sexta-feira, agosto 29, 2008

Hino Homérico a Dioniso

De Dionísio, o glorioso rebento da augusta Semele,
Lembrarei, como à ourela do mar infecundo surgiu,
Sobre um cabo saliente, na forma de um jovem varão
Inda imberbe, os seus belos e negros cabelos flutuando,
e portando nos ombros robustos um pálio de cor
Purpurina. Eis que logo num bem cobertado navio
Salteadores tirrenos surgiram do mar cor de vinho
Por madrasta fortuna impelido, e, ao verem-no, pronto
Entre si consentiram, e logo a prendê-lo avançaram,
E em seguida ao navio levaram-no, as mentes alegres
Confiavam-no filho de reis procedentes de Zeus,
E em cadeias possantes atá-lo quiseram por força.
Todavia as cadeias o não seguravam, e os elos
De seus pés e mãos se soltavam, enquanto, sentado
Com seus olhos noturnos se ria. O piloto, entendendo,
Conclamou logo os seus companheiros e disse o seguinte:
"Infelizes, que deus poderoso domar e prender
Pretendeis? Mesmo o nosso navio o não pode levar,
Pois sem dúvida é Zeus, ou Apolo das flechas de prata
Ou talvez Posêidon, já que aos homens mortais não parece,
Mas aos deuses que habitam na ampla morada do Olimpo.
Apressai-vos! Deixemo-lo em terra, na praia sombria,
Desde já nem co'as mãos o toquei, p'ra que não, irritado,
Fortes ventos excite e abundantes terríveis borrascas".
Assim disse, e o cruel capitão retrucou-lhe o seguinte>
"Infeliz, olha o vento e o velame da nave desferra,
Tendo as armas colhido, que deste os demais cuidarão
Pois espero que chegue ao Egito, ou que a Chipre ele chegue,
Ou país hiperbóreo, ou além; e que ao fim da jornada
Seus amigos nos diga e nos conte seus todos haveres,
Seus irmãos, pois é certo que um deus aqui no-lo entregou"
Disse, e o mastro fincou e o velame largou do navio,
E no bojo da vela sopraram os ventos. Em torno,
Dispuseram as armas. Mas logo surgiram prodígios...
Vinho doce e odorante, primeiro, jorrava da nave
E fluía fragrante e sonoro exalando um perfume
Imortal! Grande horror assaltou os marujos ao verem.
De repente, no topo do mastro alastrou-se uma vinha
Carregada de cachos, crescendo por todos os lados,
E do mastro ao redor enroscou-se uma hera noturna,
Toda em flores virente onde frutos ridentes pendiam;
As cavilhas cingiam coroas. Tal vendo, os marujos
Ao piloto premiam que a nau para a terra ligeiro
Dirigisse. Mas, dentro, em leão se tornou Dionísio
Que terrível por sobre o convés grandes urros lançava.
Já uma ursa felpuda no meio criou, prodigioso,
Que se alçou furibunda. O leão, no mais alto da ponte,
Fulminantes olhares lançava. Pra popa fugiram
E ao redor do piloto, que espírito calmo mantinha,
Se agruparam turbados. Mas súbito o leão atacou
O cabeça. Os demais, vendo aquilo, ao mal fado escapando,
Todos juntos se às águas do mar atiraram divino
E viraram golfinhos. Doeu-se porém do piloto,
E o reteve. fazendo-o feliz, o seguinte lhe disse:
"Nada temas, Hecátor, que ao meu coração és querido.
Sou Dionísio multíssono, aquele que foi concebido
Por Sêmele cadméia depois de por Zeus ser amada".
Salve filho de olhos formosos, Sêmele. É impossível,
Esquecendo de ti, se compor um cantar harmonioso.

Tradução de Jair Gramacho.[GRAMACHO, J. (trad.)Hinos Homéricos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília. 2003]

segunda-feira, agosto 25, 2008

Sólon - Eunomia

Nossa cidade, por disposição de Zeus, não perecerá jamais,
nem por vontade dos abençoados deuses imortais;
magnânima, vigilante filha de um pai poderoso,
Palas Atena tem mão sobre ela.
Eles próprios, com suas loucuras, querem destruir a grande cidade -
os cidadãos, persudidos por riquezas,
e também a mente injusta dos chefes do povo; para eles,
por sua grande desmedidaa, estão preparados muitos sofrimentos,
pois não sabem conter a insolência
nem moderar na paz do banquete as alegrias do momento.
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Mas enriquecem persuadidos por ações injustas
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Não poupando os bens sagrados nem os públicos
eles roubam por rapinagem, um aqui outro acolá...
E não preservam os veneráveis alicerces da Justiça que,
em silêncio, conhece o presente e o passado
e com o tempo sempre vem para punir.
Essa ferida inevitável já alcança a cidade inteira
que depressa chegou à dolorosa servidão:
esta desperta a revolta civil e a guerra adormecida,
que de muitos destrói a amável juventude;
por obra de inimigos, depressa a amorável cidade
se consome em reuniões de que os injustos são amigos.
São esses os males que grassam entre o povo; dos pobres,
muitos chegam à terra estranha, vendidos
e agrilhoados com inadequados grilhões.
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Assim, o Mal Público chega para cada um em sua casa
e já os portões do pátio não podem detê-lo,
mas de um salto ultrapassa o muro elevado e sempre encontra,
mesmo aquele que, fugindo, estiver no recôndito do quarto.
Eis o que meu coração ordena ensinar aos Atenienses:
a Disnomia tras males inúmeros à cidade
mas Eunomia faz aparecer tudo em boa ordem
e bem ajustado e muitas vezes coloca peias nos homens injustos.
Aplaina o abrupto, põe fim à insolência, abranda a violência,
murcha as flores da desgraça em seu desabrochar...
Endireita as sentenças torcidas, enfraquece as obras do orgulho,
põe fim às obras da sedição,
põe fim à ira da penosa discórdia; com ela
tudo entre os homens é justeza e prudência.

Tradução: Gilda N.M.Barros

terça-feira, agosto 05, 2008

Catulo, 65

Embora ilhado em mágoas, uma dor sem fim
me afaste, ó Hórtalo, das virgens doutas
nem bons frutos das Musas possa pensamento
gerar (que já flutua em tantos males
pois uma onda, há pouco manando do abismo
do Oblívio, os alvos pés banhou de meu
irmão, em quem, roubado a meus olhos, na praia
Retéia areias pesam de Tróia, ah!
Nunca mais conversar nem ouvir-te contar-me
teus feitos, nunca mais te ver, irmão
mais amável que a vida, e sempre vou te amar,
meu canto tornar triste por tua morte,
qual canta sob as sombras dos ramos tão densas -
ave - a Daulíade a gemer a ausência
de Ítilo); em tanta dor porém te envio, ó Hórtalo,
estes versos vertidos de Calímaco
por teus ditos, dispersos aos ventos volúveis,
em vão não creres voaram de meu peito,
como a maçã - furtivo presente do amante -
que cai do casto colo da menina
esquecida, coitada, do fruto escondido
entre as dobras do manto: vem a mãe,
ela salta e no chão foge o fruto, em sua face
infeliz um rubor lhe sobe cúmplice.

Tradução: João Angelo Oliva Neto