domingo, janeiro 18, 2009

Amores II, 1.

Eu, o poeta que escrevo enamorado, Ovídio,
eu que nasci na úmida terra dos pelignos,
estes versos compus, que assim Amor mandou:
longe de mim, longe de mim, ó vós, austeras!
Não sois a boa audiência para ternos cantos.
Leiam-me a virgem que se inflama ao ver o noivo
e o jovem que só agora conheceu o amor.
Que alguém, ferido pela mesma seta que eu,
pelos vestígios sua chama reconheça
e diga, surpreendido: "Como foi que o poeta
veio a saber destes meus casos?"

Eu ousava
-recordo-me- narrar as guerras celestiais
e Giges de cem mãos, e voz não me faltava
para dizer de como Tellus se vingou
e Pélion e Ossa vieram a cair do Olimpo.
Nuvens eu tinha em mãos, e o raio com que Júpiter
defenderia os céus.

Portas me fecha a amada:
largo Jove e seu raio, que me saem do espírito.
Perdão: não me serviam, Júpiter, teus raios.
Às meiguices voltei e às leves elegias,
que são as minhas armas, e as palavras doces
amoleceram logo a dura porta.

Os versos
fazem descer os cornos da sangrenta Lua
e recuar os corcéis do Sol, brancos de neve;
o canto esmaga a fauce aberta da serpente
e faz retroceder à fonte a água corrente.
Com os meus versos cedeu a porta; e a fechadura,
em carvalho encaixada embora, foi vencida.
Que me daria o ágil Aquiles, se o cantasse?
Que me adviria de qualquer dos dois Atridas?
Do que errou tantos anos quantos combateu,
e de Heitor que arrastaram os corcéis da Hemônia?
Mas se canto a beleza de uma terna jovem,
como preço do poema ela procura o vate:
eis uma digna recompensa. Adeus, heróis
de ilustres nomes: vossa paga não me serve.
Formosas jovens, vós porém lançai o olhar
sobre estes poemas que me dita o Amor púrpureo.

Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos

domingo, janeiro 04, 2009

Atena e Ulisses. Odisséia, 13. 190-236

Folga o divino herói de estar na pátria,
Que do Egíaco a filha anunciava;
Discursa presto, com desvio e astúcia,
Ardis sempre no peito revolvendo:
"De Ítaca ouvi na transfretana Creta,
Larga e longínqua. Aos meus deixando parte,
Fugi com estes bens, lá tendo morto
O régio garfo Orsíloco ligeiro,
Que no curso vencia os bravos Cressos;
Pois quis privar-me dos despojos de Ílio,
Ganhos com tanta lida nas batalhas
E a tanto mar escapos, de ciúmes
que eu, a outros mandando, às ordens nunca
do genitor Idomeneu servisse.
Tendo um sócio, no campo numa espera,
Orsíloco atravesso ao pé da estrada:
Oculta a morte pela opaca noite,
Ninguém por ela deu. Porção da presa
A ganância fartou da nau Fenícia,
Que me largasse em Pilos ou na diva
Élide Epéia. O rijo oposto vento
Afastou-nos do rumo, e constrangidos,
Não por fraude, arribamos pelo escuro;
No porto aqui saltando, sem tratarmos
Do preciso repasto, nos deitamos.
Lasso peguei no sono; eles, na areia
Depositadas as riquezas minhas,
A Sidônia se foram populosa:
Triste ah! Fiquei na praia abandonado".

A Glaucópide rindo a mão lhe afaga,
Disfarçada em mulher vistosa e guapa,
Ilustre no lavor: "Sagaz e astuto,
só te excedera um deus! Matreiro e fino,
Mesmo exerce na pátria os falsilóquios,
Dolos e ardis, que desde o berço amaste.
Não uses tu comigo de rodeios:
Se aos mortais no juízo te avantajas,
Eu me avantajo aos deuses. Desconheces
Tritônia, que te assiste em dúbios transes?
Eu te fiz agradável aos Feácios;
Agora venho consultar contigo,
E o tesouro esconder que ao povo egrégio
Inspirei te doasse. Em teu palácio
Olha que inda é forçoso padeceres:
A varão nem mulher tu não descubras
O teu regresso; tácito suportes
A própria dor e injúrias e insolências".

