sábado, fevereiro 11, 2012

Sobre a Medusa de Leonardo da Vinci (Shelley)


It lieth, gazing on the midnight sky,
Upon the cloudy mountain peak supine;
Below, far lands are seen tremblingly;
Its horror and its beauty are divine.
Upon its lips and eyelids seems to lie 5
Loveliness like a shadow, from which shrine,
Fiery and lurid, struggling underneath,
The agonies of anguish and of death.
Yet it is less the horror than the grace
Which turns the gazer's spirit into stone; 10
Whereon the lineaments of that dead face
Are graven, till the characters be grown
Into itself, and thought no more can trace;
'Tis the melodious hue of beauty thrown
Athwart the darkness and the glare of pain, 15
Which humanize and harmonize the strain.
And from its head as from one body grow,
As [ ] grass out of a watery rock,
Hairs which are vipers, and they curl and flow
And their long tangles in each other lock, 20
And with unending involutions shew
Their mailed radiance, as it were to mock
The torture and the death within, and saw
The solid air with many a ragged jaw.
And from a stone beside, a poisonous eft 25
Peeps idly into those Gorgonian eyes;
Whilst in the air a ghastly bat, bereft
Of sense, has flitted with a mad surprise
Out of the cave this hideous light had cleft,
And he comes hastening like a moth that hies 30
After a taper; and the midnight sky
Flares, a light more dread than obscurity.
'Tis the tempestuous loveliness of terror;
For from the serpents gleams a brazen glare
Kindled by that inextricable error, 35
Which makes a thrilling vapour of the air
Become a [ ] and ever-shifting mirror
Of all the beauty and the terror there-
A woman's countenance, with serpent locks,
Gazing in death on heaven from those wet rocks. 40

Jaz, fixando o céu noturno, supina sobre o enevoado cume de um monte; embaixo, há um tremular de terras distantes. O seu horror e a sua beleza são divinos. Sobre seus lábios e suas pálpebras pousa a formosura como uma sombra: irradiam dela, ardentes e embaciadas, as agonias da angústia e da morte que, embaixo, se debatem.
Não é tanto o horror, mas a graça a empedrar o espírito do observador, sobre quem se cinzelam os lineamentos daquela face morta, até que os seus caracteres penetram-lhe, e o pensamento se turva; é a melodiosa tinta da beleza, sobreposta às trevas e ao esplendor da punição, que torna humana e harmoniosa a impressão.
E de sua cabeça, como se fosse de um só corpo, surgem, tal qual ervas de uma rocha úmida, cabelos que são víboras, e se contorcem e se estendem, e entrecruzam os seus nós e em infinitos rodeios mostram o seu esplendor metálico, quase escarnecendo da tortura e da morte interiores, e cortam o ar com suas mandíbulas rachadas. 
E  de uma pedra ao lado, um venenoso sardão se demora a espiar aqueles olhos gorgôneos, enquanto no ar, atônito, um horrendo morcego é adejado fora da furna onde aquela amedrontadora luz surpreendeu-o e se precipita como uma traça à luz; e o céu noturno relampeja de uma luz mais amedrontadora que a escuridão.
É o tempestuoso encanto do terror: das serpentes lampeja uma cúprica fulgência acesa nesses seus inextricáveis rodeios, e cria em torno um vibrante halo, espelho móvel de toda a beldade e de todo o terror daquela cabeça: um vulto de mulher com crina vipérea, que na morte contempla o céu das tochas úmidas.
É o tempestuoso encanto do terror...

Um comentário:

Ivan disse...

SOBRE A MEDUSA DE LEONARDO DA VINCI, NA GALERIA DE FLORENÇA

Ela jaz, mirando o céu da meia-noite,
Sobre os enevoados picos supinos;
Abaixo, vê-se uma terra tremulante;
Seu horror e sua beleza são divinos.
Sobre seus lábios e pálpebras se deita
Uma escuridão amável, com os brilhos
Chamejando em luta oculta e forte
Das agonias da angústia e da morte.

Ainda assim não é tanto o horror mas a graça
Que torna o espírito do observador pedra;
Sobre a qual os lineamentos dessa face
Morta são gravados, ’té que a marca cresça
Em si mesma, e o pensamento não mais trace;
São os matizes melodiosos da beleza
Espargidos na luz e sombra da dor,
Que humanizam e harmonizam todo o ardor.

Da cabeça, como de um corpo crescido,
Como [ ] limo em rochas molhadas,
Cabelos-víboras se enroscam, fluindo
Nas suas longas tranças entrelaçadas,
E com tramas infinitas exibindo
Irradiações, ironias escamadas
Da tortura e morte ali dentro, a serrar,
Com maxilas denteadas, um sólido ar.

E de uma pedra ao lado, uma venenosa
Lagartixa espia este górgone olhar;
Enquanto no ar um morcego espaventoso,
Louco, que surgiu, as asas a ruflar,
Da gruta fendida por tal luz nojosa,
Vem qual fosse mariposa a circundar
Uma lâmpada; e o céu da meia-noite
Fulge, numa luz mais fúnebre que a sombra.

Esta é a adorável fúria do terror;
Pois ofídios olhos brônzeos a brilhar
Inflamam-se pelo inextricável erro
Que faz o vapor eletrizante do ar
Tornar-se um [ ] e sempre cambiante espelho
De toda a beleza e terror que estão lá –
Um rosto de mulher, com serpeantes cachos,
Mirando a morte no céu, dali das rochas.

Percy Bysshe Shelley, 1819
Ivan Justen Santana, 2004