terça-feira, julho 23, 2019

Guilherme IX de Aquitânia (1071-1126) - Trad. Arnaldo Saraiva

Farai un vers de dreit nien
Non er de mi ni d'autra gen
Non er d'amor ni de joven
Ni de ren au
Qu'enans fo trobatz en durmen
Sus un chivau

No sai en qual hora.m fui natz
No soi alegres ni iratz
No soi estranhs ni soi privatz
Ni no.n puesc au
Qu'enaisi fui de nueitz fadatz
Sobr'un pueg au

No sai cora.m fui endormitz
Ni cora.m veill s'om no m'o ditz
Per pauc no m'es lo cor partitz
D'un dol corau
E no m'o pretz una fromitz
Per saint Marsau

Malautz soi e cre mi morir
E re no sai mas quan n'aug dir
Metge querrai al mieu albir
E no.m sai tau
Bos metges er si.m pot guerir
Mas non si amau

Amigu'ai ieu non sai qui s'es
C'anc no la vi si m'aiut fes
Ni.m fes que.m plassa ni que.m pes
Ni no m'en cau
C'anc non ac Norman ni Franses
Dins mon ostau

Anc non la vi et am la fort
Anc no n’aic dreit ni no.m fes tort
Quan no la vei be m'en deport
No.m prez un jau
Qu'ie.n sai gensor e belazor
E que mais vau

No sai lo luec on s’esta
Si es rn pueg ho es en pla
Non aus dire lo tort que m’a
Albans m’en cau
E peza.m be quar sai rema
Per aitan vau

Fait ai lo vers no sai de cui
Et trametrai lo a celui
Que lo.m trameta per autrui
Enves Peitau
Que.m tramezes del sieu estui
La contraclau


Farei versos de puro nada:
de mim, de gente desvairada,
da juventude ou da amada,
de nada falo,
que os trovei ao dormir na estrada
sobre um cavalo.

Não sei em que hora vim ao mundo,
não sou jocundo ou furibundo,
não sou caseiro ou vagabundo,
sou sempre o tal
que o fado à noite marcou fundo
num monte astral.

Não sei se durmo ou velo, não,
sem a alheia opinião;
quase se parte o coração
com dor cordial,
não ligo mais que a um formigão,
por S.Marcial.

Doente estou, creio que morro,
e só o sei por algum zorro.
A um bom médico recorro,
e não sei qual;
bom é, se obtenho o seu socorro;
mau, se estou mal.

Tenho amiga, não sei quem é,
pois nunca a vi, por minha fé;
para mim, santa não é, nem ré,
o que é igual:
normando ou francês nem ao pé
do meu quintal.

Nunca a vi, e tem meu amor;
nunca me fez dano ou favor;
se a não vejo não sinto dor,
não ganho um galo;
sei de mais bela e bem melhor
e que mais vale.

Não sei qual é seu horizonte,
se o da planície ou do monte,
nem digo o mal de que ela é fonte;
bom é que cale;
sofro que fique aqui defronte,
parto, afinal.

Fiz os versos, de quem não sei,
e por alguém os mandarei
que os mandará por outro meio
a Anjou ideal
para que venha do seu seio o
contrassinal.

Tradução de Arnaldo Saraiva

Fonte: SARAIVA, A. Guilherme IX de Aquitânia. Poesia. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009.