quinta-feira, agosto 20, 2009

Prólogo de Bacas, vv. 01 - 63 - Três traduções

Dioniso:

Venho a esta terra tebana, filho de Zeus,
Dioniso, que nasce da filha de Cadmo,
Sêmele, partejada por relampeado fogo.
Troquei a forma de Deus pela humana,
presente às águas de Dirce e às de Ismeno.
Vejo monumento à minha mãe fulminada
lá perto das casas e ruínas do palácio
a fumarem chama ainda viva do fogo de Zeus,
imortal agressão de Hera à minha mãe.
Louvo Cadmo que tornou intocável este chão,
o recinto da filha; eu o cobri todo
ao redor com o cacheado verdor da videira

Deixei auríferos hectares lídios e frígios
percorri planaltos pérsios sob forte sol,
muralhas báctrias, a terra tempestuosa
dos medos, a Arábia de bom Nume
e toda a Ásia deitada à beira do salso mar
com as suas bem torreadas cidades
cheios de gregos e bárbaros mesclados,
e vim a esta cidade dos gregos primeiro.

Também lá fiz coros e instituí mistérios
meus, para manifestar-me Nume aos mortais.
Primeiro em Tebas nesta terra grega
alarideei e atei a nébrida ao corpo
e nas mãos pus o tirso, hederoso dardo;
pois irmãs de minha mãe, as que menos deviam,
diziam que Dioniso não surgiu de Zeus,
que Sêmele, feita mulher por algum mortal,
atribuiu a Zeus o desacerto com o leito,
sofismas de Cadmo, assim Zeus a matou
porque mentiu núpcias, alardeavam elas.
Por isso, de suas casas eu as aguilhoei
com a loucura e habitam a montanha aturdidas.
Obriguei-as a ter paramentos de meus trabalhos,
e toda a fêmea semente, quantas cadméias
havia, enlouqueci em seus lares:
junto com as filhas de Cadmo misturadas
sob verdes abetos correm por pedras sem teto.
Deve esta cidade saberm ainda que não queira,
que não está iniciada em meus Baqueumas,
e devo pronunciar a defesa de mãe Sêmele
manifesto aos mortais Nume que ela deu a Zeus.
Cadmo outorga o privilégio e o poder
a Penteu, rebento de sua filha Agave.
Este combate o Deus em mim e repele-me
das libações, nem de mim se lembra nas preces.
Por isso mostrar-lhe-ei que Deus nasci
e aos tebanos todos. Após bem me pôr aqui
voltarei o pé para uma outra terra
a mostrar-me. E se a cidade tebana irada
tentar com armas expulsar da montanha
as Bacas, atacarei chefiando as Loucas.
Por isso alterado tenho aspecto de mortal
e minha forma transmutei em ser humano.
Ó vós que deixastes Tmolo abrigo da Lídia,
eia! Tíaso meu, mulheres que dos bárbaros
conduzi sequazes das pousadas e percursos,
erguei os tamborins nativos da cidade
dos frígios, invenção de mãe Réia e minha,
vinde ao redor do régio palácio de Penteu
e percuti, para que o povo de Cadmo veja.
Eu com as Bacas às dobras do Citéron
irei onde estão e participarei dos coros.

Tradução de Jaa Torrano

Fonte: EURÍPIDES. Bacas. Tradução e estudo de Jaa Torrano. São Paulo: Hucitec, 1993.


Dioniso:

Deus, filho de Zeus, chego a Tebas ctônia,
Dioniso. Deu-me à luz Semele cádmia.
O raio - Zeus porta-fogo - fez-me o parto.
Deus em mortal transfigurado, achego-me
ao rio Ismeno, ao minadouro dírceo.
Avisto o memorial de minha mãe
relampejada junto ao paço. Escombros
de sua morada esfumam com o fogo,
ainda flâmeo, de Zeus, ultraje eterno
de Hera contra Semele. Louvo Cadmo:
sagrou à filha o espaço não-pisado,
que circum-ocultei com verdes vinhas
em cachos. Deixo Lídia e Frígia pluri-
-áureas; plainos da Pérsia calcinados;
Báctria emurada; a Média, terra gélida;
Arábia venturosa; pleniaberta
ao mar salino, a Ásia, onde, em tantas urbes
de torres multilindas, grego e bárbaro
compunham gigantesco aglomerado.
Na Grécia, por aqui me introduzi.
Fundei meu rito em coros dançarinos:
um deus-demônio, ao homem manifesto.
À trra dos tebanos vim primeiro.
A pele nébrida ajustei aos corpos
sobreululando, o tirso e o dardo de hera
dei-lhes. Me denegriu quem não devia,
as minhas tias maternas: "Não é deus
Dioniso! Não é filho de Zeus! Grávida
de outro qualquer, Semele o inculpou pela
própria falta." Sofismam, como Cadmo:
a mãe falsária, Zeus, então, matara-me!
Eis a razão de eu, para o monte, atraí-las,
maníacas de furor, fêmeas frenéticas.
Fêmeas tebanas portam, todas elas
forçadas, paramentos para a orgia,
tresloucadas, dos lares, todas, extra-
-ditadas, turba entremesclada às Cádmias,
sob o cloroso abeto, sobre as pedras.
Malgrado seu, aprenda a cidadela
não ter sido iniciada em meus baqueus.
Da mãe Semele faço a apologia:
mostro-me um deus-demônio, o sêmen nela
de Zeus. Cadmo a Penteu, filho de uma outra
filha, outorga o apanágio de tirano-
-rei. Contra mim, Penteu move uma teo-
-maquia: libações me nega e preces.
Por isso eu lhe indigito minha origem
divina e a Tebas toda. Implanto aqui
o rito, e os pés, alhures, logo movo
em minha epifania. Mas se em furor
de hoplita a pólis planejar tirá-las
do pico, eu lutarei, chefiando as loucas.
Por isso, num mortal me transfiguro,
a forma antiga em natureza humana.
Atrás de nós ficou a serra tmólia,
baluarte lídio, ó fêmeas do meu tíaso,
companheiras de périplo e repouso!
Alçando frígios tímpanos, ó bárbaras,
invento de Mãe-Réia, meu próprio invento,
circundai a morada basiléia,
ressoai - que o presencie a pólis de Cadmo!
Assim, voltando ao Ptýks, reentrância do
Citero, me reintegro ao coro báquico.

