sexta-feira, setembro 22, 2023

O poema - João Cabral de Melo Neto

 A tinta e a lápis

escrevem-se todos

os versos do mundo.


Que monstros existem

nadando no poço

negro e fecundo?


Como o ser vivo

que é um verso,

um organismo


com sangue e sopro,

pode brotar

de germes mortos?


O papel nem sempre

é branco como

a primeira manhã.


É muitas vezes

o pardo e o pobre

papel de embrulho;


é de outras vezes

de carta aérea,

leve de nuvem.


Mas é no papel,

no branco asséptico,

que o verso rebenta.


Como um ser vivo

pode brotar

de um chão mineral? 


O Engenheiro (1942-1945) in: SECCHIN, A.C. (org.) João Cabral de Melo Neto - Poesia Completa, Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020. 

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