quarta-feira, dezembro 30, 2015

Lícofron: fragmentos da Alexandra

Do Prólogo

Contarei sem torcer tudo o que me perguntas,
tudo, desde o cume do começo.
Perdoa-me, porém, se o discurso delonga.
Não tranqüila como antes, a moça desta vez
deslindava a boca fluida dos oráculos,
lançando da garganta laurívora um confuso
clamor desmesurado;
flameava os vaticínios,
repetindo fiel a voz da Esfinge escura.
Aquilo que eu retenho na alma e na memória
escuta, ó Rei, e repassando-o
no íntimo, sábio,
persegue os lances difíceis de dizer
de seu novelo de enigmas.
Discerne a trilha clara por onde, reta rota,
chegar às coisas trevosas.
Agora eu, rompendo o nastro, linde extremo,
alço-me ao giro das palavras oblíquas,
alado corredor que abala o marco da partida.

Da Fala de Alexandra

Aurora sobre as pontas escarpadas do Fégio
pairava apenas, alas rápidas de Pégaso,
deixando teu irmão, Titono, meio-sangue,
no leito junto a Cerne.
E os marinheiros desprendiam dos calhaus cavados
as plácidas amarras
e soltavam as âncoras da terra.
Escolopendras de cambiante cor cegonha
as filhas de Falacra, bela-vista,
batiam com seus remos de espátula
o mar, assassino de virgens,
mostrando para além das Calidnas
plumas brancas, popas, e as velas -- braços tensos --
sopradas do fogoso vento norte.
Báquica,
abrindo a boca insuflada pelos deuses,
ali, no extremo píncaro do Ates,
repouso da erradia novilha-fundadora,
Alexandra começou pelas palavras do princípio:


Rapto de Helena

Vejo a tocha de plumas acorrendo,
alada, ao rapto da pomba --
columba tímida, punível cadela de Pefnos.
(o cisne singrador, falcão das águas, engendrou-a
na recâmara curva de uma
concha).

Fonte: CAMPOS, H. "Arquitextura do Barroco" in: A Operação do Texto. São Paulo: Perspectiva. 1976.

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