sábado, março 22, 2008

Especulações em torno da palavra homem

Mas que coisa é o homem,
que há sob o nome:
uma geografia?
um ser metafísico?
uma fábula sem
signo ou desmonte?
Como pode o homem
sentir-se a si mesmo
quando o mundo some?
Como vai o homem
junto de outro homem,
sem perder o nome?
E não perder o nome
e o sal que ele come
nada lhe acrescenta
nem lhe subtrai
da doação do pai?
Como se faz um homem?
Apenas deitar,
copular, à espera
de que do abdômen
brote a flor do homem?
Como se faz
a si mesmo, antes
de fazer o homem?
Fabricar o pai
e o pai e outro pai
e um pai mais remoto
que o primeiro homem?
Quanto vale o homem?
Menos, mais que o peso?
Hoje, mais que ontem?
Vale menos, velho?
Vale menos, morto?
Menos um do que outro,
se o valor do homem
é a medida do homem?
Como morre o homem,
como começa?
Sua morte é fome
que a si mesma come?
Morre a cada passo?
Quando dorme, morre?
Quando morre, morre?
A morte do homem
consemelha a goma
que ele masca, ponche
que ele sorve, sono
que ele brinca, incerto
de estar perto, longe?
Morre, sonha o homem?
Por que morre o homem?
Campeia outra forma
de existir sem vida?
Fareja outra vida
não já repetida,
em doido horizonte?
Indaga outro homem?
Por que morte e homem
andam de mãos dadas
e são tão engraçadas
as horas do homem?
mas que coisa é o homem?
Tem medo da morte,
mata-se sem medo?
Ou medo é que o mata
com punhal de prata
laço de gravata,
pulo sobre a ponte?
Por que vive o homem?
Quem o força a isso,
prisioneiro insonte?
Como vive o homem,
se é certo que vive?
Que oculta na fronte?
E por que não conta
seu todo segredo
mesmo em tom esconso?
Por que mente o homem?
mente, mente, mente,
desesperadamente?
Por que não se cala,
se a mentira fala,
em tudo que sente?
Por que chora o homem?
Que choro compensa
o mal de ser homem?
Mas que dor é homem?
Homem como pode
descobrir que dói?
Há alma no homem?
E quem pôs na alma
algo que a destrói?
Como sabe o homem
o que é a sua alma
e o que é alma anônima?
Para que serve o homem?
para estrumar flores,
para tecer contos?
Para servir o homem?
Para criar Deus?
Sabe Deus do homem?
E sabe o demônio?
Como quer o homem
ser destino, fonte?
Que milagre é o homem?
Que sonho, que sombra?
Mas existe o homem?

Carlos Drummond de Andrade

2 comentários:

Áurea Medeiros disse...

Meu professor passou este texto para uma pesquisa, e achei aqui em seu blog.Parabéns pelo blog e obrigada! Estou te seguindo tbm!um abraço

Guilherme disse...

O homem e seus mistério, como Drummond falou no velório de Clarice Lispector vale para a condição de homem: vem de um mistério e vai para outro.