terça-feira, abril 01, 2025

Um Poeta Clássico (Sophia de Mello Brayner Andresen)

 UM POETA CLÁSSICO

Um poeta clássico
Fará da ausência uma parte do seu jogo:
Prumo esteio coluna
Combate esculpido nas métopas do templo
Una e múltipla
Cada encontro a recomeça:
Agudo gume quando a música ressoa
Venenosa rosa do Junho mais antigo
Um poeta clássico
Fará da ausência uma parte do seu jogo
Nem integrada nem assumida
Apenas companheira
Segunda mão poisada sobre a mesa
Mão esquerda
Companheira serena
Das coisas serenas:
Parede livro fruto
E fogosa condutora dos desastres
Que nos esperam em seus pátios lisos

quinta-feira, dezembro 26, 2024

Niterói - Metamorfose do Rio de Janeiro (versos 1-25) - Januário da Cunha Barbosa (1780-1846)

 Nos braços maternais, nascido apenas,

Jazia Niterói, satúrnea prole,

Quando Mimas, seu pai, gigante enorme

Que ao céu com mão soberba arremessara

A flamígera Lemnos, arrancada

Dos mares no furor da guerra ímpia,

Tingiu de sangue as águas, salpicando

De seu cérebro o Ossa, o Olimpo e o Ótris,

Ferido pelo ferro com que Marte

Vingou de Jove a injúria em morte acerba. 


Lamentando-se, Atlântida, apertava

Ao peito o filho, pálida, temendo

Trissulcos raios que inda acesos via.

Ouviu seu pranto o rei do argênteo lago

E o tenro infante, compassivo, acolhe.

No choque horrível, que dos Flegros Campos, 

O mundo sobre os polos abalara,

Surgiram novas terras, novos mares,

Cobriram reinos, ilhas, cabos, brenhas.

Netuno aponta a plaga rica e vasta,

Do sepulcro do sol, erguida há pouco,

Inda mádida e nova, inda ignorada

Dos homens e do mundo; aqui se abriga

A estirpe ilustre, em Mimas profligada,

Que o justo e paternal intento herdara. 


FONTE: ALVAREZ, Beethoven (edição, introdução, notas e posfácio). Niterói - Poema de Januário da Cunha Barbosa. Rio de Janeiro: Telha, 2023. 

terça-feira, dezembro 24, 2024

Canção Noturna do Andarilho (Tradução de Nelson Ascher)

Über allen Gipfeln,
Ist Ruh,
Im allen Wipfeln,
Spürest du
Kaum einem Hauch;
Die Vögelein schweigen im Walde
Warte nur, balde
Ruhest du auch

 Nas cristas alpinas

há paz

Nem sopro aqui nas

frondes hás

de ouvir. Detêm-

se os pios no bosque. Espera: deve

chegar-te em breve

a paz também. 


 Ponham na minha sepultura

    Aqui jaz, sem cruz,

    Alberto Caeiro

    Que foi buscar os deuses...

    Se os deuses vivem ou não, isso é convosco.

    A mim, deixei que me recebessem.


domingo, setembro 01, 2024

Quando vier a primavera (Alberto Caeiro)


Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto, 
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada,
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

quinta-feira, junho 27, 2024

Animula vagula blandula -- tradução de Nelson Ascher

Públio Élio Adriano (76-138, Imperador de Roma) 

Alminha gentil de partida,
conviva do corpo e parceira,
lá aonde irás ter em seguida,
vais lívida, imóvel, despida,
não mais, como outrora, faceira. 


 PUBLIUS AELIUS HADRIANUS

 Animula, vagula, blandula
Hospes comesque corporis
Quae nunc abibis in loca
 Pallidula, rigida, nudula,
 Nec, ut soles, dabis iocos.

domingo, abril 14, 2024

Ésquilo - Fragmento 70

Ζεύς ἐστιν αἰθήρ, Ζεὺς δὲ γῆ, Ζεὺς δ’ οὐρανός 
Ζεύς τοι τά πάντα χὤ τι τῶνδ’ ὑπέρτερον. 

Zeus é o firmamento, Zeus é a terra, Zeus é o céu. 
Zeus é tudo, e o que mais existir além disso.

[Trad. Rafael Brunhara]