Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho
Se a noite me atribui poder de fuga,
sinto logo meu pai e nele ponho
o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga.
Está morto, que importa? Inda madrugada
e seu rosto,nem triste nem risonho,
é o rosto, antigo, o mesmo. E não enxuga
suor algum, na calma de meu sonho.
Ó meu pai arquiteto e fazendeiro!
Faz casas de silêncio, e suas roças
de cinza estão maduras, orvalhadas
por um rio que corre o tempo inteiro,
e corre além do tempo, enquanto as nossas
murcham num sopro fontes represadas.
Carlos Drummond de Andrade,
Claro Enigma., 1951
segunda-feira, dezembro 27, 2010
quinta-feira, dezembro 23, 2010
Simônides de Céos, fr. 579 P
Há um apólogo que diz
que Aretê habita em rochedos inacessíveis,
na companhia de um coro sagrado de céleres ninfas.
Porém não é visível aos olhos de todos os mortais,
- apenas ao daquele que, alagado de suor que devora o ânimo,
chegar ao cume, graças à sua coragem.
Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira
que Aretê habita em rochedos inacessíveis,
na companhia de um coro sagrado de céleres ninfas.
Porém não é visível aos olhos de todos os mortais,
- apenas ao daquele que, alagado de suor que devora o ânimo,
chegar ao cume, graças à sua coragem.
Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira
Simônides de Céos fr.543 P
Quando
na arca lavrada
o vento soprando
e o mar encapelado
e o terror a abateu com faces não enxutas,
lançou os seus braços em volta de Perseu e disse: "Ó filho,
que aflição a minha!
Tu dormes, e com teu lácteo rosto
entregas-te ao sono neste madeiro sem deleite,
e na noite cravejada de pregos
brilhas estendido nas trevas escuras.
Da espuma profunda, sobre o teu cabelo,
ao passar da onda,
não curas, nem da voz do vento: deitado
no teu manto, belo é o teu rosto.
Se o que é terrível o fosse para ti,
às minhas palavras darias brandos ouvidos.
Mas eu te ordeno: dorme, filho, dorme, ó mar, dorme,
ó minha dor desmedida! Que uma mudança surja,
ó Zeus pai, vinda da tua parte!
Mas, por eu ter dito esta palavra ousada
e fora da justiça, eu te imploro, perdoa-me!"
Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira.
na arca lavrada
o vento soprando
e o mar encapelado
e o terror a abateu com faces não enxutas,
lançou os seus braços em volta de Perseu e disse: "Ó filho,
que aflição a minha!
Tu dormes, e com teu lácteo rosto
entregas-te ao sono neste madeiro sem deleite,
e na noite cravejada de pregos
brilhas estendido nas trevas escuras.
Da espuma profunda, sobre o teu cabelo,
ao passar da onda,
não curas, nem da voz do vento: deitado
no teu manto, belo é o teu rosto.
Se o que é terrível o fosse para ti,
às minhas palavras darias brandos ouvidos.
Mas eu te ordeno: dorme, filho, dorme, ó mar, dorme,
ó minha dor desmedida! Que uma mudança surja,
ó Zeus pai, vinda da tua parte!
Mas, por eu ter dito esta palavra ousada
e fora da justiça, eu te imploro, perdoa-me!"
Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira.
Hino Homérico VIII: Ares
Ares muito forte, condutor da carruagem, de elmo áureo,
ânimo terrível, porta-escudo, salva-cidades, arnês-de-bronze,
braço forte, incansável, hábil-na-lança, muralha do Olimpo,
Pai de Vitória boa-na-guerra, ajudante de Justiça,
Tirano aos contrários, guia dos mais justos mortais,
porta-cetro da virilidade, que revolve o globo flamante
Etéreo nas constelações de sete estrelas, onde corcéis em chamas
eternamente acima da terceiro órbita mantêm-te;
Ouve, defensor dos mortais, dotador da juventude bem audaz,
Do alto do céu desce brilhando em fulgor para a nossa
vida e belicosa força, que eu seja capaz
de repelir malfazeja aflição de meu peito,
de vergar os enganosos impulsos da alma nas entranhas,
Detém também acerba cólera em meu coração, que me incita
a marchar em frias disputas: Mas tu, venturoso,
concede audácia para manter em leis propícias de paz
disperso do ardor pelo combate aos inimigos e da violência da Sina.
