Folga o divino herói de estar na pátria,
Que do Egíaco a filha anunciava;
Discursa presto, com desvio e astúcia,
Ardis sempre no peito revolvendo:
"De Ítaca ouvi na transfretana Creta,
Larga e longínqua. Aos meus deixando parte,
Fugi com estes bens, lá tendo morto
O régio garfo Orsíloco ligeiro,
Que no curso vencia os bravos Cressos;
Pois quis privar-me dos despojos de Ílio,
Ganhos com tanta lida nas batalhas
E a tanto mar escapos, de ciúmes
que eu, a outros mandando, às ordens nunca
do genitor Idomeneu servisse.
Tendo um sócio, no campo numa espera,
Orsíloco atravesso ao pé da estrada:
Oculta a morte pela opaca noite,
Ninguém por ela deu. Porção da presa
A ganância fartou da nau Fenícia,
Que me largasse em Pilos ou na diva
Élide Epéia. O rijo oposto vento
Afastou-nos do rumo, e constrangidos,
Não por fraude, arribamos pelo escuro;
No porto aqui saltando, sem tratarmos
Do preciso repasto, nos deitamos.
Lasso peguei no sono; eles, na areia
Depositadas as riquezas minhas,
A Sidônia se foram populosa:
Triste ah! Fiquei na praia abandonado".
A Glaucópide rindo a mão lhe afaga,
Disfarçada em mulher vistosa e guapa,
Ilustre no lavor: "Sagaz e astuto,
só te excedera um deus! Matreiro e fino,
Mesmo exerce na pátria os falsilóquios,
Dolos e ardis, que desde o berço amaste.
Não uses tu comigo de rodeios:
Se aos mortais no juízo te avantajas,
Eu me avantajo aos deuses. Desconheces
Tritônia, que te assiste em dúbios transes?
Eu te fiz agradável aos Feácios;
Agora venho consultar contigo,
E o tesouro esconder que ao povo egrégio
Inspirei te doasse. Em teu palácio
Olha que inda é forçoso padeceres:
A varão nem mulher tu não descubras
O teu regresso; tácito suportes
A própria dor e injúrias e insolências".
Tradução de Odorico Mendes.
Fonte: HOMERO. Odisséia. Tradução de Manuel Odorico Mendes e Edição de Antônio Medina Rodrigues. São Paulo: Edusp. 1996.
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