Tradução de Odorico Mendes.

Fonte: HOMERO. Odisséia. Tradução de Manuel Odorico Mendes e Edição de Antônio Medina Rodrigues. São Paulo: Edusp. 1996.

sábado, janeiro 03, 2009

Horácio, I,20

Vile potabis modicis Sabinum
cantharis, Graeca quod ego ipse testa
conditum leui, datus in theatro
cum tibi plausus,

care Maecenas eques, ut paterni
fluminis ripae simul et iocosa
redderet laudes tibi Vaticani
montis imago.

Caecubum et prelo domitam Caleno
tu bibes uuam; mea nec Falernae
temperant uites neque Formiani
pocula colles.



Ordinário sabino por pequenas
taças, claro Mecenas cavaleiro,
tu beberás, que eu mesmo sigilara
guardado em talha grega;

quando o teatro te aplaudiu de modo
que as ribas do paterno rio, e o eco
engraçado do Monte Vaticano
te repetiu louvores.

Cécubo, e uva no lagar Caleno
bebe embora espremida, que meus copos
nem falernas videiras os temperam,
nem formiano outeiro.


Tradução de Elpino Duriense.

Fonte:

A lyrica de Quinto Horacio Flacco. Lisboa: Imprensa régia, 1807.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Prometeu Prisioneiro, vv. 1008-1053

Ἑρμῆς

λέγων ἔοικα πολλὰ καὶ μάτην ἐρεῖν·
τέγγηι γὰρ οὐδὲν οὐδὲ μαλθάσσηι λιταῖς
ἐμαῖς, δακὼν δὲ στόμιον ὡς νεοζυγὴς
πῶλος βιάζηι καὶ πρὸς ἡνίας μάχηι.
ἀτὰρ σφοδρύνηι γ᾽ ἀσθενεῖ σοφίσματι·
αὐθαδία γὰρ τῶι φρονοῦντι μὴ καλῶς
αὐτὴ καθ᾽ αὑτὴν οὐδενὸς μεῖζον σθένει.
σκέψαι δ᾽, ἐὰν μὴ τοῖς ἐμοῖς πεισθῆις λόγοις,
οἷός σε χειμὼν καὶ κακῶν τρικυμία
ἔπεισ᾽ ἄφυκτος. πρῶτα μὲν γὰρ ὀκρίδα
φάραγγα βροντῆι καὶ κεραυνίαι φλογὶ
πατὴρ σπαράξει τήνδε, καὶ κρύψει δέμας
τὸ σόν, πετραία δ᾽ ἀγκάλη σε βαστάσει.
μακρὸν δὲ μῆκος ἐκτελευτήσας χρόνου
ἄψορρον ἥξεις εἰς φάος· Διὸς δέ σοί
πτηνὸς κύων, δαφοινὸς αἰετός, λάβρως
διαρταμήσει σώματος μέγα ῥάκος,
ἄκλητος ἕρπων δαιταλεὺς πανήμερος,
κελαινόβρωτον δ᾽ ἧπαρ ἐκθοινήσεται.
τοιοῦδε μόχθου τέρμα μή τι προσδόκα,
πρὶν ἂν θεῶν τις διάδοχος τῶν σῶν πόνων
φανῆι θελήσηι τ᾽ εἰς ἀναύγητον μολεῖν
Ἅιδην κνεφαῖά τ᾽ ἀμφὶ Ταρτάρου βάθη.
πρὸς ταῦτα βούλευ᾽, ὡς ὅδ᾽ οὐ πεπλασμένος
ὁ κόμπος, ἀλλὰ καὶ λίαν εἰρημένος·
ψευδηγορεῖν γὰρ οὐκ ἐπίσταται στόμα
τὸ Δῖον, ἀλλὰ πᾶν ἔπος τελεῖ. σὺ δὲ
πάπταινε καὶ φρόντιζε, μηδ᾽ αὐθαδίαν
εὐβουλίας ἀμείνον᾽ ἡγήσηι ποτέ.