Tradução: Rafael Brunhara
ânimo terrível, porta-escudo, salva-cidades, arnês-de-bronze,
braço forte, incansável, hábil-na-lança, muralha do Olimpo,
Pai de Vitória boa-na-guerra, ajudante de Justiça,
Tirano aos contrários, guia dos mais justos mortais,
porta-cetro da virilidade, que revolve o globo flamante
Etéreo nas constelações de sete estrelas, onde corcéis em chamas
eternamente acima da terceiro órbita mantêm-te;
Ouve, defensor dos mortais, dotador da juventude bem audaz,
Do alto do céu desce brilhando em fulgor para a nossa
vida e belicosa força, que eu seja capaz
de repelir malfazeja aflição de meu peito,
de vergar os enganosos impulsos da alma nas entranhas,
Detém também acerba cólera em meu coração, que me incita
a marchar em frias disputas: Mas tu, venturoso,
concede audácia para manter em leis propícias de paz
disperso do ardor pelo combate aos inimigos e da violência da Sina.
Tradução: Rafael Brunhara
domingo, dezembro 19, 2010
Passagem do ano
O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles . . . e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
Carlos Drummond de Andrade,
A rosa do povo, 1945.
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles . . . e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
Carlos Drummond de Andrade,
A rosa do povo, 1945.
quarta-feira, dezembro 15, 2010
Hino Homérico XXVI: A Dioniso
De cabelos hederosos Dioniso mui clamoroso começo a cantar,
De Zeus e Sêmele mui gloriosa o esplêndido filho,
a ele nutriam ninfas de belos cabelos, do pai soberano
acolhendo-o em seus seios e solícitas criaram-no
nas grutas do Nisa: ele crescia por paterna vontade
em olente antro, contabilizado entre os imortais
Mas depois que as Deusas o nutriram multi-hineado
aí então ele vagava por arbóreos vales
coberto de hera e louro; junto seguiam
as ninfas, ele lidera: frêmito toma a inefável selva.
Também assim, tu, salve, ó multicacheado Dioniso
dá-nos com alegria às estações ir uma vez
e das estações vir outra vez por muitos anos.
Tradução: Rafael Brunhara
De Zeus e Sêmele mui gloriosa o esplêndido filho,
a ele nutriam ninfas de belos cabelos, do pai soberano
acolhendo-o em seus seios e solícitas criaram-no
nas grutas do Nisa: ele crescia por paterna vontade
em olente antro, contabilizado entre os imortais
Mas depois que as Deusas o nutriram multi-hineado
aí então ele vagava por arbóreos vales
coberto de hera e louro; junto seguiam
as ninfas, ele lidera: frêmito toma a inefável selva.
Também assim, tu, salve, ó multicacheado Dioniso
dá-nos com alegria às estações ir uma vez
e das estações vir outra vez por muitos anos.
Tradução: Rafael Brunhara
Hino Homérico XXI: A Apolo
Febo se a ti até o cisne com canoras asas canta
ao monte lançando-se das margens do rodopiante rio
Peneu, também a ti o aedo portando a lira canora
de doce voz canta no princípio e no fim.
Também assim, tu, salve, soberano: propicio-te com o canto.
Tradução: Rafael Brunhara
ao monte lançando-se das margens do rodopiante rio
Peneu, também a ti o aedo portando a lira canora
de doce voz canta no princípio e no fim.
Também assim, tu, salve, soberano: propicio-te com o canto.
Tradução: Rafael Brunhara
Hino Homérico XXVIII: A Atena
Palas Atena ilustre Deusa começo a cantar,
a Glaucópida multiversátil que tem um coração sem doçuras;
virgem venerável protetora de cidades poderosa
Tritogênia, que o próprio Zeus próvido engendrou
de sua insigne cerviz, armas de guerra portando
áureas, omniluzentes. Vendo-a, reverência tomou
os imortais: diante de Zeus Egífero
impetuosamente irrompeu de sua imortal cabeça
brandindo pontiaguçado dardo: retumbou o vasto Olimpo
terrívelmente pela força da Glaucópida. A terra ao redor
temívelmente gritou, moveu-se então o alto mar
com purpúreas vagas agitado, conteve-se a água
de repente: o esplêndido filho de Hipérion manteve
seus corcéis celerípedes até que a donzela
tomasse dos ombros imortais as deiformes armas,
Palas Atena! Alegrou-se Zeus próvido.
