potenti, è ben difficile che riesca a capire ciò di cui sto parlando. Assisto alle albe e ai tramonti da Roma, dalla Ciociaria e poi sul resto del mondo, al margine di una civiltà sepolta il primo agitarsi di una nuova era primitiva. Il tutto per il solo privilegio anagrafico di esservi piovuto, niente di speciale.

 All'improvviso realizzo che io sono frutto di questo Passato ormai morto e mi percepisco come un essere mostruoso, al pari di chi è nato dal cadavere di una donna morta. Sono piovuto su questa terra senza possibilità di governare il mio destino, inconsapevole e fragile come un feto, ma vecchio di mille e mille secoli, mi aggiro saldato alla nostra epoca, inesorabilmente legato al nostro tempo, a cercare i fratelli che non sono più. Il perché di questa ricerca è motivato dall'esigenza di non perdere le nostre radici, per far sì che questo Dopostoria perda la sua anonimità, il solo modo per trovare nuovi linguaggi e nuove identità.(Pasolini) 

quinta-feira, setembro 07, 2023

José Paulo Paes




GRÉCIA: A ACRÓPOLE DE ATENAS

 1. 

 Corroídas pela emanação das fábricas e automóveis de atenas
 as cariátides mal suportam agora o peso da eternidade.

2. 
na calada da noite o poder público manda espalhar pelo re-
 -cinto da acrópole uma boa provisão de cascalho para que 
no outro dia cada turista possa levar para casa um frag- 
mento autêntico do propileu do partenon do templo de 
 atenas ou do erectéion. 

 MONUMENTO A BYRON

 pela independência da Grécia
 ele deixou a vida 
em missolongui
 mas a Inglaterra acabou fazendo um bom negócio:
 levou em troca 
o friso do partenon 

 CABO SOUNION

 com tanto céu e sol e mar à vista 
por que o olho de Posídon iria deter-se
 nos nomes de byron ravel ou centenas de outros bárbaros 
gravados nas colunas de seu templo? 

 RUÍNAS DE CORINTO 

"do alto destes degraus 
s.paulo pregava ao povo de corinto" 

 olho o degrau: nenhum rastro de sandália 
ouço o vento: nenhum rumor de prédica 

 o tempo sabe fazer as suas contas