sexta-feira, março 21, 2008

Ilíada XXII.311-366. A morte de Héctor

Assim, Héctor, brandindo o gládio agudo, investe
e Aquiles também, fúria guerreira, o acomete,
feroz, e sustém ante o peito o escudo belo,
dedáleio, fazendo o elmo tetracórnio, fúlguro,
ondular; na cimeira, as crinas de ouro, por
Hefesto esparsas, circunflutuavam. Como o astro
vespertino entre os mais astros vai, no apogeu
da noite - a estrela Vésper - no céu, a mais bela,
um resplendor assim a pontiaguda lança
de Aquiles emitia. No seu punho, à mão destra,
maquina coisas más contra Héctor e esquadrinha
no belo corpo adverso o ponto vulnerável.
Cobrem-no todo as bronzibelas armas que
do cadáver de Pátroclo arrancara; apenas
via-se a clavícula, onde aparta o ombro do colo;
ali esvai-se a psiquê, da garganta, mais célere.
Aquiles, ali, finca a lança, quando, fulo,
Héctor o investe. A ponta fura-lhe o pescoço,
mas o bronze não rompe a traquéia, nem impede-o
de se expressar, embora arrojado no pó.
Aquiles exulta: "Héctor, imbecil: a Pátroclo
despojaste das armas, crendo-te impunível,
sem medo de mim, longe da pugna; porém,
um vingador muitíssimo mais forte - eu próprio -
tinha ficado atrás, junto às naus; eu dobrei-te
os joelhos. Cães e abutres hão de estraçalhar-te;
porém os Dânaos, honras e exéquias a Pátroclo
prestarão." Quase morto, elmo-refulgente, Héctor
lhe responde: "Por teu sopro vital, por teus joelhos,
teus genitores, rogo-te: 'Não deixes cães
me domarem à beira das naus; aceita ouro
e bronze, os ricos dons que meus pais te darão.
Restitui-lhes meu corpo, para a pira fúnebre."
Olho-torvo, tornou-lhe o Peleide: "Cachorro,
não me rogues por joelhos nem por genitores.
Minha ira e meu furor são tais, que eu comeria
cruas tuas carnes, talhando-as primeiro, tão grandes
males causaste. Mas ninguém de tua cabeça
enxotará os cães! Mesmo que dez, vinte vezes,
ricos, riquíssimos resgates me trouxessem,
com promessas de mais; mesmo que a peso de ouro
quisesse o rei remir-te. Numa essa jamais
te deporá tua nobre mãe, que deu-te à luz,
para chorar-te. Cães e abutres comer-te-ão
inteiro." A morrer quase, o de elmo-flâmeo disse-lhe:
"Vendo-te e conhecendo-te, sei: persuadir-te
não é possível; tens uns coração de ferro,
um ânimo ferrenho. Cuida que eu não sirva
à vindita dos deuses, quando Apolo e Páris
te abaterem, às Portas Céias, embora bravo."
Ultimou-se-lhe a morte. Eclipsou-o. A psiquê
voou-lhe dos membros para o Hades, chorando o fado
que lhe tirou vigor e juventude. Aquiles,
ao já morto, ainda disse: "Morre! Acolherei
a Quere, quando Zeus e os numes o quiserem."

Tradução: Haroldo de Campos

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