Também assim, tu, salve, filha de Zeus Egífero
Depois eu também te lembrarei em outro canto.
Tradução: Rafael Brunhara
a Glaucópida multiversátil que tem um coração sem doçuras;
virgem venerável protetora de cidades poderosa
Tritogênia, que o próprio Zeus próvido engendrou
de sua insigne cerviz, armas de guerra portando
áureas, omniluzentes. Vendo-a, reverência tomou
os imortais: diante de Zeus Egífero
impetuosamente irrompeu de sua imortal cabeça
brandindo pontiaguçado dardo: retumbou o vasto Olimpo
terrívelmente pela força da Glaucópida. A terra ao redor
temívelmente gritou, moveu-se então o alto mar
com purpúreas vagas agitado, conteve-se a água
de repente: o esplêndido filho de Hipérion manteve
seus corcéis celerípedes até que a donzela
tomasse dos ombros imortais as deiformes armas,
Palas Atena! Alegrou-se Zeus próvido.
Também assim, tu, salve, filha de Zeus Egífero
Depois eu também te lembrarei em outro canto.
Tradução: Rafael Brunhara
terça-feira, dezembro 14, 2010
Hino Homérico XXXI: Ao Sol
Sol começa a cantar então, filha de Zeus, Musa
Calíope: o Resplandecente, que Eurýfaessa olhitáurea
engendrou para o filho de Terra e Céu constelado:
Pois Hipérion casou-se com Eurýfaessa mui ínclita,
a irmã, do mesmo ventre, que para ele engendrou bela prole:
Aurora dedirrósea, Lua de belas tranças
e Sol infatigável símil aos imortais
que reluz para mortais e imortais deuses,
a avançar com seus corcéis: temível ele observa com os olhos,
do áureo elmo; brilhantes raios a partir dele
resplendem, cintilam, além das têmporas, e as faces
brilhantes, da cabeça grácil, retêm o rosto
longiluzente. Em volta do corpo reluz bela veste
de fino talhe no sopro dos ventos com machos corcéis
[...]
então permanece no carro de jugo áureo e os corcéis
conduz pelo céu até o Oceano.
Salve soberano benévolo concede vida que deleite meu coração:
por ti começando celebrarei a raça dos homens semideuses
de fala articulada, cujas obras Deuses aos mortais mostraram.
Tradução: Rafael Brunhara
Calíope: o Resplandecente, que Eurýfaessa olhitáurea
engendrou para o filho de Terra e Céu constelado:
Pois Hipérion casou-se com Eurýfaessa mui ínclita,
a irmã, do mesmo ventre, que para ele engendrou bela prole:
Aurora dedirrósea, Lua de belas tranças
e Sol infatigável símil aos imortais
que reluz para mortais e imortais deuses,
a avançar com seus corcéis: temível ele observa com os olhos,
do áureo elmo; brilhantes raios a partir dele
resplendem, cintilam, além das têmporas, e as faces
brilhantes, da cabeça grácil, retêm o rosto
longiluzente. Em volta do corpo reluz bela veste
de fino talhe no sopro dos ventos com machos corcéis
[...]
então permanece no carro de jugo áureo e os corcéis
Salve soberano benévolo concede vida que deleite meu coração:
por ti começando celebrarei a raça dos homens semideuses
de fala articulada, cujas obras Deuses aos mortais mostraram.
Tradução: Rafael Brunhara
Hino Homérico XXXII: À Lua
Mene amplivolante cantai em seguida, Musas
de voz doce filhas de Zeus Cronida sabedoras da canção.
A partir dela resplendor visível do céu envolve a terra,
a partir de sua imortal cabeça, amplo adorno é visto com
lúcido resplendor e cintila o ar sem luz;
a partir da áurea coroa refletem-se os raios;
sempre depois de no Oceano banhar o belo corpo,
de os trajes vestir longiluzentes a Deusa Lua
e de jungir os potros resplendentes de arqueada cerviz
impetuosamente avançando toca os corcéis de linda melena
pelo anoitecer que divide o mês. Preenche-se a vasta órbita
e então seus raios crescentes iluminam e ao máximo brilham
no céu. Marca aos mortais e um sinal ela é.
Com ela uma vez Cronida uniu-se em amor e deitou-se
e engravidando-a donzela Pandeia gerou
tendo notável formosura entre as Deusas imortais.
