Tradução de Jaime Bruna
(A cena é o pico duma montanha deserta. Chegam Poder e Vigor, que trazem preso Prometeu; segue-os, coxeando, Hefesto, carregando correntes, cravos e malha.)
Poder. Eis-nos chegados a um solo longínquo da terra, caminho da Cítia, deserto ínvio. Hefesto, é mister te desincumbas das ordens enviadas por teu pai, acorrentando este celerado, com liames inquebráveis de cadeias de aço, aos rochedos de escarpas abruptas. Ele roubou uma flor que era tua, o brilho do fogo, vital em todas as artes, e deu-a de presente aos mortais; é preciso que pague aos deuses a pena desse crime, para aprender a acatar o poder real de Zeus e renunciar o mau vezo de querer bem à humanidade.
Hefesto. Poder e Vigor, a incumbência de Zeus para vós está terminada; nada mais vos embarga. Eu, porém, não me animo a agrilhoar à força um deus meu parente a um píncaro aberto às intempéries. Todavia, é imperioso criar essa coragem; é grave negligenciar as ordens de meu pai. Filho de Têmis bem avisada, cheio de ousados intentos, vou, mau grado meu, mau grado teu, prender-te com cravos de bronze impossíveis de arrancar a este penhasco deserto, onde não ouvirás a voz nem verás o vulto de nenhum mortal. Crestado pela chama ardente do sol, perderás o viço da pele; o manto matizado da noite, para teu gáudio, virá cobrir a luz, e o sol dissipará de novo as brumas da aurora, mas serás triturado pelo acabrunhamento da desgraça, presente sempre, porque ainda está para nascer o teu libertador. Eis o que te rendeu o vezo de querer bem à humanidade. Tu, um deus, não te encolheste de medo à cólera dos deuses e entregaste, com violação da justiça, as suas prerrogativas aos mortais; em paga, montarás guarda a este penhasco desprazível, de pé, sem dormir, sem dobrar os joelhos. Debalde exalarás gemidos e ais sem fim, porque inexorável é o coração de Zeus; todo poder recente é implacável.
Poder. Basta! Para que te atardares em lástimas perdidas? Por que não abominas o deus mais odioso aos deuses, que entregou aos mortais um privilégio teu?
Hefesto. O parentesco e a amizade são forças formidáveis.
Poder. Concordo, mas como se podem transgredir as ordens do teu pai? Isso não te infunde medo?
Hefesto. Tu és sempre cruel e audacioso.
Poder. Lamentos não curam os seus males; não te canses à toa em lástimas ineficaves.
Hefesto. Oh! Que ofício detestável!
Poder Detestável por quê? Tua arte, francamente, culpa nenhuma tem nestas aflições.
Hefesto. Ainda assim, oxalá fosse ela o quinhão dalgum outro.
Poder. Todos os quinhões foram negociados, menos o de comandar os deuses; ninguém é livre, senão Zeus.
Hefesto. Bem sei. A isso não posso replicar.
Poder. Então, mãos à obra! Envolve-o nas cadeias; que teu pai não te aviste parado.
Hefesto. Ele pode ver-me com as correntes na mão.
Poder. Põe-lhe as cadeias em torno dos braços, martela com toda a força e prega-o na rocha.
Hefesto. O trabalho avança e sai a contento.
Poder. Bate mais forte, aperta, não deixes folga. ele é hábil em descobrir saídas até onde não existem.
Hefesto. Este braço está preso, de não se poder soltar.
Poder. Fixa também este solidamente, para ele aprender que sua astúcia não é tão ágil como a de Zeus.
Hefesto. Ninguém poderá reclamar com razão de meu trabalho, exceto ele.
Poder. Agora, finca-lhe firmemente no peito o dente duro duma cunha de aço.
Hefesto. Ai! Prometeu, gemo baixinho por teus sofrimentos.
Poder. Estás outra vez remanchando e lastimando um inimigo de Zeus? Cuidado, não venhas um dia a chorar por ti mesmo!
Hefesto. Não estás vendo um espetáculo triste de ver?
Poder. Eu o vejo receber o que merece. Vamos, passa-lhe um cinto em torno dos flancos.
Hefesto. Não posso evitar de fazê-lo. Não precisas exortar-me.
Poder. Pois não só te exortarei, mas até instarei contigo. Desce e mete-lhe à força umas grilhetas nas pernas.
Hefesto. Pronto. Não deu muito trabalho.
Poder. Crava-lhe agora fortemente umas peias penetrantes; quem fiscaliza a obra é rigoroso.
Hefesto. Tua linguagem afina-se com tua figura.
