domingo, dezembro 14, 2025

Eu sou trezentos...

 (7.VI.21929)


Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,

As sensações renascem de si mesmas sem repouso,

Oh espelhos, ôh! Pireneus! ôh caiçaras!

Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!


Abraço no meu leito as milhores palavras,

E os suspiros que dou são violinos alheios;

Eu piso a terra como quem descobre a furto

Nas esquinas, nos taxís, nas camarinhas seus próprios beijos!


Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,

Mas um dia afinal eu toparei comigo...

Tenhamos paciência, andorinhas curtas,

Só o esquecimento é que condensa,

E então minha alma servirá de abrigo. 


Mário de Andrade. Poesias Completas. São Paulo: Martins; Brasília: INL, 1972.