Salve soberana bracinívea Deusa Lua
benévola de belas tranças, por ti começando glórias
de mortais semideuses cantarei cujas obras celebram aedos
acólitos das Musas com seus deleitosos lábios.
Tradução: Rafael Brunhara
de voz doce filhas de Zeus Cronida sabedoras da canção.
A partir dela resplendor visível do céu envolve a terra,
a partir de sua imortal cabeça, amplo adorno é visto com
lúcido resplendor e cintila o ar sem luz;
a partir da áurea coroa refletem-se os raios;
sempre depois de no Oceano banhar o belo corpo,
de os trajes vestir longiluzentes a Deusa Lua
e de jungir os potros resplendentes de arqueada cerviz
impetuosamente avançando toca os corcéis de linda melena
pelo anoitecer que divide o mês. Preenche-se a vasta órbita
e então seus raios crescentes iluminam e ao máximo brilham
no céu. Marca aos mortais e um sinal ela é.
Com ela uma vez Cronida uniu-se em amor e deitou-se
e engravidando-a donzela Pandeia gerou
tendo notável formosura entre as Deusas imortais.
Salve soberana bracinívea Deusa Lua
benévola de belas tranças, por ti começando glórias
de mortais semideuses cantarei cujas obras celebram aedos
acólitos das Musas com seus deleitosos lábios.
Tradução: Rafael Brunhara
segunda-feira, dezembro 13, 2010
O medo
A Antonio Candido
"Porque há para todos nós um problema sério...
Este problema é do medo."
Antonio Candido,
Plataforma de uma geração.
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno.
De nós, de vós; e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas
do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.
Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.
Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos,
Nossos filhos tão felizes . . .
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.
quarta-feira, dezembro 08, 2010
Píndaro - Fragmentos
Hiporquemas
Fragmento 108
Quando um Deus aponta o início
de cada ação, reto então é
o caminho para obter virtude,
mais belo é o fim.
Fragmento 142
Um Deus é capaz de evocar
da negra noite a imaculada luz
E em sombria turva nuvem
ocultar o puro esplendor
do dia.
Fragmentos Incertos
Fragmento 150
Dá teu augúrio, Musa! Serei teu profeta.
Fragmento 159
De homens justos o tempo é o salvador supremo.
[Tradução Rafael Brunhara]
Fragmento 108
Quando um Deus aponta o início
de cada ação, reto então é
o caminho para obter virtude,
mais belo é o fim.
Fragmento 142
Um Deus é capaz de evocar
da negra noite a imaculada luz
E em sombria turva nuvem
ocultar o puro esplendor
do dia.
Fragmentos Incertos
Fragmento 150
Dá teu augúrio, Musa! Serei teu profeta.
Fragmento 159
De homens justos o tempo é o salvador supremo.
[Tradução Rafael Brunhara]
terça-feira, dezembro 07, 2010
Medeia vv. 1-52 - Duas traduções
[Cena diante do palácio de Medeia, de onde sai a nutriz]
NUTRIZ
Argo, carena transvoante, não
cruzara o azul-cianuro das Simplégades,
rumo aos colcos! O talhe em pinho pélio
não produzira o remo dos heróis
condutores do velo pandourado
a Pélias: longe das ameias de Iolco,
Medeia ficaria, e eu com ela,
sem que eros, por Jasão, a transtornasse!
Nem Pélias jazeria pelas mãos
das filhas convencidas por quem sirvo,
nem ela viveria com os filhos
e o marido no exílio de Corinto,
sempre solícita com os daqui,
jamais em discordância com o cônjuge.
Se há concordância entre o casal, a paz
no lar é plena. O amor adoece agora,
instaura-se o conflito, pois Jasão
deitou-se com a filha de Creon.
Rebaixa a própria esposa e os descendentes.
Medeia amealha a messe da miséria,
soergue a destra, explode em jura, evoca
o testemunho dos divinos: eis
a paga de Jasão com o que lucra!
Seu corpo carpe, inane ela se prostra,
delonga o pranto grave assim que sabe
o quanto fora injustiçada. O olhar
sucumbe à terra, nada a faz erguê-lo,
feito escarcéu marinho, feito pedra,
discerne o vozerio amigo, exceto
quando regira o colo ensimesmado,
alvíssimo, em lamúrias pelo pai,
pelo país natal, que atraiçoou
por quem sem honra a tem agora. Aprende
o quanto custa renegar o sítio
natal. Ao ver os filhos, tolda o cenho
com desdém. Tremo só de imaginar
que trame novidades. Sua psique
circunspecta suporta mal a dor.
