[Cena diante do palácio de Medeia, de onde sai a nutriz]
NUTRIZ
Argo, carena transvoante, não
cruzara o azul-cianuro das Simplégades,
rumo aos colcos! O talhe em pinho pélio
não produzira o remo dos heróis
condutores do velo pandourado
a Pélias: longe das ameias de Iolco,
Medeia ficaria, e eu com ela,
sem que eros, por Jasão, a transtornasse!
Nem Pélias jazeria pelas mãos
das filhas convencidas por quem sirvo,
nem ela viveria com os filhos
e o marido no exílio de Corinto,
sempre solícita com os daqui,
jamais em discordância com o cônjuge.
Se há concordância entre o casal, a paz
no lar é plena. O amor adoece agora,
instaura-se o conflito, pois Jasão
deitou-se com a filha de Creon.
Rebaixa a própria esposa e os descendentes.
Medeia amealha a messe da miséria,
soergue a destra, explode em jura, evoca
o testemunho dos divinos: eis
a paga de Jasão com o que lucra!
Seu corpo carpe, inane ela se prostra,
delonga o pranto grave assim que sabe
o quanto fora injustiçada. O olhar
sucumbe à terra, nada a faz erguê-lo,
feito escarcéu marinho, feito pedra,
discerne o vozerio amigo, exceto
quando regira o colo ensimesmado,
alvíssimo, em lamúrias pelo pai,
pelo país natal, que atraiçoou
por quem sem honra a tem agora. Aprende
o quanto custa renegar o sítio
natal. Ao ver os filhos, tolda o cenho
com desdém. Tremo só de imaginar
que trame novidades. Sua psique
circunspecta suporta mal a dor.
Conheço-a de longa data e não
descarto a hipótese de que apunhale
o fígado, depois que entrou sem voz,
rumo ao leito...ou será que mata o rei
e o marido, agravando o quadro mais?
Ela é terribilíssima. Ninguém
que a enfrente logra o louro facilmente.
Seus filhos chegam, finda a correria,
sem ter noção do que acomete a mãe,
pois tem horror à dor a mente em flor.
Tradução de Trajano Vieira
Fonte: Eurípides. Medeia. Tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira. Comentário de Otto Maria Carpeaux. São Paulo: Editora 34, 2010.
NUTRIZ
Nunca a nau Argo, rumo a solo cólquido,
transvoasse as negras fragas das Simplégades!
Jamais nos pélios bosques decaísse
cortado pinho que virasse remo
em mãos de bravos que o pancríseo velo
deram a Pélias! Pois Medéia minha
dona às torres da terra de Iolco nunca
viria, por Jasão de amor turbada,
nem de Pélias as filhas suadiria
a matá-lo; aqui nunca viveria
com seu marido e filhos, agradando
êxule ao povo da coríntia terra,
ela em tudo concorde com Jasão.
A segurança torna-se suprema
quando mulher do esposo não disside.
Mas ora é tudo imigo, sofre o amor:
traiu seus filhos e a senhora minha
Jasão em núpcias régias foi deitar-se
co a filha de Creonte, o soberano.
Medéia, a miseranda, desonrada
evoca juramentos, clama a fé
empenhada: deidades chama testes
do que recebe de Jasão em troca.
Jaz inane. seu corpo entregue a dores,
esvaindo-se o tempo todo em lágrimas,
pós ouvir que seu homem a lesara.
Nem alça os olhos nem afasta o rosto
da terra e como pedra ou onda equórea
condescende aos conselhos dos amigos -
exceto quando vira o colo alvíssimo
e deplora consigo o caro pai,
a terra, a casa que traiu ao vir
com o varão que desonrada a tem.
Aprende a desgraçada, no desastre,
que deixar não se deve o solo pátrio.
Odeia aos filhos, não lhe apraz olhá-los.
Tremo que trame novidades, pois
o espírito tem grave e a dor não há
de suportar: eu a conheço e temo
que no fígado finque agudo gládio,
após entrar silente no aposento
ou que mate o tirano e o que se casa
e receba depois maior desdita.
Ela é terrível: quem seu inimigo
se tornar nao trará vitória fácil.
Mas eis que, findas as corridas, vêm
as crianças, incônscias das agruras
da mãe: sofrer não ama a mente nova.
Tradução de Flávio Ribeiro de Oliveira.
Fonte: Eurípides. Medeia. Tradução de Flávio Ribeiro de Oliveira. São Paulo: Odysseus, 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário