segunda-feira, novembro 23, 2020

Nukata no Okimi - tr. Haroldo de Campos

"Princesa Nukata", 1909 de Kajita Hanko (1870-1917)


 KOI

Entre os irmãos rivais

Imperadores Tenmu e Tenji

a Princesa Nukata

poeta e maga

com seus olhos de outono

nostálgicos da visão do Monte Miwa

brilha indecisa

como um brocado de prata

na seda evasiva ao tacto


TRANSPOSIÇÕES


Man'yoshu 1:16

do casulo do inverno

sai a primavera

aves que não cantavam

cantam agora

flores que não floriam

agora florescem

no flanco da montanha

difícil colher flores

difícil escolhê-las

onde a relva é espessa

no outono: sou eu mesma.

posso vê-las

as folhas vermelhas

vê-las e colhê-las

deixo apenas as verdes

nas árvores com pena

- meu pesar é só este - 

no outono: sou eu mesma.


Man'yoshu 1:17


aprazível como sakê

o Monte Miwa

alegria da encosta azul-verde

até que se esvaeça

entre as colinas de Nara

a ondulante:

para além das voltas

sem conta do caminho

vou indo e sem cessar

me volto para vê-lo

uma vez outra vez

volto o olhar distante

nuvens sem coração

que discórdia vos leva

a ocultá-lo de mim?


Man'yoshu 1:18

assim o Monte Miwa

se oculta

de mim:

nuvens de coração cordato

é sensato ocultá-lo? 


Man'yoshu 1:20

passeavas pela púrpura

dos campos de violetas

passeavas pelo parque proibido:

os guardas da campina terão visto

que acenavas para mim com tua manga?


FONTE: CAMPOS, Haroldo de. "Nukata no Okimi: a princess poet and magician in the Man'yoshu" in Miner, Earl & Dev, Amiya (orgs.) The renewal of song: renovation in lyric conception and practice. Calcutta: Seagull books, 2000.