Tradução de Trajano Vieira

Fonte: VIEIRA, T. As Bacantes de Eurípides. São Paulo: Perspectiva. 2003.


Diôniso

Estou aqui, chegando à terra dos tebanos,
eu, o próprio Diôniso, filho de Zeus,
que há muitos anos a filha do antigo Cadmo,
Semele, trouxe ao mundo graças ao fulgor
de um divino relâmpago vindo das nuvens.
Tomei a forma humana para freqüentar
as nascentes de Dirce e as águas do Ismeno.
Já posso ver junto ao palácio a sepultura
de minha mãe - pobre Semele! - fulminada
por um raio e as ruínas de sua morada
ainda fumegantes do fogo de Zeus,
testemunho perene da vingança de Hera
e um violento insulto à minha amada mãe.
É meu dever também agradecer a Cadmo
por haver feito deste solo, inviolável
aos passos dos mortais, o altar de sua filha,
que vim cercar de videiras cheias de uvas.
Cruzei a Lídia e sua terra aurífera
e as planícies da Frígia e viajei
para os ensolarados planaltos da Pérsia,
e a Bactriana com suas muralhas altaneiras,
e a Média, gelada durante o inverno,
e até o extremo da Arábia Feliz,
e toda a Ásia, enfim, cujo limite
são as ondas salgadas, com suas cidades
cercadas por belas muralhas, onde gregos
se misturaram com diversas raças bárbaras.
A primeira cidade grega que visito
é esta aqui. Em muitas regiões distantes
organizei meus coros, implantei meus ritos,
para manifestar-me aos homens como um deus.
A minha preferida entre as cidades gregas
é Tebas, onde já se ouviram meus clamores.
As mulheres tebanas, mais fiéis a mim,
já se dispõem a vestir peles de corças,
e pus em suas mãos o tirso, este dardo
ornado com ramos de hera sempre verdes.
De fato, as irmãs de minha querida mãe,
que em primeiro lugar deviam poupar-me
de tal insulto, declararam que eu, Diôniso,
não sou filho do grande Zeus e que Semele,
ludibriada por um amante mortal
e mal aconselhada pelo próprio Cadmo,
havia atribuído seu pecado ao deus.
Em altos brados elas proclamavam que,
se Zeus a fulminou, foi para castigá-la
por ter tido a idéia de vangloriar-se
de amores com um deus. Por isso compeli
todas as mulheres de Tebas a deixarem
seus lares sob o aguilhão do meu delírio.
E agora, vítimas de mente transtornada,
elas passaram a morar nos altos montes,
usando apenas a roupagem orgiástica.
Longe de suas casas e como dementes,
elas misturam-se com as filhas de Cadmo
em cima dos rochedos e sob os pinheiros
perenemente verdes. Mesmo constrangida,
esta cidade terá de reconhecer
a grande falta que lhe fazem minhas danças
e meus mistérios, para que eu possa vingar
a honra de Semele, minha amada mãe,
aparecendo aqui a todos os mortais
como o deus que ela um dia concebeu e teve,
depois de unir-se a Zeus. E Cadmo transmitiu
suas reais prerrogativas a Penteu,
filho de sua filha, que faz contra mim
guerra constante à minha condição divina.
Ele sempre me exclui de suas libações
e nunca diz meu santo nome em suas preces.
Mas poderei provar-lhe e provar aos tebanos
que fui realmente gerado por um deus.
Depois de acertar tudo como quero aqui,
dirigirei meus passos a outros lugares
e me darei a conhecer por toda a parte.
Mas se a cidade dos tebanos, tresloucada,
tentar trazer do cume dos montes mais altos
minhas Bacantes recorrendo à força bruta
e às armas, então marcharei com minhas tropas
de Mênades enfurecidas contra Tebas.
Com esta intenção apareci aqui
como se fosse um dos mortais e transformei
em corpo humano minha condição divina.
Vamos, vós, que preferistes deixar o Tmolo,
a muralha da Lídia, vós, componentes
de meu cortejo, minhas queridas mulheres
que me acompanham sempre desde as terras bárbaras,
vós todas que morais e caminhais comigo,
vós que agitai os tamborins feitos na Frígia
(uma invenção de Réa, a Grande Mãe, e minha).
Vinde e ficai junto ao palácio de Penteu,
tocando-os para atrair sobre vós mesmas
a curiosidade de Tebas Cadméia,
enquanto, sempre ao lado de nossas Bacantes,
conduzirei seus coros até o sopé
do altíssimo Citéron, onde ficaremos.


Tradução de Mário da Gama Kury


Fonte: EURÍPIDES. Ifigênia em Áulis, As Fenícias, As Bacantes. Tradução de Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editora, 1993.

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