Χορός

ἡμῖν μὲν Ἑρμῆς οὐκ ἄκαιρα φαίνεται
λέγειν· ἄνωγε γάρ σε τὴν αὐθαδίαν
μεθέντ᾽ ἐρευνᾶν τὴν σοφὴν εὐβουλίαν.
πιθοῦ· σοφῶι γὰρ αἰσχρὸν ἐξαμαρτάνειν.

Προμηθεύς

εἰδότι τοί μοι τάσδ᾽ ἀγγελίας
ὅδ᾽ ἐθώυξεν, πάσχειν δὲ κακῶς
ἐχθρὸν ὑπ᾽ ἐχθρῶν οὐδὲν ἀεικές.
πρὸς ταῦτ᾽ ἐπ᾽ ἐμοὶ ῥιπτέσθω μὲν
πυρὸς ἀμφήκης βόστρυχος, αἰθὴρ δ᾽
ἐρεθιζέσθω βροντῆι σφακέλωι τ᾽
ἀγρίων ἀνέμων, χθόνα δ᾽ ἐκ πυθμένων
αὐταῖς ῥίζαις πνεῦμα κραδαίνοι,
κῦμα δὲ πόντου τραχεῖ ῥοθίωι
συγχώσειεν τῶν οὐρανίων
ἄστρων διόδους ἔς τε κελαινὸν
Τάρταρον ἄρδην ῥίψειε δέμας
τοὐμὸν ἀνάγκης στερραῖς δίναις·
πάντως ἐμέ γ᾽ οὐ θανατώσει.

HERMES

Gasto saliva em vão nesta conversa.
De nada adianta insistir com súplicas:
não se amolece um coração de pedra.
Dentes nos freios, como um potro novo
de sela, a tua fúria agride as rédeas.
Teu destempero encobre engenho débil.
A audácia no insensato é uma quimera.
Se és surdo ao meu discurso, visualiza:
a tempestade, a tripla onda hostil
vai tombar sobre ti, vetando a fuga.
Com a chama do raio Zeus fratura,
trovejando, a escarpa do rochedo,
e arrebata teu corpo o abraço pétreo.
Ao fim de um longo, longo tempo lento,
retornarás à luz. O cão volátil,
a águia sanguessuga do Cronida,
arrancará um naco de teu corpo,
conviva sem convite, dia a dia.
No cardápio, roído, o negro fígado.
Não esperes o fim de um sofrimento
até que um deus assuma tuas dores
e aceite percorrer o negro Hades,
o Tártaro de turvas profundezas.
Reflete, pois não sou dos que modelam
ruídos, mas palavras com sentido.
A boca do Cronida não falseia:
tudo o que pronuncia se executa.
Pensa bem, examina, pois jamais
o arrojo esteve à frente da prudência.


CORO DAS OCEÂNIDES

Não nos parece que Hermes seja arauto
de absurdos; em vez do destemor
aconselha prudência. O sábio perde
o seu valor perseverando no erro.

PROMETEU

Apenas prega obviedades.
Ao inimigo não denigre
o desaforo do inimigo.
Recaia em mim o gume duplo
da espiralada trança ardente.
Rajadas e trovões agridam
a rarefeita calmaria.
Abale à terra o furacão,
rompendo ao fundo os alicerces.
Que o vagalhão roncando altere
no céu o traçado dos astros.
Em meio aos torvelinhos turvos,
me arroje o corpo até o Tártaro.
Em vão! Não pode dar-me a morte.

Tradução de Trajano Vieira.

Fonte:

ALMEIDA, G. & VIEIRA, T. Três tragédias gregas. São Paulo: Perspectiva, 2003.