Eu choro a Adonis: morreu o belo Adonis,
Belo Adonis morreu: comigo choram
Os Amores: não durmas mais, ó Vênus,
Em teu leito de púrpura; mesquinha,
Ergue-te, veste luto, e os peitos fere;
A todos brada: É morto o belo Adonis.
Eu choro a Adonis, e os Amores choram;
Jaz Adonis formoso nesses montes
Com a cândida coxa trespassada
Do alvo dente: ele agoniza, e enche
Vênus de dor; por sua nívea carne
O rubro sangue mana, e se entorpecem
Os olhos sob as pálpebras: a rosa
De seus lábios já foge, e já com ele
Morre também o ósculo, que Vênus
Nunca mais deixará: é grato a Vênus
O ósculo, bem que ele já não viva,
Porém o triste Adonis moribundo
Já não sente, que a Deusa o está beijando.
Eu choro a Adonis, e os Amores choram.
Atroz, atroz ferida tem na coxa
Adonis: mas maior no peito Vênus.
Ululam junto dele os cães diletos
E as Oréades Ninfas o pranteiam;
A mesma Vênus, os cabelos soltos,
Por esses bosques vaga, mui dorida,
Desornada e descalça: as feras Sarças
Ferem-lhe os pés, por onde vai, e vertem
Seu sangue divinal; co' agudas vozes
Chorando corre longos vales; busca
bradando o Assírio Esposo, e o moço chama.
Junto do ventre negro sangue a Adonis
Altamente rompia, e desde a coxa
Se ensanguentava o peito, e as costas, antes
Níveas, de cor púrpurea se tornaram:
Ai! Ai! ó Vênus, os Amores choram,
Ela perdeu um belo Esposo, e logo
A sacra formosura; porque enquanto
Viveu Adonis, formosura rara
era a de Vênus: com Adonis morre
Ai! Ai! A formosura da alma Vênus.
Todos os montes e carvalhos dizem:
Ai de Adonis: e os rios vão carpindo
A dor de Vênus; toda a fonte chora
pelos montes a Adonis; as boninas
se tornam de dor roxas: triste Vênus
Por vales todos e Cidades clama:
Ai! Vênus,ai! Morreu o belo Adonis.
E com triste clamor ressoa o eco:
Morreu o belo Adonis. Quem não chora
Ai! Ai! o fero amor de Vênus! tanto
Que da flácida coxa viu manando
Púrpureo sangue, os braços estendendo
Com gemidos bradava: espera, Adonis,
Mísero Adonis, ah! espera, possa
Eu inda achar-te, e ter-te nos meus braços,
E ajuntar os meus lábios aos teus lábios.
Acorda por um pouco, Adonis, dá-me
Um ósculo por fim, que de tua alma
À minha boca, e ao meu peito corra
Esse teu esp'rito, teu amor suave
Nos beiços tomarei; beberei neles
O teu amor; eu guardarei o beijo,
Como se fosse Adonis, pois me foges
Mesquinho; e foges para longe, Adonis,
E te vais a Aqueronte, e ao incompassivo
E triste Rei; mas eu infeliz vivo,
E sou Deusa, e nem dado me é seguir-te.
Meu esposo recebe, ó Proserpina,
Pois inda mais do que eu, és poderosa;
E quanto há bom no mundo, a ti se torna.
Eu sou muito infeliz, que me atormento
Com nunca exausta dor o meu Adonis
Chorando, que morreu, e a ti te temo.
Ó mais que todos suspirado Adonis,
Tu morres, e o amor, bem como um sonho,
De mim voou: está viúva Vênus,
E os Amores em casa estão viúvos.
Já contigo acabou meu cesto, Adonis;
E por que caçavas temerário?
Sendo tu tão gentil, com as bravas feras
Brigar ousaste? Assim chorava Vênus,
Assim choravam os Amores juntos.
Ai de Vênus! Morreu o belo Adonis,
E Vênus tantas lágrimas derrama,
Quanto de sangue derramou Adonis.
As lágrimas, e sangue desparzido
Em terra, em flores se convertem: gera
O sangue a rosa, as lágrimas a anêmone.
Choro a Adonis; morreu o belo Adonis.
Não mais chores na selva o esposo, ó Vênus:
Bem preparado está o toro a Adônis,
Aparelhado o toro tem decente.
Esse teu mesmo leito o morto Adonis
Ocupe, ó Vênus; bem que esteja morto,
É inda belo, como que adormece:
Ali, n'áureo coxim o deposita
Nas moles vestes, com que se deitava,
E contigo de noite o sacro sono
Dormia: a Adonis ama, inda que esteja
Com triste aspecto; e o põe entre grinaldas,
E flores; também flores, dês que Adonis
Morreu, com ele todas se murcharão.
Tu o banha com mirtos, com diversas
Espécies de óleo, com aromas unge,
Acabe todo o aroma, o teu Adonis
Acabou. Jaz deitado o tenro Adonis
No manto de escarlata: junto dele
Chorando gemem os Amores todos,
Cortados os cabelos, por Adonis:
Um calca as setas, outro calca o arco;
Um quebra a aljava de farpões prenhada;
De Adonis outro os borzeguins desata;
Este água em áureos vasos traz; aquele
As coxas lava, e aquel'outro a Adonis
Posto detrás com as asas refrigera:
Co' a mesma Vênus os Amores choram.
No lumiar da porta o facho todo
Himeneu apagou; rompeu a c'roa
Nupcial; e não mais, ó Hímen, Hímen,
Não mais a cantilena é já que soa,
Porém, Ai, ai! Ai, ai! morreu Adonis,
Acabou Himeneu. As Graças choram
O filho de Cinira; entre si dizem:
Morreu o belo Adonis; dizem isto
Com mais aguda voz, que tu, Dione,
Choram a Adonis, té as Parcas choram
A Adonis, e co'canto à vida o chamam;
Mas não as ouve; não porque assim queira,
Porém que o não sofre Proserpina.
Põe fim, ó Citeréa, aos teus lamentos;
E ora assiste aos joviais banquetes;
Pois tens segunda vez de prantear-te,
E n'outro ano chorar de novo a Adonis.
Tradução de Elpino Duriense.
Fonte: SANTOS, Antonio Ribeiro. Poesias de Elpino Duriense. Imprensa régia, 1812.
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