quinta-feira, março 31, 2011

Horácio, Ode II, 16

Surpreso no amplo mar Egeu, o nauta,
logo que nuvem atra esconde a lua
e estrela alguma arde no céu, aos deuses
pede descanso;

descanso pede a furibunda Trácia,
pede-o o meda de aljavas enfeitado,
Grosfo, porque, com gemas e ouro, nunca
podem comprá-lo.

Pois o ouro e o consular litor não tiram
as agitações míseras do espírito
e os cuidados que os tetos sobrevoam,
ricos de ornatos.

Vive com pouco e bem aquele a quem
pátrio saleiro esplende à mesa simples
e não lhe rouba o sono, o medo e a inveja,
sórdido vício.

Por que, assim, tanto, intrépidos, visamos,
se a vida é breve? Buscar outra terra,
sob outro sol? Mas quem, fugindo a pátria,
foge a si mesmo?

Navios de bronze o mórbido cuidado
escala; equestre esquadrões persegue,
mais rápido que o cervo, mais veloz
que Euro soprando.

Alegre no presente, que a alma odeie
os cuidados futuros, e a amargura,
adoce-a, a rir: felicidade inteira,
essa não há.

Morte precoce arrebatou Aquiles,
longa velhice consumiu Titono,
talvez o fado me conceda aquilo
que te negou.

Cercam-te cem rebanhos a mugir
de vacas sículas, relincha-te a égua,
a quadriga apta, lãs três vezes tinta
de áfrico múrice

para o teu uso tens; a mim, me deu
pequeno campo, o sopro das camenas
gregas e o dom de desprezar o vulgo,
Parca veraz.

Tradução de Bento Prado de Almeida Ferraz.

Fonte: FERRAZ, Bento Prado de Almeida; PRADO, Anna Lia Amaral de Almeida (org.) Horácio: Odes e Epodos, SP: Martins Fontes, 2003.

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