Poder. Sê brando tu, mas não censures minha rigidez e a crueza de minha índole.
Hefesto. Podemos ir. Seus membros já estão amarrados.
Poder (a Prometeu). Abusa, agora! Furta aos deuses seus privilégios para entregá-los aos seres efêmeros. Que alívio te podem dar deste suplício os mortais? Errados andaram os deuses em te chamarem Prometeu; tu mesmo precisas de alguém que te prometa um meio de safar-te destes hábeis liames! (Retiram-se Poder, Vigor e Hefesto).
Tradução: Jaa Torrano
Poder:
Chegamos a longínquo e limítrofe chão
da terra, sendeiro cita, imortal solidão.
Hefesto, incumbe-te cuidar da missão
que o Pai te impôs: nestas pedras
precípites, dominar este facínora,
com infrágeis peias de cadeias de aço.
Teu adorno, brilho de artificioso fogo,
ele furtou e outorgou aos mortais. Por
um erro tal, ele deve pagar aos Deuses,
para aprender a anuir à tirania de Zeus
e abster-se de ser amigos de humanos.
Hefesto:
Poder e Violência, as ordens de Zeus
vós cumpristes, e nada vos retém,
mas eu não ouso prender, com Violência,
congênere Deus a precipício tempestuoso.
Mas isto é de toda necessidade que ouse,
pois descuidar das palavras do Pai é grave.
Filho de abrupto pensar da Lei de reto conselho,
contra mim e contra ti, com insolúveis bronzes
agrilhôo-te neste penedo longe dos homens,
onde voz nem forma de nenhum mortal
verás, e tostado por fúlgido fulgor do Sol
trocarás a flor da pele. E para teu júbilo
a Noite de variáveis vestes cobrirá a luz.
O sol de manhã espalhará geada de novo.
Sempre o peso da presente miséria há de
esgotar-te, pois o libertador ainda não surgiu.
Tal é tua colheita da amizade por humanos.
Sem te esquivares à ira dos Deuses, Deus
outorgaste aos mortais honras além do justo,
pelas qais sem prazer vigiarás esta pedra,
de pé, insone e sem curvar os joelhos.
Muitos prantos e lamúrias inúteis
balbuciarás, inexorável o ânimo de Zeus.
Todo áspero é quem tem recente o poder.
Poder:
Eia! Por que demoras e lamurias em vão,
e não abominas ao Deus inimigo dos Deuses,
que entregou aos mortais o teu privilégio?
Hefesto:
Terrível é o vínculo fraterno e o convívio.
Poder:
Concordo. E não ouvir as palavras do Pai
é possível? não tens disso maior temor?
Hefesto:
Sempre sem dó e cheio de ousadia és tu.
Poder:
Remédio nenhum é lamuriá-lo. Não te
fadigues em vão a serviço de nada.
Hefesto:
Ó muitas vezes odiada perícia das mãos!
Poder:
Por que a abominas? Pois, a bem dizer,
a arte não é a causa dos presentes males.
Hefesto:
Todavia,outro devesse tê-la no sorteio.
Poder:
Só não há ônus em ser rei de Deuses,
pois ninguém é livre, além de Zeus.
Hefesto:
Estou ciente, e nada tenho a replicar.
Poder:
Apressa-te a lançar sobre ele cadeias,
para que o Pai não te veja em repouso.
Hefesto:
Podem-se ver já prontos estes freios.
Poder:
Põe em volta dos punhos com potente força,
bate com martelo e crava nas pedras.
Hefesto:
Conclui-se este trabalho, e não em vão.
Poder:
Bate mais forte, aperta, não afrouxes.
Ele sae achar saída até do inextricável.
Hefesto:
Está fixo este braço, sem que se solte.
Poder:
Agora prega o outro, irresvalável, que
sofista se perceba mais lerdo que Zeus.
Hefesto:
Exceto ele, ninguém me faria justa censura.
Poder:
Agora crava a mandíbula obstinada
da cunha de aço firme através do peito.
Hefesto:
Aiaî, Prometeu, gemo por tuas dores!
Poder:
Tu hesitas e choras por inimigos de Zeus?
Cuida que o teu pranto não seja por ti!
Hefesto:
Vês esta visão insuportável aos olhos.
Poder:
Vejo que este alcança o merecimento.
Eia! Põe a cilha ao redor dos flancos.
Hefesto:
Fazer isso é fatal, não mandes demais.
Poder:
Sim, quero mandar e açular a mais.
Desce e prende pernas com Violência.
Hefesto:
Está feito o trabalho sem longo esforço.
Poder:
Agora bate com ímpeto perfurantes peias,
pois o supervisor do trabalho é severo.
Hefesto:
Símil à tua forma soa a tua língua.
Poder:
Agora aí transgride, e privilégios de Deuses
rouba e dá aos efêmeros. Que alívio
destas dores podem os mortais te trazer?
Falso nome os Numes te dão de Prometeu
pois precisas tu mesmo de um Prometeu
com jeito que te desenrole deste artifício.
Tradução: Ramiz Galvão
A FORÇA - Aos términos da terra enfim chegamos,
à Cítia - inacessível soledade.
Das ordens de teu pai, Hefesto, cuida,
e o criminoso prende às escarpadas
rochas co'algemas de aço, que não quebrem;
pois deu aos homens a tua flor - o fogo
omnipresente, que furtara. Cumpre
que tal delito expie feito aos deuses,
pra que saiba acatar de Zeus a força,
e o sestro deixe de ajudar os homens.
HEFESTO - Força e Violência, está por vós cumprido
o mandado de Zeus e nada resta.
falta-me contudo o ânimo de atá-lo,
um deus parente, à rocha procelosa.
Todavia é forçoso que me atreva,
pois grave é descurar paternas ordens,
Ó filho pensador da sábia Têmis,
pregar-te-ei nesta rocha desabrida,
onde não vejas voz nem forma humana,
crestado pelo sol na viva chama,
a tez mimosa fanarás; ansioso
pela noite de estrelas recamada,
que a luz te robe aos olhos; desejando
o sol, que funde as geadas matutinas.
Do mal presente a dor curtirás sempre,
pois inda não nasceu quem te liberte.
De tanto amar os homens tens o fruto.
Nume, a col'ra dos numes afrontando,
por honrar aos mortais além do justo
guardarás o penhasco pavoroso,
de pé, insone, sem curvar o joelho,
a soltar crebros ais e vãos gemidos;
que Zeus se não aplaca facilmente.
Rigor é próprio de imperantes novos.
A FORÇA - Pois bem; porque a demora e vãos lamentos?
Porque o deus mais odiado pelos deuses
não detestas, se aos homens deu teu lume?
HEFESTO - Muito podem o sangue e a convivência.
A FORÇA - Sim; mas como do Pai furta-te às ordens?
Deste Delito mais não te arreceias?
HEFESTO - És sempre inexorável e audaciosa!
A FORÇA - Lástimas nada curam; não porfies
em dó inútil, que de nada serve.
HEFESTO - Ó quanto te aborreço, ingrato ofício!
A FORÇA - Porque execrá-lo? Tua arte, certamente,
dos males que ora vemos não foi causa.
HEFESTO - A qualquer outro a sorte o cometesse!
A FORÇA - Tudo aos numes foi dado exceto o mando;
Ninguém é, senão Zeus, independente.
HEFESTO - Sei disto, e para opor-lhe nada tenho.
A FORÇA - Porque, pois, não te apressas a encadeá-lo,
pra que o Pai te não veja titubeante ?
HEFESTO - Dos braços os anéis aqui'stão prontos.
A FORÇA - À obra! Os pulsos cinge-lhe e, com malho
vigoroso, na rocha prega-os ambos.
HEFESTO - 'Stá feito, e não é vão o meu trabalho.
A FORÇA - Bate mais rijo, aperta, não afrouxes;
que ao astuto não faltam expedientes.
HEFESTO - Um braço está bem preso.
A FORÇA - E outro agora
liga seguro, para que ele aprenda
que Zeus mais vale.
HEFESTO - Com razão, só ele,
ninguém mais, censurar-me poderia.
A FORÇA - Agora enterra-lhje, por sobre os peitos,
da cunha de aço os arrogantes dentes.
HEFESTO - Ai! Prometeu, teu padecer deploro.
A FORÇA - Hesitas outra vez? Os inimigos
de Zeus lastimas ? Oxalá que um dia
a ti próprio não venhas lastimar-te.
HEFESTO - Vês horrendo espetáculo!
A FORÇA - Sim, vejo-o
punido qual merece; mas as cintas
de aço lança-lhe em torno das costelas.
HEFESTO - Força é cumpri-lo, porém basta de ordens.
A FORÇA - Mandarei sempre, excitar-te-ei com gritos:
Pra baixo! As pernas co'os anéis constringe.
HEFESTO - Está feito, e o esforço não foi grande.
A FORÇA - Agora com vigor crava as algemas;
que é severo quem julga teu trabalho.
HEFESTO - É rude o teu falar como o teu senho.
A FORÇA - Fraco sê tu, mas minha pertinácia
e da índole a rudeza não me increpes.
HEFESTO - Partamos; tem os membros enleados.
A FORÇA - Ultraja agora, e furta o dom divino
para dá-lo aos mortais. De que te valem
os homens pra aliviar-te os sofrimentos?
Errado nome - Prometeu - te deram
os deuses, quando um Prometeu precisas
tu próprio para livrar-te destas malhas.
Tradução de Trajano Vieira
(Entram Hefesto, Poder e Força, conduzindo Prometeu)
PODER - Termina o mundo e chega a terra cita.
homem nenhum, deserto inacessível.
Deves cumprir à risca, Hefesto, o édito
paterno: aprisionar o criminoso
com fortes cabos de aço no rochedo
íngreme. Ele roubou a tua flor
- brilho ígneo, matriz de toda técnica -,
passou-o a mãos humanas. Tal afronta
aos imortais requer castigo duro.
Que aprenda a dar valor à voz de Zeus
e refreie seus gestos filantrópicos.
HEFESTO - Poder e Força, o que Zeus vos ordena
termina aqui, sem outro contratempo.
Pregar no precipício um deus parente
exige uma coragem que eu não tenho.
Mas como pôr em xeque o Necessário?
Desdém à voz paterna é falha grave.
Filho da sábia Têmis, mente audaz:
contra nós dois, o bronze indissolúvel
te imobiliza nno penedo inóspito,
de onde não vês nem voz nem cor humana.
O sol aceso troca a flor da pele
queimada. Para teu alívio, a noite
encobre o lume com seu manto rútilo.
Um novo sol dissipa logo a bruma
e o mesmo fardo desta agrura volta:
não vive ainda quem te dê alívio.
Eis o fruto dos gestos filantrópicos.
Um deus desteme a ira de outros deuses,
honrando além do justo o ser humano.
Por isso velas sobre a rocha odiosa,
de pé, desperto, com os joelhos retos.
Não surtirão efeito os teus lamentos;
o coração de Zeus, nada o comove:
é duro quem exerce poder novo.
PODER - Por que demoras com lamúrias vãs?
Afagas quem os deuses mais odeiam?
Quem deu para os mortais a tua insígnia?
HEFESTO - Convívio e parentesco me constrangem.
PODER - Certo. Mas desprezas as decisões
do pai não traz mais riscos? Não te aflige?
HEFESTO - Não cabe nunca dó em tua audácia.
PODER - Não há remédio no lamento. Evita
gastar inultimente tua energia.
HEFESTO - Como odeio a perícia dos meus dedos!
PODER - Rancor estranho. O mal que sobre ti
se abate tem a ver com tua arte?
HEFESTO - Que fosse entregue a outro esse dote!
PODER - Os deuses tudo provam, salvo o mando;
somente Zeus conhece o livre arbítrio.
HEFESTO - Bem sei. É irrefutável esse fato.
PODER - Sem mais delonga, abraça-o com amarras.
Que o pai não presencie o teu marasmo.
HEFESTO - Em minhas mãos já vês as rédeas prontas.
PODER - Com toda a força envolve bem os punhos;
bate o martelo, prende-o firme às pedras.
HEFESTO - Pronto. Não falta nada à minha obra.
PODER - Não deixes nada frouxo, vai!, mais forte;
ele desfaz o emaranhado cego.
HEFESTO - Este braço duvido que desate.
PODER - Então ao outro. A rapidez sofística
- saiba - jamais alcançará o Cronida.
HEFESTO - Só ele poderia criticar-me.
PODER - No meio o seu peito encrava agora
o dente afiado desta cunha de aço.
HEFESTO - Ai, Prometeu, deploro a tua pena.
PODER - De novo hesitas? Choras o inimigo
de Zeus? Não caia sobre ti teu pranto;
HEFESTO - A cena que tu vês corrói a vista.
PODER - Não. Vejo-o recebendo o merecido.
Aperta mais a cinta em torno aos rins.
HEFESTO - Sei bem o meu papel; não me pressiones.
PODER - Minha voz tem o timbre de um açoite.
Embaixo! Cinge com vigor a coxa.
HEFESTO - Missão cumprida e sem maior fadiga.
PODER - Perfura os pés com arrebites!
Quem avalia teu labor é duro.
HEFESTO - Tua língua repercute em tua figura.
PODER - Frouxo, não venhas reprovar-me a fibra,
tampouco meu temperamento cáustico.
HEFESTO - Vamos! Não movimenta mais os membros.
PODER - Insulta agora do alto! Furta prêmios
divinos e transfere-os aos efêmeros!
Abrandam os mortais a tua pena?
Os numes se equivocam no teu nome:
Prometeu? Quem te fez a vã promessa
de desatar o nó que te tolheu?