José Agostinho de Macedo*, Motim Literário em Forma de Solilóquios, Lisboa: Tipografia José da Rocha, 1841, p.44-45.
“O peso e a autoridade dos séculos nunca me pode mover, eu não conheço nestas coisas de sua natureza frívolas (e que importam versos) outro tribunal mais que o da razão. Para julgar por mim mesmo, capitulei com a minha paciência, que ela aturaria de fio a pavio a leitura do eterno Homero, que devoraria a
Ilíada e
Odisseia sem lhe faltar um jota: assim sucedeu, e como eu não sei Grego, li a tradução de Clark em Latim, mais zangado fiquei, mais aborrecido, que é tão literal e tão chã, que provoca a cada instante a vômito, cada página são oito grãos de tártaro emético. Lancei mão de Dacier, a mais fanática de todos os panegiristas do pai Homero, eis aqui uma verdade, a minha paciência esteve para ser francesa, quebrantando logo a capitulação, apenas pude aturar de cabo a rabo a sonolentíssima leitura do narcótico Homero. Talvez isso seja uma blasfêmia aos olhos do pai Apolo. Mas porque motivo este nume dos glosadores não me quer favorecer, com suas benignas influências, quando leio o pai Homero? Por que não escalda minha imaginação e a faz ferver em ponto de poder sentir e gostar todas as belezas da
divina Ilíada, que tantos povos, e tantos homenzarrões sábios e taludos têm admirado há quase três mil anos?”
* José Agostinho de Macedo (1761-1830) foi um padre e poeta português. Autor de vasta obra e figura bastante controversa em seu tempo, ficou na verdade mais conhecido como intenso crítico de Camões, ao qual tentou corrigir com seu próprio poema épico,
Oriente (1814) e uma alentada
Censura das Lusíadas (1820).
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