Conheço-a de longa data e não
descarto a hipótese de que apunhale
o fígado, depois que entrou sem voz,
rumo ao leito...ou será que mata o rei
e o marido, agravando o quadro mais?
Ela é terribilíssima. Ninguém
que a enfrente logra o louro facilmente.
Seus filhos chegam, finda a correria,
sem ter noção do que acomete a mãe,
pois tem horror à dor a mente em flor.
Tradução de Trajano Vieira
Fonte: Eurípides. Medeia. Tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira. Comentário de Otto Maria Carpeaux. São Paulo: Editora 34, 2010.
NUTRIZ
Nunca a nau Argo, rumo a solo cólquido,
transvoasse as negras fragas das Simplégades!
Jamais nos pélios bosques decaísse
cortado pinho que virasse remo
em mãos de bravos que o pancríseo velo
deram a Pélias! Pois Medéia minha
dona às torres da terra de Iolco nunca
viria, por Jasão de amor turbada,
nem de Pélias as filhas suadiria
a matá-lo; aqui nunca viveria
com seu marido e filhos, agradando
êxule ao povo da coríntia terra,
ela em tudo concorde com Jasão.
A segurança torna-se suprema
quando mulher do esposo não disside.
Mas ora é tudo imigo, sofre o amor:
traiu seus filhos e a senhora minha
Jasão em núpcias régias foi deitar-se
co a filha de Creonte, o soberano.
Medéia, a miseranda, desonrada
evoca juramentos, clama a fé
empenhada: deidades chama testes
do que recebe de Jasão em troca.
Jaz inane. seu corpo entregue a dores,
esvaindo-se o tempo todo em lágrimas,
pós ouvir que seu homem a lesara.
Nem alça os olhos nem afasta o rosto
da terra e como pedra ou onda equórea
condescende aos conselhos dos amigos -
exceto quando vira o colo alvíssimo
e deplora consigo o caro pai,
a terra, a casa que traiu ao vir
com o varão que desonrada a tem.
Aprende a desgraçada, no desastre,
que deixar não se deve o solo pátrio.
Odeia aos filhos, não lhe apraz olhá-los.
Tremo que trame novidades, pois
o espírito tem grave e a dor não há
de suportar: eu a conheço e temo
que no fígado finque agudo gládio,
após entrar silente no aposento
ou que mate o tirano e o que se casa
e receba depois maior desdita.
Ela é terrível: quem seu inimigo
se tornar nao trará vitória fácil.
Mas eis que, findas as corridas, vêm
as crianças, incônscias das agruras
da mãe: sofrer não ama a mente nova.
Tradução de Flávio Ribeiro de Oliveira.
Fonte: Eurípides. Medeia. Tradução de Flávio Ribeiro de Oliveira. São Paulo: Odysseus, 2006.
NUTRIZ
Argo, carena transvoante, não
cruzara o azul-cianuro das Simplégades,
rumo aos colcos! O talhe em pinho pélio
não produzira o remo dos heróis
condutores do velo pandourado
a Pélias: longe das ameias de Iolco,
Medeia ficaria, e eu com ela,
sem que eros, por Jasão, a transtornasse!
Nem Pélias jazeria pelas mãos
das filhas convencidas por quem sirvo,
nem ela viveria com os filhos
e o marido no exílio de Corinto,
sempre solícita com os daqui,
jamais em discordância com o cônjuge.
Se há concordância entre o casal, a paz
no lar é plena. O amor adoece agora,
instaura-se o conflito, pois Jasão
deitou-se com a filha de Creon.
Rebaixa a própria esposa e os descendentes.
Medeia amealha a messe da miséria,
soergue a destra, explode em jura, evoca
o testemunho dos divinos: eis
a paga de Jasão com o que lucra!
Seu corpo carpe, inane ela se prostra,
delonga o pranto grave assim que sabe
o quanto fora injustiçada. O olhar
sucumbe à terra, nada a faz erguê-lo,
feito escarcéu marinho, feito pedra,
discerne o vozerio amigo, exceto
quando regira o colo ensimesmado,
alvíssimo, em lamúrias pelo pai,
pelo país natal, que atraiçoou
por quem sem honra a tem agora. Aprende
o quanto custa renegar o sítio
natal. Ao ver os filhos, tolda o cenho
com desdém. Tremo só de imaginar
que trame novidades. Sua psique
circunspecta suporta mal a dor.
