terça-feira, outubro 28, 2014

O Artista Inconfessável

Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.

(João Cabral de Melo Neto)

segunda-feira, outubro 06, 2014

Heike Monogatari - Poema de abertura

O Heike Monogatari ("Conto de Heike") é um romance épico japonês do séc. XIII d.C.,  que registra o confronto entre os clã Taira (Heike) e Minamoto.  O início da obra se dá com este poema de oito versos, que se distingue  dos tradicionais waka  por sua proximidade com poemas ocidentais (tanto em métrica, quanto em temas). A tradução abaixo não é direta, e toma algumas liberdades em relação ao texto original.  Ela toma como base a tradução inglesa de Helen C. McCullogh (The Tale of the Heike, Stanford, 1990),  consultando, porém, o original japonês de perto (onde um comentário pode ser lido aqui):

Em Guiôn (*),o som dos sinos ressoa
 que nada permanece para sempre.
Na cor das folhas das árvores gêmeas, (**),
a verdade: o que nasce, perece.
A arrogância não dura muito tempo,
é  sonho breve na noite vernal;
até os bravos um dia enfim tombam,
se tornam nada mais que poeira ao vento.

祇園精舎の鐘の聲、
諸行無常の響あり。
娑羅雙樹の花の色、
盛者必衰のことわりをあらはす。
おごれる人も久しからず、
唯春の夜の夢のごとし。
たけき者も遂にほろびぬ、
偏に風の前の塵に同じ。

[Tradução: Rafael Brunhara]

(*) No original, Gion Shouja, o templo situado em Gion, na Índia.

(**) No original, as árvores gêmeas com folhas de Shala (sharashouju). Árvores com dois troncos crescendo em quatro direções. Diz a lenda que Buda morreu sob essas árvores, após ter alcançado o Nirvana. 

quarta-feira, outubro 01, 2014

890 PMG e Anaxândrides (fr.142 K) em Ateneu, Deipnosophistae, 15.694e

ὑγιαίνειν μὲν ἄριστον ἀνδρὶ θνητῷ,
δεύτερον δὲ καλὸν φυὰν γενέσθαι,
τὸ τρίτον δὲ πλουτεῖν ἀδόλως,
καὶ τὸ τέταρτον ἡβᾶν μετὰ τῶν φίλων.

ᾀσθέντος δὲ τούτου καὶ πάντων ἡσθέντων ἐπ' αὐτῷ καὶ μνημονευσάντων ὅτι καὶ ὁ καλὸς Πλάτων αὐτοῦ μέμνηται ὡς ἄριστα εἰρημένου (Pl.Gorg. 451e), ὁ Μυρτίλος ἔφη Ἀναξανδρίδην αὐτὸ διακεχλευακέναι τὸν κωμῳδιοποιὸν ἐν Θησαυρῷ λέγοντα οὕτως (fr.142 K)·

ὁ τὸ σκόλιον εὑρὼν ἐκεῖνος, ὅστις ἦν,
τὸ μὲν ὑγιαίνειν πρῶτον ὡς ἄριστον ὂν
ὠνόμασεν ὀρθῶς· δεύτερον δ' εἶναι καλόν,
τρίτον δὲ πλουτεῖν, τοῦθ', ὁρᾷς, ἐμαίνετο·
μετὰ τὴν ὑγίειαν γὰρ τὸ πλουτεῖν διαφέρει·
καλὸς δὲ πεινῶν ἐστιν αἰσχρὸν θηρίον.

Saúde é o melhor para um mortal;
Em segundo lugar, bela aparência;
Em terceiro, enriquecer sem dolo;
E em quarto, ser jovem com os amigos.

Depois que ele cantou, que todos se encantaram com esse escólio, e relembraram que o belo Platão (Pl.Gorg.451e) também o mencionara como um dito excelente, Mirtilo disse que Anaxândrides, o comediógrafo, zombou dele em sua obra O Tesouro, falando assim (fr.142 K):

O sujeito que inventou o escólio, quem seja,
Que diz “Saúde primeiro, como o melhor”
Disse com acerto. Mas em segundo, ser belo,
e depois, rico – aí, vê, ele estava louco:
Depois da saúde, a riqueza se distingue,
e um belo homem, faminto, é uma besta horrível.

Tradução: Rafael Brunhara