quarta-feira, novembro 12, 2025

Um Velho - Konstantinos Kaváfis

Tradução de José Paulo Paes:

No meio do café ruidoso, sem ninguém
 por companhia, está sentado um velho.Tem
à frente um jornal e se inclina sobre a mesa.

 Imerso na velhice aviltada e sombria,
pensa quão pouco desfrutou as alegrias
dos anos de vigor, eloqüência, beleza.

Sabe que envelheceu bastante. 
Vê, conhece.. No entanto, o seu tempo de moço lhe parece
ser ainda ontem: faz tão pouco, faz tão pouco…

Medita no quanto a Prudência dele rira;
em como acreditara sempre na mentira
do “Deixa para amanhã. Há tempo.” Que louco!

Pensa nos ímpetos que teve de conter,
nas alegrias frustras por seu tolo saber,
 que cada ocasião perdida agora escarnece.

 Porém, tanto pensar, tanta recordação,
 põem o velho confuso, e sobre a mesa, então,
 daquele café, debruçado, ele adormece.

Fonte: Konstantinos Kaváfis. Poemas. Seleção, estudo crítico, notas e tradução de José Paulo Paes. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2006. 


Tradução de Ísis Borges da Fonseca:

No interior do café ruidoso,
inclinado sobre a mesa, está sentado um velho;
com um jornal à sua frente, sem companhia.

E no menosprezo da velhice miserável
pensa quão pouco fruiu dos anos
em que tinha a força, o verbo e a beleza.

Sabe que envelheceu muito; sente-o, observa-o.
E entretanto o tempo em que era jovem se lhe afigura
como ontem. Que breve espaço, que breve espaço!

E medita como a Prudência o enganava;
e como sempre confiava nela -- que loucura!--
a mentirosa que dizia: "Amanhã. Tens muito tempo".

Lembra-se dos ímpetos que reprimia; e quanta
alegria sacrificava. Cada oportunidade perdida
zomba agora de sua prudência insensata.

...Mas por muito pensar e recordar,
o velho atordoou-se. E adormece,
apoiado na mesa do café. 

Fonte: Konstantinos Kaváfis. Poemas de K.Kaváfis. Tradução, estudo e notas de Ísis Borges da Fonseca. São Paulo: Odysseus, 2006. 

Catulo (Traduções de J.H.Dacanal)

 5

Vivamos, Lésbia minha, e amemos,

E os murmúrios todos dos velhos rabugentos

(Todos) de um tostão ter valor julguemos.

Os astros morrer e tornar podem, 

A nós, quando uma vez a breve luz se apaga,

Perpétua noite dormir imposta é.

Mil beijos dá-me, depois cem,

Depois mil outros, depois de novo cem,

Depois até outros mil, depois cem.

Depois ,quando contados muitos mais tivermos,

Os confundamos, para que não saibamos

Ou para que alguém mau invejar não possa

Quando souber (qual) o tanto de beijos ser. 

Vivamus mea Lesbia, atque amemus,
rumoresque senum severiorum
omnes unius aestimemus assis!
soles occidere et redire possunt:
nobis cum semel occidit brevis lux,
nox est perpetua una dormienda.
da mi basia mille, deinde centum,
dein mille altera, dein secunda centum,
deinde usque altera mille, deinde centum.
dein, cum milia multa fecerimus,
conturbabimus illa, ne sciamus,
aut ne quis malus invidere possit,
cum tantum sciat esse basiorum.

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Que terno e eterno seja

Entre nós este nosso amor

Vida minha, me propões! 

Ó, grandes deuses, fazei com que ela

Verdadeiramente prometê-lo possa,

E dizê-lo de coração sincero,

Para que nos permitido seja

Por toda a vida manter

Este perpétuo laço de santa amizade!

Iucundum, mea vita, mihi proponis amorem
 hunc nostrum inter nos perpetuumque fore.
 di magni, facite ut vere promittere possit, 
atque id sincere dicat et ex animo,
 ut liceat nobis tota perducere vita
 aeternum hoc sanctae foedus amicitiae.

Fonte: DACANAL, J.H. O que é Narrar? - E outros Ensaios. Porto Alegre: Besouro Box, 2021. 


J.H.Dacanal é jornalista e professor desde 1965, formado em Letras e Ciências Econômicas.

terça-feira, abril 01, 2025

Um Poeta Clássico (Sophia de Mello Brayner Andresen)

 UM POETA CLÁSSICO

Um poeta clássico
Fará da ausência uma parte do seu jogo:
Prumo esteio coluna
Combate esculpido nas métopas do templo
Una e múltipla
Cada encontro a recomeça:
Agudo gume quando a música ressoa
Venenosa rosa do Junho mais antigo
Um poeta clássico
Fará da ausência uma parte do seu jogo
Nem integrada nem assumida
Apenas companheira
Segunda mão poisada sobre a mesa
Mão esquerda
Companheira serena
Das coisas serenas:
Parede livro fruto
E fogosa condutora dos desastres
Que nos esperam em seus pátios lisos

quinta-feira, dezembro 26, 2024

Niterói - Metamorfose do Rio de Janeiro (versos 1-25) - Januário da Cunha Barbosa (1780-1846)

 Nos braços maternais, nascido apenas,

Jazia Niterói, satúrnea prole,

Quando Mimas, seu pai, gigante enorme

Que ao céu com mão soberba arremessara

A flamígera Lemnos, arrancada

Dos mares no furor da guerra ímpia,

Tingiu de sangue as águas, salpicando

De seu cérebro o Ossa, o Olimpo e o Ótris,

Ferido pelo ferro com que Marte

Vingou de Jove a injúria em morte acerba. 


Lamentando-se, Atlântida, apertava

Ao peito o filho, pálida, temendo

Trissulcos raios que inda acesos via.

Ouviu seu pranto o rei do argênteo lago

E o tenro infante, compassivo, acolhe.

No choque horrível, que dos Flegros Campos, 

O mundo sobre os polos abalara,

Surgiram novas terras, novos mares,

Cobriram reinos, ilhas, cabos, brenhas.

Netuno aponta a plaga rica e vasta,

Do sepulcro do sol, erguida há pouco,

Inda mádida e nova, inda ignorada

Dos homens e do mundo; aqui se abriga

A estirpe ilustre, em Mimas profligada,

Que o justo e paternal intento herdara. 


FONTE: ALVAREZ, Beethoven (edição, introdução, notas e posfácio). Niterói - Poema de Januário da Cunha Barbosa. Rio de Janeiro: Telha, 2023. 

terça-feira, dezembro 24, 2024

Canção Noturna do Andarilho (Tradução de Nelson Ascher)

Über allen Gipfeln,
Ist Ruh,
Im allen Wipfeln,
Spürest du
Kaum einem Hauch;
Die Vögelein schweigen im Walde
Warte nur, balde
Ruhest du auch

 Nas cristas alpinas

há paz

Nem sopro aqui nas

frondes hás

de ouvir. Detêm-

se os pios no bosque. Espera: deve

chegar-te em breve

a paz também. 


 Ponham na minha sepultura

    Aqui jaz, sem cruz,

    Alberto Caeiro

    Que foi buscar os deuses...

    Se os deuses vivem ou não, isso é convosco.

    A mim, deixei que me recebessem.


domingo, setembro 01, 2024

Quando vier a primavera (Alberto Caeiro)


Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto, 
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada,
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.