Conheço-a de longa data e não
descarto a hipótese de que apunhale
o fígado, depois que entrou sem voz,
rumo ao leito...ou será que mata o rei
e o marido, agravando o quadro mais?
Ela é terribilíssima. Ninguém
que a enfrente logra o louro facilmente.
Seus filhos chegam, finda a correria,
sem ter noção do que acomete a mãe,
pois tem horror à dor a mente em flor.
Tradução de Trajano Vieira
Fonte: Eurípides. Medeia. Tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira. Comentário de Otto Maria Carpeaux. São Paulo: Editora 34, 2010.
NUTRIZ
Nunca a nau Argo, rumo a solo cólquido,
transvoasse as negras fragas das Simplégades!
Jamais nos pélios bosques decaísse
cortado pinho que virasse remo
em mãos de bravos que o pancríseo velo
deram a Pélias! Pois Medéia minha
dona às torres da terra de Iolco nunca
viria, por Jasão de amor turbada,
nem de Pélias as filhas suadiria
a matá-lo; aqui nunca viveria
com seu marido e filhos, agradando
êxule ao povo da coríntia terra,
ela em tudo concorde com Jasão.
A segurança torna-se suprema
quando mulher do esposo não disside.
Mas ora é tudo imigo, sofre o amor:
traiu seus filhos e a senhora minha
Jasão em núpcias régias foi deitar-se
co a filha de Creonte, o soberano.
Medéia, a miseranda, desonrada
evoca juramentos, clama a fé
empenhada: deidades chama testes
do que recebe de Jasão em troca.
Jaz inane. seu corpo entregue a dores,
esvaindo-se o tempo todo em lágrimas,
pós ouvir que seu homem a lesara.
Nem alça os olhos nem afasta o rosto
da terra e como pedra ou onda equórea
condescende aos conselhos dos amigos -
exceto quando vira o colo alvíssimo
e deplora consigo o caro pai,
a terra, a casa que traiu ao vir
com o varão que desonrada a tem.
Aprende a desgraçada, no desastre,
que deixar não se deve o solo pátrio.
Odeia aos filhos, não lhe apraz olhá-los.
Tremo que trame novidades, pois
o espírito tem grave e a dor não há
de suportar: eu a conheço e temo
que no fígado finque agudo gládio,
após entrar silente no aposento
ou que mate o tirano e o que se casa
e receba depois maior desdita.
Ela é terrível: quem seu inimigo
se tornar nao trará vitória fácil.
Mas eis que, findas as corridas, vêm
as crianças, incônscias das agruras
da mãe: sofrer não ama a mente nova.
Tradução de Flávio Ribeiro de Oliveira.
Fonte: Eurípides. Medeia. Tradução de Flávio Ribeiro de Oliveira. São Paulo: Odysseus, 2006.
Segredo
A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
Carlos Drummond de Andrade
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
Carlos Drummond de Andrade
Amar-Amaro
por que amou por que amou
se sabia
p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente
me diga: mas por que
amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula evidente?
ah PORQUE AMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos nos ecos
lúgubres de você mesm (o, a)
irm(ã,o) retrato espéculo por que amou?
se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda via mas toda vida
é indagação do achado e aguda espostejação
da carne do conhecimento, ora veja
permita cavalheir(o,a)
amig(o,a) me releve
este malestar
cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
o que é inconsolável de ofício
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car (o,a) colega este não consola nunca de núncaras.
se sabia
p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente
me diga: mas por que
amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula evidente?
ah PORQUE AMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos nos ecos
lúgubres de você mesm (o, a)
irm(ã,o) retrato espéculo por que amou?
se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda via mas toda vida
é indagação do achado e aguda espostejação
da carne do conhecimento, ora veja
permita cavalheir(o,a)
amig(o,a) me releve
este malestar
cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
o que é inconsolável de ofício
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car (o,a) colega este não consola nunca de núncaras.
domingo, dezembro 05, 2010
Pastor Amoroso VIII
O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu...Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos vários verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem,
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito.
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu...Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos vários verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem,
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito.
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